4 de novembro de 2022

Lá vem um Zé, pela estrada da Vala. O caminho é comprido para suas pernas miúdas. Faz frio, e a cerração toma conta da vargem, de não se enxergar nada além de vinte braças. Ainda assim é possível ver o calor da respiração do gado que segue, a passos contados, em direção ao curral, para a ordenha da manhã. O Zé nem repara mais no cenário, que se repete sempre nesta época do ano. Ele mesmo se insere no ambiente, como uma peça a mais. Tudo muito rotineiro! Com ele vêm mais dois ou três companheiros todos os dias. 

Ele vai para a escola na vila. Leva no seu embornal, além dos cadernos e do livro de leitura, a merenda do dia: uma espiga de milho cozido e uma fatia de broa de fubá. Nem sempre tem alguma coisa para comer e confia no leite que o grupo escolar fornece na hora do recreio. 

O Zé não tem mais de dez anos. É um menino franzino, cabelos claros de corte curto a lhe deixar um topetinho ralo sobre a testa. Tem a cara de moleque atrevido, ainda assim. 

Lá vem outro Zé. Este das bandas da Fazenda da Liberdade, com mais outros companheiros. Ainda que a paisagem se modifique um pouco, com alguns morros mais altos a circundar a estrada de chão batido que leva até a vila, no resto é quase a mesma coisa: o verde extenso do pasto a cobrir todo o relevo alcançado pela vista. Ele também é menino, pés descalços, a calça curta do uniforme azul rei e a camisa branca, com o bordado indicativo da escola: G. E. Marcílio Dias. Se o outro Zé tem por volta de dez anos, este Zé não passa de oito. E é mais sério e mal-humorado que o outro, embora ambos sejam bastante tímidos. 

O terceiro Zé vem dos lados do Jacó, percorrendo distância semelhante aos outros dois: também estrada de chão, com apenas um morro mais saliente a ser vencido, entre sua casa e a escola, a cerca de três quilômetros da vila. No entanto este Zé vem acompanhado de seu irmão mais velho e sua irmã mais nova. Este Zé já está na quinta série do antigo curso primário. É já um veterano com apenas doze anos. Este Zé não tem nada de tímido. Muito ao contrário: vive aprontando das suas, fazendo estripulias, arranjando jeito de implicar com outros meninos. Sempre foi assim. E tem uma vida menos penosa que seus outros dois xarás, filhos de humildes meeiros de proprietários rurais. Mas, na escola pública da vila perdida do interior, não há diferenças entre eles: são todos meninos atrás do beabá e das quatro operações matemáticas, para que possam, a partir daí, buscar novos caminhos na vida. 

E, se se encontram na escola, a vida os levará, com certeza, a trilhar caminhos distintos. Não aqueles de poeira e barro, conforme as estações, mas as famosas estradas da vida, que orientam, conduzem e, quase sempre, determinam o ponto de chegada. 

Lá vão os Zés. Cada um a seu modo, com o embornal cheio de sonhos, a construir seus destinos, com as ferramentas que a escola lhes deu.


Crianças a caminho da escola (imagem colhida na Internet).