29 de julho de 2014

EM MIRACEMA III (PARTES DO POEMA)


Em Miracema
Parte do poema
Se faz com sangue
Redanha vísceras e banha
Nos múltiplos açougues
De carne de porco
E nos botequins onde se o come

Outra parte
Se faz com o povo
E sua mania tamanha
De ser feliz
E rir comemorar
E desfrutar de tudo aquilo
Que a outra gente pareceria estranha

Outra parte
Se faz com a terra
E as coisas que dela brotam
O chão de onde aflora
O que se ganha
Do trabalho insano
A exigir o suor sofrido
Do ser humano

Outra parte
Se faz com os sonhos
Daqueles que pensam
Que existam outros planos
A se cumprirem durante os anos
Que a vida lhes reserva
E vão atrás de realizá-los
Com seus encantos
E assim por todo o sempre

Em Miracema
Todo poema
É feito de muitas partes
Que se completam
Por mais estranhas que pareçam

E ainda bem que assim seja

Paisagem enevoada na estrada de Campelo, Miracema-RJ (foto do autor).

25 de julho de 2014

PALESTINOS E ISRAELENSES

Publiquei em 19/10/2011, em Gritos&Bochichos, onde costumo dar opiniões sem nenhuma consistência, mas apenas exercendo o meu direito ao pitaco, o texto abaixo, em que trato da relação conturbada entre palestinos e israelenses.
Sei que tal relacionamento depende muito mais de discussão ou diálogo do que do poder das armas, sempre uma solução estúpida.
Repito-o aqui, porque eles se repetem na estupidez. E, direito à estupidez, todos nós temos.

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Como sei que, tão cedo, o conflito entre israelenses e palestinos chegará a bom ou mau termo, também vou meter minha colher de pau nesse angu já muito encaroçado.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que isso é briga em família - tais povos são originariamente irmãos, quando muito primos - o que torna qualquer tentativa de acordo muito mais difícil. Parente é serpente, como no filme de Mario Monicelli (1992). Em segundo lugar, habitam o mesmo espaço geográfico. Quer dizer, são vizinhos parede-meia. Assim o que um faz incomoda o outro. E como o grau de tolerância/intolerância, além de todos os argumentos, está baseado em suas crenças religiosas, aí o problema cresce de tamanho. Se se considerarem os interesses econômicos e geopolíticos, então nem se fala.

Imagem em nayyagami.blogspot.com.

Não que, se fossem seguidores do mesmo Deus, se resolvesse a parada. Há cristãos que se engalfinham, budistas que já quebraram o pau uns com os outros, assim como muçulmanos que, ao longo da história, também tiveram suas diferenças. Mais recentemente, só para lembrar, iranianos e iraquianos travaram uma guerra estúpida. Ou dentro do próprio território do Iraque, a desavença entre xiitas e sunitas. Mais ou menos como católicos e protestantes no Reino Unido.

Deste modo, para se encrespar um com o outro, basta que os dois queiram. E isto é o que não falta: gente disposta à guerra!

Com relação ao conflito na região da chamada Terra Santa, ocorreu há pouco a troca de um israelense, Gilad Shalit, soldado do exército, por milhares de palestinos presos em Israel. Há alguma coisa estranha, vez que Marcelo Yuka e Seu Jorge afirmaram que a carne mais barata no mercado é a carne negra*. Pelo visto, a carne palestina também anda com a cotação lá embaixo: 1000×1. Isso não paga nem placê.

A imprensa diz que o israelense era cativo e os palestinos, prisioneiros. Vejam que há um peso semântico distinto nas duas palavras que destaquei, como se houvesse a noção de injustiça para um e justiça para outros.

Ora, Gilad Shalit é soldado, portanto envolvido naquela guerra estúpida e passível de sofrer qualquer tipo de ação contundente de palestinos interessados na independência e no reconhecimento de seu território.

Os palestinos, no entanto, recusam-se a reconhecer o Estado de Israel, vez que tal estado foi uma imposição da ONU, em meados do século passado, em lugar já ocupado por palestinos, que ali só estavam porque os judeus sofreram a  diáspora no primeiro século de nossa era, os quais, por sua vez, vindos da Caldeia sob a batuta de Abrahão, vários séculos atrás, conquistaram o território que consideravam a Terra Prometida.

Vejam como o negócio é enrolado. Com quem estará a razão? E respondo-lhes com tranquilidade: com os dois e com nenhum deles.

Enquanto um não se dispuser a reconhecer o direito do outro à existência como povo, nação e estado soberanos, não haverá a mínima possibilidade de paz.

E quem fará isso? Quem meterá no coração furioso de um e outro a aceitação do diferente: Jeová ou Alá? Shimon Peres ou Mahmud Abbas? Natalie Portman ou Shakira (Sei que esta é colombiana descendente de libaneses, mas entrou aqui porque é bonita que dói, como a outra! E, toda vez que escrevo Shakira no blog, aumenta o número de leitores.)

Certa vez, Chico Anísio disse que o princípio cristão do "amai-vos uns aos outros" é fácil de ser posto em prática, quando o outro está em Belém do Pará e você no Rio de Janeiro. Porém, tolerar aquele seu vizinho nojento e antipático é muito mais complicado, já é pedir demais.

E acho que a coisa é mais ou menos por aí. Os dois - israelenses e palestinos - são vizinhos nojentos, antipáticos, insuportáveis, que querem a desgraça mútua. Óbvio que há muito mais questões a serem resolvidas nisto. Contudo, até agora, Israel teve o apoio e o beneplácito do Ocidente. Caso contrário também já teria sido varrido do mapa pelos povos árabes.

Aí é intolerável suportarem-se! E, enquanto não se sentam à mesa para negociarem uma convivência, aproveitam o tempo de sobra para meter o ferro daqui e dali, com o sofrimento maior daqueles que podem menos, como a história está careca de nos mostrar.

Essa desavença ainda vai longe!

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*A carne, música gravada por Elza Soares, no cd Do cóccix até o pescoço, Maianga Discos, 2002.

21 de julho de 2014

MINHA MÃE


Minha mãe foi andando à igreja para pedir a unção dos enfermos, que, há uns tempos, tinha o nome fatídico de extrema-unção. Muito religiosa, resolveu preparar “sua chegada lá em cima”, conforme me disse.

Em seguida, viajou a Muriaé, onde dois de seus netos são médicos, para um exame mais meticuloso de suas veias e artérias, suspeitas de estarem preparando alguma tramoia em sua vida de oitenta e oito anos.

Minha mãe nunca teve a mania de ficar doente. Sempre esteve com a saúde em dia, embora por agora algumas novidades a têm incomodado, sem que ela se dê muito conta disto. Como uma diabetes, herdada de sua mãe, a Maína, que ela teima em fingir desconhecer, pois consome açúcar com uma sem-cerimônia de meter medo. E o tal coração.

Sem prestar muita atenção a este órgão ritmista, vinha sentido certo cansaço ao andar uns tantos quantos metros entre as duas Bom Jesus, uma no Rio de Janeiro e outra no Espírito Santo, onde mora. E punha o tal cansaço no débito de sua idade. Até ela sabe que a idade é uma realidade a que não se foge, nem mesmo se fingindo de forte.

Certa vez, vi uma entrevista na tevê em que um cardiologista afirmava que, depois dos oitenta anos, não há coração cem por cento sadio. Há sempre algum problema – maior ou menor – para despertar nossa preocupação. E o coração da dona Zezé não poderia fugir à regra.

Na verdade, não é propriamente o coração que lhe esteja a causar esse incômodo. São as artérias e as veias que chegam e saem, a apresentar problemas de tráfego sanguíneo. Os exames constataram que a artéria descendente – se não me falha a memória – já estava com obstrução na casa dos noventa por cento. O cirurgião resolveu que, com oitenta e oito anos, não se abre o peito de uma senhora para futucar suas artérias. E optou por introduzir aquelas molinhas salvadoras – os tais stents – por um meio menos traumático. E foi o que fez.

Só que, diante do quadro encontrado – até mesmo com calcificação na concentração de colesterol na parede arterial – decidiu implantar dois objetos naquela artéria, deixando as outras duas para depois.

Agora ela aguarda, lépida e fagueira, que o médico a convoque a voltar ao hospital para a nova intervenção. Que a deixará remoçada em mais de vinte anos em seus recônditos venais e arteriais, para nossa alegria e felicidade.

E despreocupada como sempre, apesar dos novos medicamentos acrescentados à sua vida diária, não deixa de comer sua carne de porco, nem de experimentar este ou aquele novo doce que minha irmã faz, malgrado toda indicação em contrário.

Certamente, da próxima vez, voltará à igreja, ainda mais sadia, para solicitar ao padre a unção dos enfermos. Que ela não quer chegar do outro lado desprevenida.



Imagem em eco4.wordpress.com.

14 de julho de 2014

FUTEBOL


Um tanto é um tento
Assinalado nos últimos momentos
No derradeiro minuto da partida decisiva do campeonato

Outro tanto
É o pranto derramado
Na arquibancada no gramado
Quando o centroavante perde o pênalti
No justo instante em que o árbitro
Dá o jogo por encerrado



Imagem em rondapelavarzeadebotucatu.blogspot.com.