5 de março de 2011

SE NÃO REGISTRAR, DESAPARECE! (II)


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 I. “COMER EU, VOCÊ NÃO COME!”

Contam os antigos que, pouco depois dos tempos em que se amarrava cachorro com linguiça, Carabuçu tinha como prócer político um homem de família vasta e importante, Dudu Mestre, pai de meus amigos de infância Suely e Teodorico, colegas de escola primária. Tal função ele não mais exercia quando frequentávamos os bancos do Grupo Escolar Marcílio Dias.
Era no tempo do Dr. Getúlio, como habitualmente se dizia, e seu Dudu, já nessa altura, falava de um jeito especial, como se estivesse com uma pastilha de Sonrisal na boca. Alguns fonemas, por esse motivo, ferviam ao ser enunciados.
Assim, um dia, seu Dudu, autoridade distrital, subiu a um palanque para fazer comunicação de medidas que a municipalidade reservara para a vila. Dentre os presentes, que se juntaram tão logo souberam que haveria novidades, estavam meu avô paterno Chico Albino, à época comerciante estabelecido com casa de secos e molhados, e Nico Dutra, proprietário rural com terras localizadas um pouco antes de se chegar à vila para quem vem de Bom Jesus do Itabapoana. Ambos eram adversários políticos de seu Dudu. Portanto ali estavam já com certa má vontade.
Perdoem-me os descendentes desses dois homens de bem, cidadãos considerados à época, que conheci e respeitava, mas devo dizer que cultura e lhaneza no trato não estavam entre as virtudes de suas pessoas. Pelo lado do meu avô, já me desculpei a mim mesmo e, assim, toco a história à frente.
Assim, com aquela dificuldade de pronunciar certos fonemas, seu Dudu inicia sua fala, da forma tradicional, mas com vigor:
- Partichico e comunico...
Neste exato instante, foi interrompido pelo bravo Nico Dutra, que contrapôs aos berros:
- Dudu, você pode até partir o Chico, mas comer eu você não come, não!
E foi uma risadaria geral, de desestabilizar o Estado Novo.

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II. NEM SÓ DE F-D-P SE FAZ O MUNDO
Conheci Molambinho em seu restaurante em Miracema, há alguns anos. É o restaurante Molambo’s, nome em homenagem a seu pai, falecido há pouco, que tinha esse apelido. Molambinho herdou a mesma alcunha, como é comum: pai, Molambo; filho, Molambinho.
Ao iniciar suas atividades, chamou atenção com os pratos saborosos que fazia, num ambiente rústico, em que o atendimento se rivalizava com o paladar da comida. Não demorou muito para ampliar o espaço, mantendo a mesma característica.
Muito comunicativo, simpatia a toda prova, mesmo conhecendo-o naquele dia, quis saber como ele havia aprendido a cozinhar. Penso que cada um de nós nasce com determinadas aptidões. Se pudermos desenvolvê-las, certamente nos daremos bem nas atividades e as faremos com prazer. Pois foi o que me pareceu ter acontecido com ele.
No entanto Molambinho contou-nos a seguinte história, que registro aqui também para que não se perca.
Há alguns anos, ele arrumou as malas e foi-se aventurar em terras do Tio Sam. Depois de algum tempo, já com trabalho fixo e na condição green card, ao ir para o trabalho, encontra na rua próxima ao condomínio onde morava um brasileiro desarvorado, recém-chegado, clandestino, em busca do chamado sonho americano. Esse patrício contou-lhe, então, que há alguns dias estava andando pelas ruas, sem pouso, sem trabalho, com o dinheiro já no fim. Ele, condoído com a situação, deu-lhe a chave do apartamento e disse-lhe que ficasse lá, até sua volta, ao fim do dia. E apontou o bloco em que se localizava o apartamento. Recomendou que tomasse banho e franqueou-lhe a geladeira:
- Há comida lá. Fique à vontade, até que eu chegue. Depois vamos ver em que posso ajudar.
Ao chegar a casa, já noite, encontrou a mesa posta com pratos de certo requinte, que o brasileiro desarvorado preparou com o que encontrou na despensa. Molambinho disse que se impressionou com a qualidade e a aparência da comida. E perguntou para o recém-conhecido qual era sua profissão, ao que ele respondeu:
- Sou chefe de cozinha e vim para cá tentar a sorte.
Nos dias seguintes, o novo amigo passou a ensinar a Molambinho as técnicas que tinha aprendido na arte da gastronomia. E foi com essa técnica que, ao voltar para o Brasil e para a sua Miracema natal, resolveu montar o restaurante.
Mas uma fala ficou marcada, na história que ele contou. Assim que o amigo conseguiu emprego e foi-se mudar, disse para ele:
- Me admirei muito da coragem que você teve em me dar a chave do apartamento, para que eu entrasse. E se eu te sacaneasse?
Com a sinceridade que tem, Molambinho respondeu:
- Você haveria de ser muito filho da puta, se, depois desse voto de confiança, ainda me sacaneasse!

2 comentários:

  1. Comunico que não comi Nico, mas quase morri de rir. Abraço!

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  2. Continue remexendo no baú, minha alma agradece, lavada que fica a cada encontro.

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