13 de junho de 2019

CARABUÇU DOENTE (Parte II)

Dando continuidade ao elenco das doenças, suas denominações locais e curiosidades no tratamento, na vila de Carabuçu da minha meninice e juventude, aqui vai o segundo texto. Espero que os leitores gostem, mas peço aos hipocondríacos para não me acusarem de estar incitando doença em ninguém.

Boa leitura!

Cravo: Há dois tipos distintos. Um, mais comum, é o que ocorre no rosto e nas costas, que consiste no entupimento de um poro, e é parente próximo da espinha (acne). O outro, menos comum, porém mais doloroso, é o que ocorre nos pés, motivado pela pressão na planta do pé e pelo acúmulo de queratina. Enquanto o primeiro era removido por uma compressão de unhas, o segundo dependia de uma intervenção mais rigorosa do Zé da Farmácia ou do Antônio Miranda.

Crista de galo: É o nome popular do condiloma acuminado, doença venérea nem tão incomum naqueles tempos em que os homens frequentavam zonas de prostituição.

Descadeiramento, também comumente dito escadeiramento: É uma doença comum, principalmente, entre os cães, que atinge as articulações da coxa e dos quadris e faz com que o paciente, seja bicho ou gente, ande torto, fora do prumo. Era comum os mais gaiatos fazerem alusão a problemas mecânicos de caminhões e dizerem que “fulano está com o parafuso de centro corrido”. O parafuso de centro é o que mantém o alinhamento da carroceria do caminhão. Também era dito “dor nos quartos”.

Doença de São Guido: Tecnicamente a Doença de São Guido é conhecida como Coreia de Swdenham ou Coreia Reumática e tem como característica o movimento involuntário do corpo, sobretudo das mãos.

Dor de barriga: Nossa diarreia era chamada assim, ou piriri (veja a seguir).

Dor de olhos: Era o nome da conjuntivite. Lembro que, de vez em quando, eu e meu irmão ficávamos com dor de olhos e, ao acordar, tínhamos as pálpebras coladas pela purgação ressecada da moléstia. Nossa mãe, então, vinha com um chumaço de algodão embebido em água morna, que desfazia a “cola”, para conseguir que abríssemos os olhos.

Dor de ouvido: Assim chamávamos a otite, inflamação do ouvido médio, normalmente tratado com um emplastro morno de farinha, acomodado num paninho.

Dor de urina, tecnicamente disúria: Era a dificuldade em urinar, que causava incômodo, pela dor.

Enxaqueca: Talvez uma das doenças mais comuns. A enxaqueca acompanha o doente por muito tempo da vida. Em alguns casos, a crise era de tal modo incomodativa, que levava o doente a se isolar num quarto escuro, a fim de amenizar os efeitos que ela produz: uma dor de cabeça insuportável.

Escandescência: Embora uma das acepções consignadas no dicionário dê escandescência como sinônimo de prisão de ventre, na vila o significado era exatamente o contrário: forte diarreia acompanhada por sangramento. O tratamento tinha de ser imediato, a fim de não deixar o paciente em situação periclitante.

Espinhela caída (dor na região do osso esterno): Por qualquer motivo, alguém dizia que estava com a espinhela caída. Essa era uma doença, como o descadeiramento, que uma boa reza poderia curar num instante.

Esporão (esporão do calcâneo): Eis aí uma doença que até hoje ataca as pessoas. Trata-se do crescimento irregular de um osso do calcanhar, que acaba provocando incômodo e dor ao caminhar. Certa pessoa das minhas relações teve o problema e, já cansada de recorrer a remédios, foi até uma cidade do sul capixaba, onde havia um padre famoso por curar alguns males desse tipo. Já na igreja lotada, o padre começa a missa de cura fazendo alusão aos diversos males alvos das orações. Ele teve o requinte de citar “a senhora que aí está com o esporão doendo”. Embora religiosa, ela não levou a sério. Ao fim da missa, saiu andando normalmente da igreja e nunca mais foi acometida pelo maldito esporão.

Espravão, var. de esparavão: É um tumor que nasce por baixo da curva da perna dos cavalos. Era comum as pessoas com tumor dizerem que estavam com espravão.

Fogo selvagem (pênfigo): Doença autoimune grave que atinge pessoas por volta dos 50 anos. Os relatos acerca do sofrimento gerado pelo fogo selvagem eram apavorantes. Diziam que a pessoa acabava a vida como que carbonizada. Felizmente tais relatos aludiam a casos ocorridos há muito tempo e em lugares bem distantes, com pessoas desconhecidas.

Gonorreia: Outra das doenças hoje classificadas como DST, doenças sexualmente transmissíveis.

Gota: É uma doença que atinge mais os homens do que as mulheres e se origina no aumento da taxa de ácido úrico no sangue, fazendo com que as articulações fiquem doloridas. Na antiga revista em quadrinhos Sobrinhos do capitão, criada pelo alemão Rudolph Dirks, que líamos muito na juventude, o Capitão, um personagem gordo e de barba negra, com frequência era acometido por surtos de gota.

Gripe: É gripe mesmo, a doença infecciosa das vias respiratórias mais comum entre as pessoas. Às vezes, aparecia uma variação mais grave da gripe que causava até mortes. Lembro-me de meus pais referirem a gripe espanhola, de 1918, que causou muitas mortes. Em menino, foi a vez da gripe asiática, chegada ao Brasil em 1957. Também foi uma forma mais grave, que, além dos incômodos comuns às gripes, provocava dor nas articulações dos braços, fazendo com que a posição menos incômoda fosse com os braços levantados. Quando um moleque via o outro nessa posição, sempre dizia “Mãos ao alto!”, a repetir a frase célebre dos filmes de faroeste. Eu mesmo e meu irmão Gute pegamos tal gripe.

Hemorroidas: Todo mundo sabe o que é, e não preciso aqui entrar em detalhes. Apenas talvez dizer que havia um tratamento caipira para as hemorroidas: pegar um olho-de-boi, espécie de castanha lisa com um risco preto lateral, esquentá-lo e colocar sobre as hemorroidas. Tal procedimento também servia para tratar dor-de-olhos. No caso das hemorroidas, não sei se funcionava. Na de dor-de-olhos, dava um certo alívio. Mas era um olho-de-boi para cada local!

Insolação: A insolação era provocada por calor intenso, com elevação da temperatura corporal e certa confusão mental. Não era comum verem-se pessoas assim, já que quase todas que se expunham ao sol se cuidavam, com chapéu ou com guarda-sol, o nome que o guarda-chuva tinha na vila, conforme o tempo. Vi apenas um rapaz assim na vila, em minha época de menino.

Mãe do corpo: Essa doença me foi lembrada por minha irmã e se trata de problema de colamento da placenta. Segundo crenças antigas, após o bebê nascer, a mãe ainda continua a senti-lo mexer-se no útero.

Mal dos sete dias: É o mal que acomete os bebês nos primeiros dias de vida, sendo o tétano neonatal e a hemorragia dos bebês os mais frequentes. Tal doença, com o avanço das medidas de prevenção, felizmente estão desaparecendo.

(Continua.)

Imagem relacionada
Jacques-Lous David (séc. XVIII-XIX), Érasistrate et la maladie de Antiochius (em reproduction-grands-peintres.com).