25 de setembro de 2015

LUMIAR


Agora
Quando quiser ir ao bar
Irei para Luminar
Quando bater a ânsia das águas calmas do mar
Irei para os rios de Lumiar
Quando a luz faltar
Irei vaguear à cata dos vaga-lumes de Lumiar
Quando quiser enfim me encantar
Irei ver a lívida lua serena alumiar Lumiar


Lua crescente, com interferência de galho de árvore,
em Lumiar (foto do autor).

22 de setembro de 2015

LUMIAR X SÃO PEDRO DA SERRA



Voltei de Lumiar ontem à tardinha. Já há alguns anos não ia por aquelas montanhas tão aprazíveis de Nova Friburgo. Até me lembro da agradável impressão de quando estive na vila de São Pedro pela primeira vez. Jane e eu chegamos no finzinho de uma sexta-feira comum, e me encantei vendo as crianças saindo da escola. Comentei, então, que nunca havia visto uma tão grande concentração de crianças bonitas, bem nutridas e felizes daquele jeito. Foi aquela primeira impressão que conquista o forasteiro.
Tempos depois, nosso amigo Eduardo Campos lá construiu uma bela casa a que, com certa frequência, íamos.
Por aquela época, São Pedro era o coração pulsante daquelas grimpas de serra. Lumiar, embora famosa pela canção magistral de Beto Guedes, mostrava-se extremamente pacata, recatada, como uma donzela pudica. Sua noite não tinha nada de excitante ou convidativa. São Pedro era o que se podia esperar de um lugarzinho pequeno e agitado, embora mantendo seu ar interiorano tão encantador.
Desta vez foi diferente.
Lumiar está um outro lugar. Transformou-se. Aquilo que nos parecia abandonado pelo poder público, como o laguinho no centro da cidade, que se resumia a uma grande poça d’água feiosa, agora está cuidado, com as margens perfeitamente urbanizadas, iluminação destacada e um entorno de bares e restaurantes, com mesas externas, música ao vivo e sedução para uma parada, uma cerveja artesanal, um vinho correto, uma comidinha honesta.

Lumiar à noite (foto do autor).
A antiga pracinha acabou de ser reinaugurada, com o tradicional coreto em seu centro, e está rodeada de lugares acolhedores para o encontro dos amigos. Por seu lado, as crianças divertem-se pelo espaço renovado com cuidado arquitetônico. O agito veio para cá.
São Pedro, ao contrário, perdeu seu elã, sua badalação. Os antigos hippies que faziam o sucesso de lá já não são notados. O agito tornou-se calma e modorra.
Durante um show na pracinha de Lumiar, no último sábado, uma mulher aparentemente doidona invadiu a apresentação do cantor que se se fazia acompanhar ao violão, para cantar sua versão de Hotel California, sob o riso generalizado dos que ali estavam. Ela terminou sua performance com o grito eufórico de que “São Pedro tinha virado um cemitério”.
Fiquei triste.
Nem São Pedro, nem Lumiar merecem este antagonismo antigo e estúpido que tanto rivaliza estados, cidades, vilas, bairros, ruas e gente vizinha. Podemos crescer juntos, sem que o outro regrida. Contudo é o que pude observar nesta última passagem por essas duas vilas simpaticíssimas da serra fluminense.
Seria tão bom que tanto São Pedro da Serra, quanto Lumiar, pudessem ter seu charme, seu encanto e sua badalação própria, sem que uma vila se sobrepujasse à outra.

Gostei muito de ver Lumiar como está agora. Mas fiquei triste em constatar que São Pedro, aonde já fomos passar o réveillon de 2003, logo depois de tê-lo feito em Paris em 2002, perdeu seu jeito todo especial de conquistar o visitante. Seus escolares devem continuar tão bonitos quanto antes, mas sua noite já não tem mais o encanto de outrora.

Encontro dos rios, Lumiar (foto do autor).


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PS: Excluído e republicado por ter saído com incorreções que não puderam ser corrigidas no texto anterior.

14 de setembro de 2015

QUANDO VOCÊ OUVE SENHOR PELA PRIMEIRA VEZ


Eu ainda era um homem razoavelmente jovem, porém nem tanto, quando ouvi de uma atendente de antigo videoclube perto de casa a palavra senhor dirigida a mim. Tomei um baita susto, na oportunidade. Como morássemos no mesmo condomínio, certo dia lhe disse daquela minha estranheza em ser chamado assim tão solenemente. Ela sorriu amarelo, em seus dentes brancos, em sua bela carinha ainda adolescente.
Essa primeira vez é a primeira vez de todos os acontecimentos na vida: você jamais esquece.
E eu já era professor de cursos de graduação há alguns anos – havia começado aos vinte e seis na atividade –, e recomendava, logo na primeira aula, que os alunos não me chamassem de professor, nem de senhor: eu era simplesmente o Saint-Clair.
Mas o tempo é inexorável. Se você não morre, ele continua passando sem apelo, sem barreiras ou barricadas, rompendo tudo, atropelando quem estiver pela frente. E vai levando de roldão nossa juventude, junto com nossos cabelos e as habilidades físicas de um modo geral e específico, que nem é bom lembrar.
Há poucos anos, adquiri legalmente o direito à fila preferencial, ao transporte gratuito, à vaga reservada, que tento não usar, enquanto tiver alguma força física e financeira para parecer um pouco menos dependente das benesses do sistema.
Entretanto, neste fim de semana, tive a certeza de que não é assim que os outros já me veem. Eu, acostumado todos os dias a me olhar ao espelho, não percebo – como todos os meus semelhantes – os estragos que o tempo deve estar a fazer nesta minha pessoa despretensiosa.
Vejam só em que me baseio, para tal constatação.
Na quinta-feira, fui a um supermercado de esteira rolante. Ao sair com o carrinho de compras, uma mocinha, no pleno gozo da sua adolescência mas já no trabalho, no princípio da descida, se pôs a me ajudar a conduzir o veículo até embaixo. Antes uma mulher mais nova passou por ela, sem ter esse tipo de deferência.
Voltei no dia seguinte e, ao procurar vaga onde parar o carro, um homem jovem se apressou a tirar o carrinho de compras que atrapalhava o completo estacionamento do veículo. Eu lhe agradeci a gentileza, e ele sorriu com bonomia para mim.
O pior, contudo, a prova cabal e irrefutável de que virei realmente um senhor maduro – já chegando, quiçá, à velhice irremediável – me foi dada por um homem um pouco mais novo do que eu, dono do bar onde encomendara torresmos para abrilhantar a feijoada de domingo. Conforme combinado, liguei para saber se a encomenda estava pronta. Ele disse que iria verificar, deixou o telefone apoiado em algum lugar – o barulho indicava isto – e gritou para a cozinha no fundo do estabelecimento:
- Zé, o torresmo do coroa ficou pronto?
Confesso que só fui buscar o torresmo, que, aliás, é deliciosamente crocante, porque já havia pagado por antecipação. Caso contrário, deixaria que o boquirroto ficasse com o coroa preso na garganta, a vender suas cachacinhas miúdas e suas cervejas cheias de milho e arroz, para a clientela condescendente que frequenta aquele pé-sujo. E prometo não voltar lá. A não ser que a vontade de comer torresmo seja irrefreável!

Imagem em catracalivre.com.br.

9 de setembro de 2015

UM CONHAQUE AMARGO NO CHALÉ


Por um descuido, fui tomar conhaque no Botequim Chalé, localizado de frente para a Praia de Icaraí, na noite de ontem, quarta-feira.

Como estivesse sozinho, aos poucos fui-me insinuando na conversa de dois fregueses, aparentemente da minha faixa etária, que tratavam de um assunto interessante.

Botequim tem esta característica altamente simpática e democrática: é possível, com tato, se meter em todas as rodas de conversa.

Rapidamente soube que meus dois interlocutores eram engenheiros. Um deles, inclusive, o mais loquaz, falava das usinas hidrelétricas que tinha projetado pelo país afora, as duas últimas em construção no Rio Paraíba do Sul, na altura de Queluz/SP, já próximas à fronteira com o Estado do Rio.

Dizia de seu trabalho, de suas responsabilidades, de suas competências e experiências, e não deixou de tecer críticas a outros profissionais, como os arquitetos. Como se estes fossem artistas sonhadores, sem os conhecimentos teóricos e práticos de cálculos que os possibilitem aos voos de seus projetos.

Isto me fez refletir sobre a pequenez da alma humana: não basta ao homem vangloriar-se do que faz; é preciso desmerecer o outro.

Que merda de gente somos nós! Quão ridículos em nossas presunções!

A minha magnificência só se completa diante da incompetência alheia. É isto?

Eu sou sempre o fodão, aquele que sabe, que conhece, que resolve. E todos os outros são um bando de incapazes, de incompetentes, que não se criariam senão através de nossa capacidade desmesurada.

Sorvi logo o último gole do conhaque, despedi-me e fui embora para casa.

Tenho mais o que não fazer, do que ficar ouvindo presunções soporíferas de quem sabe fazer hidrelétricas!

Como sempre arremata seus comentários semelhantes o meu amigo blogueiro Zatonio Lahud: Saco!

Imagem em konsulfree.com.br.

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Publicado originalmente em Gritos&Bochichos.

2 de setembro de 2015

SOU CHEIO DE OPINIÕES


Não sou pessoa de uma única palavra. Tenho várias. Menos que o dicionário, é óbvio, mas cheio delas. Desde pequeno, desde criança. E também não tenho a última palavra. Seria ela zwingliano? Vejam que não sei ao certo. Quando aluno do Colégio Bittencourt, em Campos dos Goytacazes (Morrerei sem concordar com esta grafia!), na falta do que estudar - todas as lições já feitas -, resolvi contar as palavras do Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, que se vangloriava de elencar mais de 90.000 vocábulos. Não contei nem a décima parte, mas vi lá, na década de 60, que a última dicionarizada era essa aí: zwingliano, "adepto ou seguidor do zwinglianismo". Hoje já não sei mais. Já não tenho a curiosidade da juventude e deixo com o Aurélio a derradeira palavra.

Assim fico com as palavras do meio, vez que a primeira pertenceu ao Criador, que fez tudo a partir dela: Fiat lux! E a luz e o fósforo de segurança foram feitos. Acho que até a minhoca e a lombriga foram feitas assim. O ornitorrinco, no entanto, tenho quase certeza, foi feito por Adão, com as sobras de alguns bichos que o Criador desistiu de criar e deixou jogadas num canto do almoxarifado celeste. Por isso deu no animal esquisito que é. Até na oficina mecânica do Mané Gibaita, lá em Carabuçu, se fazia coisa mais bem acabada do que o ornitorrinco.

E no meio dessas palavras e ajuntamento de palavras há coisas engraçadas, que merecem uma análise perfunctória e irresponsável, como sói ser de meu vezo e para o que sempre tenho a palavra incerta.

Por exemplo: autoajuda. Se isso não se refere a oficina mecânica, certamente tratará de carro guincho. Ou da ajuda daquelas pessoas que empurram seu carro, quando ele dá uma pane elétrica. Eu mesmo nunca vi alguém autoajudar outra pessoa: o leitor, no caso. Jamais vi alguém, cheio de problemas, chegar para um amigo e dizer: Preciso de uma autoajuda. Por isso, todos esses livros de autoajuda, na verdade, ajudam o seu autor. Aí, sim, a definição se ajusta.

Como jamais tive a pretensão de ficar dando conselhos aos outros, tenho a maior implicância com a palavra e a finalidade para a qual é usada.

Aliás, isto tem sido uma das preocupações da minha vida. Tanto que até cunhei um pensamento bem-pensado: Muito se autoajuda quem não se atrapalha.

Não sei se isso ajudará alguém, mas fica aí para a reflexão dos meus parcos leitores.

Outra expressão que sempre futucou meu cérebro nervoso, como diz aquele samba-canção da época em que se usava cueca samba-canção, é "a merencória luz da lua". Em tempo algum, em nenhum dos textos que li, desde os gongóricos aos românticos, vi merencória ser usada. Ary Barroso, autor dos versos e da música em que a expressão se encontra, era verdadeiramente um homem muito esquisito. E olhem que não lhe tenho má vontade. Quando, há tempos, lhe faziam crítica por outro verso - "esse coqueiro que dá coco" -, em que o acusavam de tautologia, de obviedade, sempre estive com ele:  ora, todo coqueiro dá coco; Ary está coberto de razões e cocos e não poderia dizer esse coqueiro que dá goiaba, por exemplo. Mas essa "merencória luz da lua" é velha de dar com o pau. Chega a doer no ouvido. Talvez melhor ficar com a modernidade e o gosto estranho da música dos Titãs em que se arrolam vários nomes de doenças: O pulso. 

Mas vejam como é o povo: na Copa do Mundo da França, em 1998, no Parque dos Príncipes, em Paris, a torcida brasileira cantou a plenos pulmões, durante o jogo contra o Chile, a Aquarela do Brasil, com merencória, coqueiro que dá coco e tudo mais. E eu e meu filho Pedro estávamos naquele coral ensandecido.

Tenho muito mais opiniões a dar, mas, por hoje, fico por aqui. Não que seja esta a última palavra, mas a penúltima ou antepenúltima.

Cartum de Kemp, sobre Zé do Apocalipse, de Glauco (em lactobacilom.blogspot.com).


Publicado originalmente em Gritos&Bochichos.