Os dois moleques enchem a boca com uma boa chupada na laranja, engolem o caldo e mantêm os caroços na boca, para a disputa.
- Gorgulho!
- Eu entro!
- Com quantos?
- Com oito!
A voz não sai muito boa,
porque as bocas estão com vários caroços, a atrapalhar a dicção.
E o desafiante começa a
cuspir, um por um, os caroços que ficaram depois daquela primeira sucção na
laranja, enquanto conta:
- Um, dois, três, quatro,
cinco, seis, sete. Acabou!
- Acabou nada! Você está
escondendo um caroço no fundo da boca.
- Não estou! Acabou mesmo!
E abre a boca, põe a língua
para fora, a mostrar que não trapaceava no jogo.
Agora era a vez do outro,
que para provocar troca sua frase de entrada na brincadeira:
- Gorgulho!
- Te entro!
- Vai à merda! Com quantos?
- Com sete!
E o adversário, por sua vez,
repete o procedimento:
- Um, dois, três, quatro,
cinco, seis, sete, oito!
Os caroços de laranja voam
longe, pela força com que o moleque os expele da boca.
Aquela primeira etapa estava
empatada. Mas ainda sobravam duas ou três rodadas por cada fruto.
E continuavam o jogo, sem
que nenhum dos dois acertasse a quantidade exata dos caroços que restavam na
boca, após a sucção do caldo doce.
Para a disputa, só servem
laranjas com caroços. A lima, por exemplo, é muito boa, pois vem normalmente
com diversos deles. A seleta e a campista também se prestam à disputa. A
laranja-Bahia, por sua vez, não serve, já que não os tem. Aliás, rarissimamente
se encontra uma com um ou dois caroços.
E os dois moleques estavam sempre
a se desafiar nesse jogo-brincadeira. Cada um tinha seu canivete amolado no bolso
do calção para descascar os frutos maduros, sentados no chão sob os arbustos do
pomar da casa da avó, que precisava autorizar que os netos periodicamente se
fartassem com aqueles cítricos tão apreciados.
Eram vários os tipos de
laranjas ali plantados: lima, Bahia, campista, coroa de rei, serra d’água e seleta.
Os pés de laranja lima eram os mais numerosos. Dos outros tipos, eram dois ou
três de cada.
Na hora de descascar a fruta
era preciso cuidado, de modo a não afundar muito o corte na polpa e expor os
gomos. E por aí já começava a disputa: ver quem conseguia tirar a casca mais comprida.
Depois era fazer o tampo, que podia ser cacimbinha, caso o canivete tivesse a
lâmina pontuda. Enfiava-se a ponta perpendicularmente ao topo da laranja e, com
cuidado, se fazia o corte circular, de modo a deixar exposta em uma espécie de
base de pequeno cilindro onde o caldo se acumulava a cada aperto suave. A outra
técnica, mais fácil, era a tampinha, conseguida com um corte longitudinal da
parte superior da laranja.
Para aqueles dois moleques
tudo era motivo de disputa. Depois de totalmente esgotada de seu caldo, o resto,
a que eles chamavam chupe-chupe, era arremessado longe. E então vencia quem conseguisse
a maior distância.
No entanto, o cerne do desafio
era o gorgulho, brincadeira vinda de tempos anteriores, de que eles mesmos não
tinham conhecimento, e que consistia em reter na boca, após a ingestão do caldo,
os caroços que saíam a cada sorvo.
E a disputa continuava até
que estivessem empanturrados de caldo de laranja, ou que ouviam o comando da
avó, suspendendo a concessão dada.
- Já vamos, Maína! Só mais
uma!
E fechavam a disputa, como
quem pede a saideira no bar.
- Gorgulho!
- Eu entro!
- Com quantos?
- Com cinco!
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