29 de setembro de 2016

POEMAS


Alguns poemas não são feitos
Nascem tontos
Assim meio sem jeito
Como gente em abandono.
Saem do fundo de um poço
E se me mantenho desatento
Num minuto estão prontos.

Outros tantos poemas
Dão trabalho de infantes.
A todo instante requerem minha atenção.
E depois de cuidados e desvelos
É possível vê-los andando a esmo
Até mesmo em contramão
Como se não tivessem pai nem mãe.

E o poeta mudo no seu canto a percebê-los
Correndo em todas as direções.

Imagem em saude.cardiomed.com.br

18 de setembro de 2016

TÁTICA DE JOGO


Houve quem duvidasse, mas a ordem era para ser cumprida. O lateral-direito avançaria, o ponta-direita (falso, diga-se de passagem) faria a ultrapassagem para receber a bola nas costas do adversário, pegaria a bola, correria com ela dominada até a linha-de-fundo, cruzaria sobre a área e esperaria o resultado do lance, fechando em direção à grande área. Enquanto isso, o centroavante mais o homem de meio-campo fechariam pelo miolo da área, enquanto o ponta-esquerda e o lateral-esquerdo, em movimento de porta pantográfica, entrariam pela esquerda. O meio-campo acompanharia nessa avalanche o ataque sobre a área adversária.
Oquei, professor! Tudo certo, professor! Deixa com a gente!
Uma outra ordem: a mesma, só que pela esquerda. Aí os papéis se invertem. Quando o inimigo atacar, o combate será dado da linha intermediária para trás. Nas laterais, ou passa a bola ou o adversário. Os dois juntos, nunca! De preferência, nenhum dos dois!
Oquei, professor! Tudo certo, professor! Deixa com a gente!
O time entrou em campo, jogou conforme o combinado, levou uma surra danada. A torcida pediu a cabeça do técnico, os comentários criticaram o esquema tático, nas rodas de conversa só se falava nos melhores lances do inimigo e nos piores do time.
Mas o que doeu mesmo foi o frangaço que o goleiro papou, mal iniciada a contenda. Logo o goleiro, para quem não houve nenhum esquema especial, nenhuma recomendação tática. E precisava, desgraçado? Era só não deixar a excomungada entrar, seu miserável! Frangueiro de uma figa! Por isso é que não nasce grama onde você pisa, seu infeliz!

Helena dos Santos Coelho, Futebol na faverla, Talentos da Terceira idade, 2009.


9 de setembro de 2016

DIZER AO AMIGO

(Aos amigos de todos os sexos.)

Amigo
Vou dar-te um abraço forte
Estreitar-te o peito
Dizer-te o quanto estimo a amizade
Que já vem de longe
De um tempo bem antigo.
Vou dizer que te amo
Assim como se diz a um amigo
A quem as palavras não se escondem
Mas antes explodem em seus sentidos.
Amigo
O resto são canções de olvido
Perdidas/achadas no tempo
Que guardam as lembranças
De todas as trapaças
Que a vida fez contigo
E as tantas outras que armou comigo.

Amigos a brincar na praia (foto do autor).

2 de setembro de 2016

ASSIM, TIPO BELARMINO

(Para a amiga Cléia Miranda, que me contou a anedota há alguns anos.)

Belarmino Fontinha chegou a Espera Feliz cheio de planos. Ninguém na cidade o tinha visto mais gordo. Ele era, assim, completamente desconhecido de todos. Melhor para ele, pensou de si para consigo.
Belarmino tinha planos mirabolantes para enricar, fazer seu pé de meia e partir para uma posterior aposentadoria de colarinho folgado e pantufas de algodão, em algum lugar de serra de temperatura amena e ar saudável, livre de muriçoca, pernilongo e borrachudo. Já tinha sofrido contravapores demais da vida.
Ele estivera antes, por um par de anos, em Guiricema, cidadezinha também mineira quase pacata, não fossem alguns valentões apreciarem resolver questiúnculas de somenos importância na base do sopapo, do porrete, da faca e da garrucha.
Chegou à cidade com seus poucos teréns no ônibus proveniente de Manhuaçu, depois de um périplo cujo itinerário levantava suspeitas de algum malfeito anterior, e foi se instalar com sua farta pessoa, a não caber em manequim apertado, num dos quartos do simpático Hotel dos Viajantes.
No café da manhã, recheado de broa de fubá, favas de jaca manteiga e queijo curado, assuntou com o proprietário da hospedaria, de nome Horácio Peixoto, sobre a pujança do comércio local, já que vinha tencionado em abrir estabelecimento na praça. O homem deu as indicações mais precisas possíveis, enumerou as barbearias, as farmácias, as vendas de secos-e-molhados, os botequins, o único restaurante, que, por sinal, ficava nas dependências do hotel, e mais uma ou outra quitanda bem sortida de frutas, legumes e verduras da terra. Por esse tempo, restinho de primeira metade do século passado, Espera Feliz ainda era uma cidade um tanto acanhada em dimensões, mas próspera e trabalhadora, como afiançou o estalajadeiro.
Belarmino, como de sempre, arrotou importâncias, teres e haveres de que disporia, seu pretenso tino para negócios de vulto, e garantiu que sua presença ali iria alavancar o progresso da cidade, agora despertada para um tal turismo de subir morro e andar no meio do mato, incipiente ainda, mas muito promissor, porque os livros escolares apontavam o Pico da Bandeira, não muito distante, na Serra do Caparaó, como o ponto culminante do nosso torrão natal. O povo está começando a dar valor a essas coisas, amigo Peixoto! - foi o que asseverou ao dono do hotel, já montado numa amizade franca.
Estômago forrado, foi procurar lugar em que abriria seu negócio de vulto. Encontrou não muito longe, numa rua próxima à praça da cidade, local apropriado: não muito grande, não muito caro em aluguel e já com alguma mobília de serventia, sobretudo o balcão à entrada, que deixava a parte interna protegida, para cujo acesso bastava levantar o tampo que se apoiava sobre um sarrafo na parede esquerda de quem entra.
Sem muito alarde de alto-falante, mas com panfletos que fez distribuir por um moleque, a quem retribuía com algum trocado, anunciou a abertura de poderosa agência de apostas do afamado jogo do bicho, por essa ocasião ainda bastante tolerado nas cidades menores do interior do país.
No papelucho, afiançava pagar os prêmios em dinheiro vivo, sem delongas, como era do seu feitio de trabalhar com gente honrada como o povo da terra. O sorteio válido para as apostas era o da capital, cujo resultado se divulgava nas ondas de uma rádio poderosa de lá. A exceção de praxe era para os dias em que corresse o prêmio da Federal. Aí valia a Federal.
O sucesso foi quase imediato. Acorreram à sua mal instalada loja os magotes de esperançosos de sempre que se espalham como capim-tiririca por esses brasis afora, sempre aguardando a providência divina a lhes aliviar os sofrimentos. E todos eles, graças a São Cipriano, para quem Fontinha baixava sempre suas preocupações, de muito maus palpites.
Até que na quinta-feira seguinte – segunda semana em que se instalara na praça –, um circunstante de nome Godofredo Trabuco, dos Trabuco de Chiavari, na Ligúria italiana, e com péssimas avaliações no quesito harmonia acertou na cabeça, sem cercadura, o milhar da vaca.
Após conferir o resultado, o apostador correu ao estabelecimento e esfregou nas fuças de Belarmino a pule premiada. Quando o banqueiro viu o estrago do prêmio, arrazoou com o ganhador que tal dinheiro, no volume que era, não estava disponível com ele naquele momento, que ele não era maluco de guardar tamanha riqueza em colchão de crina de cavalo. Assegurou para ele, no entanto, que, logo após o almoço do dia seguinte, sexta-feira, poderia voltar ao estabelecimento, de posse da pule milionária, que ele lhe faria o pagamento com o montante a ser retirado do banco em Carangola.
Nem bem bateu meio-dia de sexta-feira e mal palitados os dentes do almoço, Godofredo Trabuco rumou em direção à loja de Belarmino Fontinha com seu passaporte para a riqueza no bolso da camisa. Em lá chegando, deu de cara com o estabelecimento fechado, ostentando na porta única de entrada cartaz escrito em vacilante letra de forma:
                                             POVO DE ESPERA FELIZ,
                                              SERRA DO CAPARAÓ,
                                             QUEM QUISER DINHEIRO FÁCIL
                                             VAI PEGAR NO CU DA VÓ.
E nunca ninguém jamais, em tempo algum, ouviu falar de um tal Belarmino Fontinha, ou Setembrino Conceição, ou Ariobaldo Cisneiros, ou Secundino Bragança, que eram os nomes que o malandro usava para aplicar golpes nas cidadezinhas descuidadas do interior das Minas Gerais, das quais tinha de fugir às pressas, para não levar uns portentosos catiripapos no meio dos cornos.

Imagem em pt.depositphotos.com.