21 de março de 2020

TONS DE OUTONO


Há certos tons de outono
Que me deixam tonto
De tanto parecerem com alguns encantos
Mesclados em cores
Que a vida nos parece dar
Tons que vêm prontos
A natureza a caprichar
Em abril e maio
Na luz sutil que o outono porta
A nos mostrar que poderá haver amanhã
Apesar de tudo e no entanto

Cores de maio, Praia de Charitas, Niteró-RJ (foto do autor).



4 de março de 2020

MEU PAI


Há algum tempo não vejo mais os passos de meu pai pela casa. Sua última caminhada o levou ao nada, ao vácuo.
Mas seus passos ainda os sinto pelos cômodos em que, em vida, habitava. Sempre passos lentos, firmes, seguros. A não ser no seu último ano entre nós, em que deixou de caminhar.
Na verdade, em toda a minha convivência com ele, nunca o vi caminhar de forma apressada, ligeira. Sempre de passos serenos, confiantes, como se o mundo se fizesse a cada pisadela no chão de modo extremamente seguro, sem surpresas. Já conhecido desde tempos remotos.
Nem quando ia de bicicleta para a pescaria com os amigos, imagino, ia afoito. Pedalava com serenidade. Sentia meu pai como um vulcão extinto em sua fúria. Se é que ele a tenha experimentado em qualquer momento. Pode ser que já tivesse alguma atividade mais destemperada, mas isso já não transparecia em seu jeito tranquilo.
E a serenidade sempre foi a marca registrada de sua caminhada.
Por isso, penso que esse meu jeito também de andar com vagar seja resquício dele em mim. Já até precisei correr. Mas isso foi na infância. Hoje, como meu pai, vou sereno, sem afobamento. Quero chegar até onde ele, em seu caminhar vagaroso, chegou. E não foi curto o caminho.
A natureza mostra que os mais lentos vivem mais. Está aí a tartaruga a não me deixar mentir.
Não sou propriamente uma tartaruga, mas gosto daquele seu jeito desapressado de correr mundo. E vai longe, se deixarem. Se outros impedimentos não lhe barrarem o caminho. É possível até que corte volta, encontre outros atalhos a não parar.
Meu pai e eu, duas tartarugas humanas a percorrer trilhas, caminhos e estradas, com um jeito bem simples, sem sofreguidão.
Espero chegar lá. Como ele.
E ele foi longe.

Horto florestal, Miracema-RJ (foto do autor)