29 de abril de 2014

MULHERES BRASILEIRAS (IV) - MULATAS

Há alguns dias, vi uma mulata dessas de fazer português errar no troco, aguardando a abertura da agência bancária próxima ao prédio onde moro. Eram umas nove e pouco da manhã de uma segunda-feira clara de ofuscar os olhos. Lá estava ela: linda, alta, pernuda, com um shortinho jeans apertado ao corpo, óculos escuros, cabelos curtos bem penteados.
Quando voltei, o banco ainda fechado, permanecia ela lá, dando toques no cabelo, que caía em franja lateral sobre os óculos.
Não se vê uma mulata dessas sem pensar besteiras. Fiquei imaginando o banzé que ela iria fazer com o gerente ou algum outro funcionário, que lhe teria prometido mundos e fundos e desaparecido logo depois de tudo. Agora ela estava ali para botar os pingos nos is. Aguardava a abertura do banco. Eu, como passante, levei esses pensamentos embora. Podia ser uma simples cliente. Nem tão simples assim também...
Por causa de histórias como essas, é que me enredei com uma. Lá pela década de 70, iniciando a carreira do magistério, fui encantando por uma que subia sempre as escadas da faculdade com aquele jeito inzoneiro da canção de Ari Barroso. Não sopesei na ocasião o poder que as mulatas tinham e resolvi arriscar. Resultado: hoje somos até avós, após quase quarenta anos daquela temeridade.
A mulata é tão importante na cultura nacional que há até a especialidade de mulatólogo, criada pelo saudoso botafoguense Oswaldo Sargentelli. Mas, antes dele, Ataulfo Alves cantava os estragos que as mulatas fazem no vacilante coração dos mortais. Di Cavalcanti é outro que não me deixa mentir, com as mulatas que retratou tão bem em seus quadros. Não são só esses, mas esses são os expoentes, os especialistas.
Mas as mulatas também nos iludem, nos fazem de bobo. Uma outra, aluna minha do curso de Letras, tinha um cabelo belíssimo, amarrado num rabo-de-cavalo lateral, como uma Brigitte Bardot dos trópicos. Comentei com minha mulher sobre o cabelo de tal aluna. Então ela me pediu que lhe perguntasse qual o tratamento dado à cabeleira. Descaradamente ela me respondeu: é natural, não faço nada! Para vocês verem como até as mulatas mentem sem pudor nenhum.
Na fila de pagamento do funcionalismo estadual através do antigo BANERJ, quando havia BANERJ - as filas estão aí até hoje -, estava eu lá pelo meio, umas quinze pessoas à minha frente, quando adentrou soberana e perfumada uma poderosa mulata do alto do seu metro e oitenta, com tudo de fábrica. Sorriu faceira com o canto da boca, cheia de dentes brancos e brilhantes, dizendo que só falaria com o caixa rapidamente. Falou, resolveu seus problemas e, ao sair, agradeceu com um simpático “agradecida”, sem que ninguém, homem ou mulher, tivesse qualquer tipo de reação. Minto: acho que os homens babaram.
Assim é melhor se precaver quando uma mulata portentosa vier em sua direção. Primeiro, não lhe prometa nada, senão estará encalacrado. Mas se prometer, malandro, aí você terá de cumprir. Ou não me chamo Saint-Clair.
  
A linda atriz Sheron Menezes (em pureblack.com.br).

24 de abril de 2014

MULHERES BRASILEIRAS (III) - MORENAS

Vou tentar limitar-me a falar das morenas no exíguo espaço deste blog, para que isso não vire um tratado enciclopédico. As morenas são assim: podem gerar páginas e páginas por cada poro da pele. Não fossem elas consideradas a preferência nacional! Senão, o que justificaria aquele bando de gente, aquela multidão exposta ao sol escaldante do mais rigoroso verão com a intenção de deixar a pele trigueira?
Quando uma morena lambe um sorvete, caminha na rua, sobe uma escada, ou desce de um coletivo – diferentemente das escassas ruivas brasileiras, as morenas andam de coletivo –, vai um séquito de adoradores atrás dela. Não há morena que não tenha pelo menos quatro ou cinco homens apaixonados, que lhe mandam torpedos cotidianamente, mendigando sobras de sua atenção. Normalmente elas não respondem a esse tipo de abordagem. Têm mais o que fazer!
As alunas morenas que tive, durante todo o tempo em que fui professor, tumultuavam até a fila da pipoca na hora do intervalo, com a sua simples presença. Algumas eram tão vultosas que, quando chegavam à faculdade, quase se suspendiam as aulas em sua homenagem. E, se elas faziam qualquer intervenção durante as aulas, o restante da classe ficava em silêncio para não perder o mínimo /s/ de um plural que saía de suas bocas como um sussurro cálido.
Uma, em especial, causou tanta devastação, que acabou por conquistar o coração de um professor – o dobro da sua idade – de outro departamento. A paixão foi de tal forma fulminante, que o dito professor abandonou a segunda esposa, preste a dar à luz seu filho, e com ela convolou núpcias, como costuma dizer o pessoal da área jurídica. É bem verdade que tal consórcio não teve duração longa, já que o mestre não conseguiu acompanhar o ritmo alucinante que a morena tinha.
Pois essa é outra característica das morenas: o ritmo acelerado. Só nas canções de Dorival Caymmi as morenas são plácidas, mansas, a esperar os maridos que chegam da lida do mar. Na vida real, no dia a dia, no pega pra capar, não conheço uma morena sequer que vá a menos de oitenta por hora. Aí fica difícil acompanhar, mas todos tentam. Por isso é que se vê esse magote de homens correndo atrás delas.
Quando solteiro, morador da rua Moreira César, esquina de Pereira da Silva, era comum ficar no bar do Zé Português, meu amigo de quatro costados, acompanhado de um bando de marmanjos, que fingiam beber cerveja com tremoços, só para ver o vai-volta das morenas em direção à praia. Eu e todos eles. Uns, mais afoitos, ainda perguntavam se tal ou qual não fora à praia naquele dia. Quando ouviam como resposta “já passou”, era como se tivessem perdido o fim de semana. E todas elas sabiam que estávamos ali prontos a criar uma nova religião, a erguer mais um altar para cada uma que passasse, a sair em procissão atrás de cada meneio de quadril. Porque não há, dentre todas, quem saiba mais menear o quadril que uma morena. E, se for cor de jambo, então, é um salve-se quem puder.
Salve a morena brasileira!

Juliana Paes, uma morena brasileira (em papofeminino.uol.com.br).

19 de abril de 2014

MULHERES BRASILEIRAS (II) - LOURAS

Ninguém nasce loura porque quer. É um determinismo astrológico, um carma zodiacal. Mesmo que a mulher não nasça loura, um dia, forçada por alguma conjunção de astros, ela procurará, numa farmácia próxima ou numa loja de cosméticos, a tintura certa, para lhe dar a cor dourada dos cabelos.
Porque loura faz devastação, provoca desmoronamentos por onde passa ou aonde chega. Ela não está na vida a passeio. Veio para desequilibrar o frágil sistema de relações humanas. Já começa que atende por dois nomes: loura e loira.
Conheci há cerca de dois anos uma loura que, com a mera enunciação de um singelo bom dia, prostrou de joelhos dois homens enfatuados, acima de qualquer suspeita, decididos a se transformarem em joguetes em suas mãos. Só se livraram da submissão devastadora, porque a tintura não era das melhores e, ao cabo de dois meses, apareceram alguns insidiosos fios negros no couro cabeludo.
Outro dia, num restaurante, entrou uma loura acompanhada de um senhor de meia idade. Nem sei como consegui perceber a meia idade dele ao lado dela. A loura só não derrubou uns e outros, porque estavam todos sentados. A fenda do vestido jeans da loura, todo abotoado na frente, se insinuava acima da bota, passava pela Úmbria, triscava a Ligúria e sugeria o Vale d’Aosta. Era um desacerto em local de pessoas com fome. Aquilo não se faz, tenha dó!
Tive uma aluna loura e linda, um pouco desprovida de cultura, mas que aparecia mais que todos os outros quase cinquenta alunos da turma de Odontologia, que ia fazer créditos de língua portuguesa no Instituto de Letras. Não havia aula em que ela não perguntasse algo estranho, esquisito. Eu adorava. Era só a loura abrir a boca para espalhar beleza pela sala. Havia alguns alunos politicamente corretos, da classe dos chatos, que sempre tinham um reparo, uma crítica a fazer, nas intervenções que ela apresentava, quase todas insustentáveis. Mas a loura dava sustentação a cada bobagem que dizia. E com que beleza ela falava aquelas bobagens! Jamais vi morenas, negras ou ruivas dizerem besteiras com tanta adequação.
Há louras de todos os tipos e de todas as qualificações intelectuais e profissionais. A cor do cabelo não influencia, em nada, o desempenho que tenham nas mais diversas atividades. Mas que qualquer atividade exercida por uma loura causa impressão muito maior, disso não tenho dúvidas. Imaginem se a ex-primeira dama da França, Carla Bruni, aquela linda mulher, fosse loura? A terra de Baudelaire voltaria a comandar o mundo num piscar de olhos, ou, como lá dizem, num clin d’oeil. Sendo ela morena, já provoca terremoto; loura fosse, seria um conjunto de cataclismos insuportáveis.
Quero, então, deixar esse manifesto em favor das louras, tão criticadas em piadas politicamente incorretas – olha a lei Caó aí, gente! – e dizer que, sem elas, o mundo seria muito menos interessante.


Gisele Bündchen (imagem em h2sview.blogspot.com)

16 de abril de 2014

MULHERES BRASILEIRAS (I) - BRANQUELAS

Este cometedor de textos presta uma homenagem sincera, porém com algum humor, a todas as mulheres brasileiras que, de antanho até o futuro e de todos os quadrantes desta terra, embelezam a vida de todos nós, fazendo-nos devedores de sua presença e da marca feminina que carregamos para todo o sempre.
Para que não haja preferências explícitas, publicarei os textos em ordem alfabética das homenageadas.
Começo pelas branquelas.
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No Brasil temos um preconceito quase religioso contra as branquelas, tudo sem o meu aval. No meu fraco entendimento das mulheres, dificilmente se encontrará uma branquela de alma branca. Quase todas elas levam em si o balacobaco da miscigenação das raças, tão cantada pela música popular.
Porque não há defeito em ser branquela, assim como em ter cabelo liso. Se há uma preferência nacional que identifico em cada um de nós, é pela mulher bonita, independente da cor que lhe pinta a pele.
É montado nesse espírito que andamos pelas ruas da cidade, sempre com os olhos atentos a cada uma que passa, na esperança de que venha outra mais bonita à frente. E isso aprendi com um amigo que hoje pouco vejo, Walter Bretas.
Trabalhávamos logo ali na Praça Quinze, no Rio de Janeiro, e diariamente atravessávamos de barca a baía. Com frequência nos encontrávamos na estação e íamos juntos para o trabalho. Numa dessas vezes, ao sair na estação do Rio, vi vindo em nossa direção uma branquela arrumada, jeitosa, como se diz na minha terra natal. No que ia virar a cabeça para aquilatar mais a pessoa que cruzaria conosco, Walter sabiamente me disse:
- Se você virar a cabeça, perde uma mais bonita que vem logo adiante.
E não é que Walter tinha razão?! Aprendi, desde então, a não forçar mais os músculos de pescoço nessas curiosidades, a fim de não me privar de encantos maiores por vir. Isso porque não há a mulher mais bonita. A mais bonita é sempre aquela que vem a seguir. E essa é uma das vantagens dessa terra brasílica.
Outra branquela que também me desorientava o juízo, na juventude, era uma colega de ônibus, quando ainda morava na minha vilazinha do norte do Estado. Às dezessete e vinte da tarde, o ônibus partia da vila para levar os estudantes do curso noturno a Bom Jesus. Em seu trajeto, passava por Apiacá, a fim de pegar alunos e demais passageiros, já que não era um ônibus exclusivo. Era o momento mais aguardado da viagem: entrava uma aluna uniformizada - nessa época íamos às aulas uniformizados -, de uma branca beleza quase ebúrnea, como diriam os parnasianos. Os ondulados cabelos negros emolduravam seu rosto perfeito (continuando com os parnasianos). Eu, de uma timidez descomunal, ficava rezando – nessa época eu rezava -, para que ela se sentasse ao meu lado. Algumas vezes, tímido e bobo, viajei com o paraíso ao meu lado. Quero crer que ela nunca soube de nada, pois da minha boca nada saiu. Talvez até desconfiasse, porque as branquelas têm uma sensibilidade extra.
Hoje em dia ainda vejo, na calçada da praia, perdidas entre corpos morenos, mulatos e negros, uma e outra branquela, a pele alva de doer nos olhos, caminhando seguras de si, com a certeza de que nem mesmo um bronzeamento artificial as faria mais belas do que já o são.
E salve a branquela brasileira!


Maria Casadevall (em purepeople.com.br).

11 de abril de 2014

SOLIDÃO EM RITMO DE TANGO

Põe um velho elepê na vitrola
Senta-te no teu canto
Sorve um gole de chá que não consola
Arruma teu cabelo com os dedos
Olha o teto negro do teu quarto
Vê por entre as árvores da praça
Através do vidro da janela
A luz do sol sobre os casais apaixonados
Abre teu livro predileto na página dobrada
E segue na leitura de tantos quantos versos
Falam da concretude do amor idealizado
Fecha teus olhos por um momento
E certo de que estás só no universo
Repete bem baixinho o último terceto
E maldiz o nome do vil poeta
Que sabe mais da tua vida que tu mesmo


Tango na madrugada (foto do autor).

8 de abril de 2014

ESSA NOSSA RICA LÍNGUA II - A PERMANÊNCIA DE UMA METÁFORA

A tradição literária da língua portuguesa remonta aos fins do século XII, período em que está atestado o mais antigo texto escrito:  a Cantiga da Ribeirinha, poema de autoria de Paio Soares de Taveirós. A língua da época não era simplesmente o português, mas o chamado galaico-português (ou galego-português), evolução natural do latim vulgar falado no oeste da Península Ibérica, que recebeu as influências de substrato da língua celta da região.
Com o passar o tempo, galego e português foram-se desenvolvendo de forma autônoma, sobretudo em virtude da criação do Condado Portucalense, por D. Afonso Henriques, o D. Afonso I, fundador do que hoje conhecemos como Portugal.
Ao longo de sua história, nossa língua também recebeu, dentre outras, contribuições do árabe, com o qual conviveu por séculos, durante a ocupação da Península, de línguas negras africanas em função do contato com diversos povos para cá trazidos como escravos, bem como do tupi, sobretudo, entre as línguas indígenas faladas no território brasileiro.
O jeito brasileiro de falar é mais próximo à forma como Cabral e seus marinheiros falavam quando aqui chegaram, do que o atual sotaque de Portugal, que começou a se acentuar a partir de Lisboa na segunda metade do século XIX.
O que interessa aqui, no entanto, é a permanência de certos símbolos literários – metáforas – que se comprovam em textos arcaicos e modernos.
Um desses casos, que me parece bastante interessante, é a semelhança temática entre as cantigas medievais de Pero Meogo, jogral português do século XIII, possivelmente contemporâneo do grande rei-poeta D. Dinis, e, particularmente, a música de Vital Farias Sete cantigas para voar, do seu disco Sagas Brasileiras, de 1982, que também foi posteriormente gravada por Elba Ramalho, versão*, inclusive, mais executada nas rádios de então.
Numa das estrofes da composição de Vital Farias, está assim expressa a desculpa da moça que vai à fonte para encontrar o amado:
Cantiga de ninar 
a criança na rede 
mentira de água 
é matar a sede: 
diz pra mãe que eu fui pro açude 
fui pescar um peixe 
isso eu num fui não 
tava era com um namorado 
pra alegria e festa 
do meu coração 
Voa, voa azulão 
Voa, voa azulão
Deve-se dizer que foram preservadas nove cantigas** de Pero Meogo, que constituem uma narrativa em versos, a respeito da iniciação amorosa de uma jovem no século XIII. Nelas, mãe e filha conversam sobre o acontecido: o encontro às escondidas da filha com o amado e as inquirições da mãe acerca do seu comportamento. Na nona e última cantiga, estabelece-se um diálogo em que a mãe desconfia da demora da filha na fonte, ao que ela se justifica dizendo ter ido lavar os cabelos, mas as águas estavam turvas pela presença de cervos, por isso a demora. A mãe não crê na desculpa. Veja o texto da cantiga em galego-português.
- Digades, filha, mia filha velida:
porque tardastes na fontana fria?
            - Os amores ei.

Digades, filha, mia filha louçana:
porque tardastes na fria fontana?
           - Os amores ei.

- Tardei, mia madre, na fontana fria,
cervos do monte a augua volvian:
           - Os amores ei.

Tardei, mia madre, na fria fontana,
cervos do monte volvian a augua:
           - Os amores ei.

-Mentir, mia filha, mentir por amigo;
nunca vi cervo que volvess' o rio:
           - Os amores ei.

Mentir, mia filha, mentir por amado;
Nunca vi cervo que volvess’o alto:
           - Os amores ei

(Possível atualização textual: - Diga-me, filha, minha filha querida, / por que tardastes na fonte fria? / - Estou apaixonada. /Diga-me, filha, minha filha bonita, / por que tardaste na fria fonte? / - Estou apaixonada. / - Tardei, minha mãe, na fonte fria, / cervos do monte a água volviam. / - Estou apaixonada. / - Tardei, minha mãe, na fria fonte, / cervos do monte volviam a água. / - Estou apaixonada. / - Mentir, minha filha, mentir por namorado, / nunca vi cervo que volvesse o rio / - Estou apaixonada. / Mentir, minha filha, mentir por amado, / nunca vi cervo que volvesse a água. / - Estou apaixonada.)

Nesta cantiga de amigo paralelística, a fala da mãe está presente nas duas primeiras estrofes, cujo teor se repete por formas diferentes. A mãe indaga sobre a demora da filha na fonte. A terceira e a quarta estrofes representam a resposta da filha à mãe, ao justificar a demora pela presença de cervos que turvavam as águas onde iria lavar os cabelos. Nas duas últimas estrofes, volta a fala da mãe, que sabe ser a desculpa da filha uma mentira. O refrão (Os amores ei) funciona como o coro que representa a voz interior da moça, ao reconhecer o verdadeiro motivo da demora: ela foi encontrar o namorado, porque estava apaixonada.
Na canção de Vital Farias, a moça pede que se diga à mãe uma mentira, que ela mesma assume: “diz à mãe que eu fui pro açude / fui pescar um peixe / isso eu não fui não / tava era com o namorado /pra alegria e festa / do meu coração”. Observe que o traço moderno da canção da canção de Vital Farias talvez esteja no fato de que a moça assume a mentira, sem titubear, enquanto na canção medieval ela tenta escamotear a verdade para a mãe.
De qualquer forma, constata-se aí uma metáfora que ultrapassa os séculos: a fonte, o açude, como espaço para o encontro amoroso.

Esse fato representa tanto a permanência de tal metáfora, quanto evidencia o elo entre a cultura medieval e a cultura atual, sem um processo de ruptura. Isso significa constatar que somos muito mais antigos do que pensamos. E o que, às vezes, imaginamos ser muito moderno pode estar com um pé fincado há séculos e séculos. E, no caso do Brasil, o Nordeste é um repositório repleto dessas permanências.

Symphonia da Cantiga 160, Cantigas de Santa Maria de Afonso X, o Sábio - Códice do Escorial. (1221-1284). Imagem em pt.wikipedia.org.

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Para ouvir a música com seu autor, clique aqui.

3 de abril de 2014

DESCARREGO


vou me exorcizar um pouco
tomar um banho de cachoeira
uns passes um descarrego
tirar o teu diabo do meu corpo
botar pra fora tua presença
tua chama teu sufoco
que não me dão mais sossego

vou te deixar num despacho de esquina
num prato de pipoca numa garrafa de pinga
depois não reclames que fui violento
tu és exu demais pro meu terreiro

Imagem em cinegnose.blogspot.com.