31 de dezembro de 2012


FELIZ ANO NOVO!

Pôr do sol alaranjado em Icaraí (foto do autor).


28 de dezembro de 2012

NOITES

como são as noites
quantas são as noites
a quem pertencem as noites que perdemos
em preocupações e desventuras
a quem aproveitam as noites indormidas
quem ilumina as noites de lua nova
com que pavio desatar o nó das noites nubladas
como sair do teu quarto se a noite
ainda nem começou
(sobram noites em nós dois
e o céu repleto de noites
desaba sobre todos os nossos precipícios)
as noites impropícias a que deixam de propiciar
quais são as noites de velórios
de autódromos desertos
de praias perdidas

não há noites
só desejos camuflados
não há noites
só alguma coisa pegando dentro de todos nós


Noite azul (Muriaé/MG; foto do autor).


24 de dezembro de 2012

PAPAI NOEL EXISTE

Durante os primeiros anos de minha vida acreditei em Papai Noel, como qualquer criança. Contudo minha crença era tão convicta, que cheguei a apostar com meu amigo Laércio sobre a existência do Bom Velhinho.
Não me lembro de quantos anos tinha. Laércio era meu amigo de infância e apenas um pouco mais velho do que eu, porém extremamente menos ingênuo.
Talvez eu tenha sido ingênuo por anos em excesso. A ingenuidade é adequada até os sete anos, mais ou menos. Daí em diante, passa a ser um defeito. Acho que carreguei esse defeito longe demais.
Mas, naquela época, quase fui desencantado por Laércio sobre a existência de Papai Noel. Ele bem que tentou.
Ora, o Velhinho batia o ponto regularmente em nossos natais – meu e de meus irmãos Guth e Eliza – com os presentinhos que uma família pobre do interior podia dar. Nós, então, não tínhamos o direito de desconfiar de nada. E, além disso, não fazíamos comparações do que ganhávamos com os presentes de outras crianças, o que poderia colocar em cheque a justeza do Papai Noel. E, daí, sua existência.
O Natal estava chegando e, por certo, comentei com Laércio algo relacionado, numa noite quente. Estávamos na rua, em frente ao bar do tio Tônio.
Toda criança mais velha, que já não acredita, parece ter o perverso desejo de informar ao mais novo que essa história de Papai Noel é uma grande lorota dos adultos para nos enganar.
Lembro-me de que discuti com ele, afirmando exatamente o contrário. Até que cheguei ao ponto de apostar um pé de moleque.
O pé de moleque era a única coisa valiosa de que eu podia dispor então. Minha mãe o fazia para vender no pequeno armazém de meu pai, que, na vila, chamávamos de venda.  E nos dirigimos até lá, para que meu pai desse a palavra final, o veredicto incontestável e irrecorrível.
Papai, do lado de dentro do balcão, foi então questionado por mim:
- Papai, não é verdade que Papai Noel existe?
E meu pai respondeu afirmativamente. Então expliquei a ele que fizera uma aposta com Laércio, valendo um pé de moleque. Óbvio que Laércio não me iria pagar. Eu podia comer o doce gratuitamente.
A vida continuou rolando, e não me lembro de quando deixei de acreditar nesse mito natalino. Com certeza, foi algo muito natural, pois não tenho o trauma da revelação, tão comum a muitas pessoas. Simplesmente deve ter acontecido.
Tempos depois, recordei esta história a meu pai e perguntei a ele como o Laércio aceitou a resposta dele, sem retrucar. Ele me disse, então, que, sem que eu percebesse, piscou o olho para o meu amigo e, tão logo me distraí, deu-lhe o pé de moleque da aposta. Eu perdera, mas também não soube na época. Foram mantidos dois segredos num só.
Mas, ainda mais um vez naquele Natal, engraxei os sapatos, como eu e meus irmãos fazíamos, e os coloquei sobre a máquina de costura de minha mãe, que estava arrumada com uma pequena toalha bordada, para a ocasião.
Na manhã do dia 25, lá estava o presente aguardado durante todo o ano. O único que crianças da nossa vila ganhavam: o presente do Papai Noel.
Ele não poderia deixar sua existência em dúvida!

Imagem em pt.dreamstime.com.

22 de dezembro de 2012

BOM NATAL E FELIZ ANO NOVO

Permitam-me os amigos leitores repetir aqui a mensagem de 2010. Mas os desejos são os mesmos e, às vezes, não encontramos novas palavras dispostas a repeti-los.


Aos amigos
E aos parentes,
Aos crentes
E aos descrentes,
Aos que se bastam
E aos carentes,
Aos desestimulados
E aos renitentes,
A todos nós, enfim, gente,
Um NATAL cheio de alegrias
E um ANO NOVO
Com 365 dias!
E, se isso for pouco,
Que não haja sufoco,
Que não falte dinheiro,
Que tenhamos saúde,
Cada um a seu jeito,
E, se não for pedir muito,
Que a felicidade abunde!
Mas com todo o respeito.

Natal brasileiro, de Leo Macial (em arteblog.com.br).

20 de dezembro de 2012

SE O MUNDO ACABAR AMANHÃ


Estou aqui de tocaia, esperando esse tal fim do mundo. Sou do interior, e lá temos o hábito da tocaia, para pegar alguma caça ou alguém desprevenido. Eu estou prevenido. Não sei se o propalado dia derradeiro sabe que é o derradeiro.
Tenho visto/ouvido declarações desencontradas. Eu mesmo não acredito em nada disto. Costumo dizer, brincando, que não acredito nem mesmo em homeopatia – e não acredito mesmo – e tenho certa desconfiança da alopatia. O último anunciador de tal catástrofe em que ainda depositava alguma crença, mesclada a boas gargalhadas, era o Zé do Apocalipse, personagem de Glauco, que também morreu com seu autor, violentamente, em 2010.
Zé do Apocalipse, de Glauco.
Mas vamos supor que o mundo acabe amanhã, contra todas as evidências atuais. São 17h07 desta quinta-feira abúlica, em que não se tem vontade de nada, nem mesmo de morrer. Aliás, muito menos de morrer. Mas, como dizia, estou imaginando que, se de fato isto se der, o que eu perderei? Vamos à contabilidade.

Pelo menos doze garrafas de vinho, que venho guardando para uma boa ocasião e uma temperatura amena, ficarão sem ser consumidas. Não são caros, que não tenho estipêndios suficientes para vinhos estrelados. Contudo, sempre será um prejuízo. Sobretudo, do paladar. Uma garrafa de aguardente de Cabo Verde, presente de meu amigo Rogério Barbosa, ainda não aberta, e outra de Quinado Ramos Pinto, adquirido há alguns anos, com parte da indenização por distrato da função de professor. É um aperitivo de que gosto muito. Outro tanto de exemplares de cervejas de muito boa produção, que me aguardam pachorrentamente na geladeira, inclusive uma presenteada por meu filho Pedro há pouco. Toda essa espera se justifica, porque tenho o hábito de beber com outro e não sozinho. Só assim se apura mais o paladar da bebida.
Também há no congelador um lombo de porco recheado que trouxe de Miracema que ainda não tivemos a oportunidade de enfornar. Será, também, um prejuízo e tanto. As frutas que comprei esta semana foram à conta de chegar até amanhã, desde que o mundo não acabe logo no café da manhã. Se deixar para o fazer lá pela noite, é possível que também acabe com uma penquinha de banana ouro adquirida no pare-siga da estrada de Teresópolis. Faltam apenas seis bananinhas miúdas.

Também tenho alguns cds e dvds que ainda não consegui ouvir/ver, já que o tempo de aposentado, embora elástico, é impressionantemente curto para muitas coisas. Dentre eles, estão alguns documentários sobre blues, da série dirigida por Martin Scorsese – The Blues - e outro tanto de cds de coleções adquiridas em banca de jornal, com valor documental: blues, MPB e música clássica.
Outro tanto de livros que dormem em prateleiras, para que um dia sejam lidos, quando me sobrar tempo. Por exemplo, a segunda parte da Divina Comédia, de Dante Alighieri. Li apenas o Inferno, que achei muito bom, mas o Paraíso me pareceu um tanto sem paladar e não prossegui na leitura. Dante que me perdoe essa confissão e não me mande para seu inferno.

E tenho também muito interesse em saber como ficarão certas mocinhas novinhas e lindas que andam por aí. Gostaria muito de ter mais tempo de existência, para vê-las na maturidade. Acho que é um desejo justo. Se não for pedir muito.
Na verdade, a mulher é a culminância do belo sobre a face da terra. Portanto, o maior prejuízo que terei. Ela nos dá um trabalho do cão, mas não nos cansamos de admirá-la. E esse encantamento talvez seja uma das coisas que nos mobilizam a seguir adiante, imaginando que, no futuro, tudo terá jeito. Ledo engano, como sabemos bem, mas o que fazer?

Os parentes e amigos, caso o mundo realmente acabe amanhã, estarão no mesmo barco furado que eu, e sucumbiremos todos, de mãos dadas ou não, crendo ou não que uma bobagem dessas possa ocorrer.
Pelo sim, pelo não, até amanhã ou depois de amanhã, tão logo as coisas sosseguem um pouco! Já até agendei a publicação de mais um texto para o dia 22 de dezembro. Se ele aparecer na tela do seu computador, é sinal de que a hecatombe final não passou de um blefe.

18 de dezembro de 2012

SÓ UM VENTO FRESCO E BRANDO

só um vento fresco e brando pela fresta da janela
só uma lua a um canto da casa desolada
só uma estrela no céu ácido da boca
e no corpo dourado do sol salgado do mar
um ponto perdido na memória
dos dias findos
e do prazer etílico dos sentidos

só uma luz furtiva e baça nos olhos úmidos
só um odor perdido entre lençóis molhados
só uma canção nas línguas retorcidas
e na alma condoída de dores e remorsos
um conto inverossímil no passado
das noites indormidas
e dos sonhos que sonhamos nossos

Icaraí ao pôr do sol (foto do autor).

15 de dezembro de 2012

EM MIRACEMA

Em Miracema
Dois poemas
Valem um pedaço de chouriço
Um coração partido
Vale um joelho de porco cozido
Dois jilós recheados
Valem mais que um encontro  marcado
E se pode trocar uma dose de pinga exótica
Em qualquer botequim do mercado
Por um estado de nervos caótico
E se não for bem isso
Aquilo que você cobiça
Ainda restará um saboroso pão com linguiça
Ou um caldo de feijão apimentado
Cujo valor ultrapassa
Qualquer dia estressado
E até mesmo uma primogenitura contestada
Valerá menos que um prato de torresmo.

E assim seguirá a vida com tais dilemas:
Trocar por iguarias caipiras
Um banquete de problemas.

Tudo ao sabor de Miracema!



Imagem em torresmocabeludo.blogspot.com.







13 de dezembro de 2012

O POMBO

O pombo tonto sobrevoa o carro
De pronto esbarra a asa doída no capô
E cai no chão duro da rua
O carro não faz a curva
E não compactua com o tombo do pombo
O primeiro pneu pega o pombo parvo
O segundo o de trás amassa-o ainda mais
E sobre o negrume do asfalto quente
Sobra apenas uma triste paçoca de pombo
Cheia de penas incidentais.


Imagem em monstrosagrado.wordpress.com.



11 de dezembro de 2012

A FÁBRICA DO POEMA

Um poema não se fabrica
Não se estica
Não se complica
O poema não precisa de brisa
Que o refresque
Nem de camisa de força
Que o comprima
Ou de rima
Por certo de ritmo
Que lhe seja íntimo
E diga qualquer bobagem
Ou alguma coisa em que se acredita
O poema precisa de quem o leia
Ou veja
Ou sinta
Todo poema que se pretenda poesia
Necessita de que algum dia
Possa dizer o que não se entenda
Por isso é que não há fábrica de poema:
Qualquer forma que se lhe aplique
Pode ser que não o fabrique.

Imagem em universofantástico.wordpress.com.

9 de dezembro de 2012

O CARIOCA DE VERÃO

O carioca, quando não está roubando, assaltando e traficando, é um povo engraçado, hospitaleiro e inventador de moda. Sobretudo quando se aproxima o verão.
Pois não é que o verão está batendo às portas de nossa primavera envergonhada e produzindo temperaturas saarianas, condições mais que propícias a que o carioca comece a armar no nervoso do seu cérebro uma maneira de marcar esta estação?
Na semana passada, os adeptos da ioga (com ó e não ô, como querem os adeptos da ioga) de corpo sarado e gostoso inventaram a ioga sobre prancha de stand up paddle na Lagoa Rodrigo de Freitas.
A ioga (com ó aberto mesmo) mesma não está nem aí para essas novidades, porque vem de milhares de anos e é muito conservadora. Mas a gostosa que apareceu de biquininho no meio da água poluída da Lagoa conseguiu seu instante de febre, sua fama passageira, em poses para Kama Sutra nenhum botar defeito. Até eu, com minha provecta idade, senti certa comichão nas partes ao ver as fotos da bela iogue.
Não é que agora se inventou ioga (com ó) na corda bamba, a tal de slackline, a yogaline.
E tudo isso com nomes em inglês que é para os beócios de sempre, como eu, não saberem dizer, quando querem se mostrar antenados com a modernidade, em rodas de chope nos bares mais descolados, segundo a mais recente lista do jornal.
Mas a coisa não para na ioga (com ó)!
Inventaram também um novo penteado que deixa os cabelos com jeito de que acabaram de sair do mar em que se fazia surf. Mesmo a carioca que acabe de sair de seu ambiente sustentado a ar condicionado – as temperaturas têm sido, como disse, saarianas –, vai dar a impressão aos amigos e parentes que, na mentira, desceu de uma prancha de surf há alguns minutos. E fica com aquela cara de excelsa superioridade no quesito felicidade que só o carioca sabe fazer, para mostrar que mora na melhor cidade do mundo, principalmente se comparada a São Paulo.
Para que o tal efeito funcione melhor, usa-se um spray de alga marinha que, segundo informações, deixa o cabelo armado e cheirando a maresia. É que, na concepção carioca de vida, melhor cheirar a maresia que a eflúvios do Tietê.
E esse jeito orgulhoso do carioca para com sua cidade chegou até o quesito tatuagem: os cariocas estão plantando em suas peles reproduções de pontos turísticos e vistas da cidade. Umas, com estilo bucaneiro – aquele Cristo Redentor parecendo pirata do Caribe –; outras, com estilo Niemeyer – apenas dois riscos falsamente despretensiosos para reproduzir o contorno das montanhas da orla em antebraços, braços, coxas, cacundas e cangotes.
Fora a retomada de estilo de vida artística consagrado há décadas pelos Novos Baianos, em que um bando de gente se reúne em comunidade para tocar sua arte, seja lá ela qual seja ou mesmo que eles pensem que seja. O que, no fundo e afinal, não faz a mínima diferença. Só que agora, em vez de sítio, é um amplo apartamento dúplex com ar condicionado e o verbo utilizado é um verbo da moda: agregar. Pois é, tais comunidades estão agregando amigos, para que, assim, o furdunço soe da maneira mais muderna possível.
É... quando chega o verão, o carioca fica com o miolo mole e começa a inventar modismos.
Mas é melhor isso do que assaltar, roubar e traficar. Né não?

Cariocas aptos a inventarem modismos de verão (em sosriosdobrasil.blogspot.com).

3 de dezembro de 2012

FOR ABSENT FRIENDS*

Aqui não está o amigo que ficou pelo caminho
Não o vejo mais
Não o sinto como antes

Por que os amigos se perdem assim?
Por que somos levados para outros lugares
Tão distantes
Tão desconhecidos?

Por que os amigos se tornam criaturas estranhas
Com o tempo escorrido na folhinha
De muitos e muitos janeiros?

Aqui não está o amigo que não vejo mas sinto
Sinto-o perdido em algum lugar de minha memória
Sinto-o guardado bem lá no fundo do meu apreço

E se fecho meus olhos
Seu vulto surge tão nitidamente
Que parece que a vida está recomeçando
Nos mesmos espaços de outrora
Na mesma praça da cidade
Que ficou distante
Como os amigos perdidos no tempo.

Vincent VAN GOGH
V. Van Gogh, Le banc de Saint Rémy, 1889 (em impressionism-art.org).

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*Título de uma canção do Genesis, gravada no álbum Nursery Cryme, de novembro de 1971 e editado no Brasil pela Phonogram em 1972. Caso queira ouvi-la, clique aqui.

1 de dezembro de 2012

UNS GOSTAM DOS OLHOS; OUTROS, DA REMELA!


O problema todo foi Timóteo ter chegado cedo à casa da noiva, antes do horário combinado e sem avisar. Encontrou-a ainda em roupas de dormir, sem maquiagem, os cabelos desgrenhados, apeada de toda minuciosa produção com que se apresentava socialmente. Parecia uma assombração da Quaresma.
Nem na figueira mal-assombrada da curva da estrada da Fazenda da Liberdade, logo depois do grupo escolar, houve aparição mais esquisita na vila. Por isso ele começou a pensar seriamente em desembarcar do compromisso assumido com seu Dorival e dona Dozinha, pais de Carminha, a vítima de seus planos matrimoniais.

Carminha tinha uma irmã mais nova que ela três anos e toda apetrechada de beleza: Felícia. As duas juntas pareciam a prova contundente de que a natureza trata seus filhos, às vezes, como malvada madrasta: uma, feiosa de dar dó; a outra, de uma formosura brejeira de doer nos olhos.
Quando viu, pela primeira vez, as duas juntas, Timóteo imaginou, então que a vítima talvez fosse ele, como chegou a cogitar naquele malparado instante. Foi susto demais para coração tão desavisado. Porém havia força maior a nortear suas intenções.

Timóteo, na verdade, não era flor que se cheirasse. Tinha contra si todas as fundadas acusações que comumente se fazem aos mandriões, aos poltrões, aos dissipadores de pecúnia, aos desocupados. Vivia entre víspora e cisprandi, entre jogo de vida na sinuca do bar do Roldão e as apostas no jogo do bicho do seu César. Ganhava uma ninharia aqui, outra ali e ia tocando a vida nesse ramerrão.
Porém Carminha era de um encalhe só. A pobre coitada já nascera feia, mal ajambrada. E, logo no berço, pai e mãe viram que seria difícil a beleza, essa joia perseguida por todas as pessoas e engastada em Felícia como um brilhante, se afeiçoar a ela. Isto porque a beleza passou batida por Carminha de não dar as caras desde o berço, bem como na fase de menininha miúda. Quando ela chegou à fase da troca de dentes, a figura de Carminha fazia criança pequena chorar.

Quando botou corpo, cresceram-lhe os seios e arredondaram-lhe as formas, os pais tomaram a providência de enchê-la de cremes e bases, de lápis daqui e dacolá, em riscos nos olhos, batom nos beiços e cuidados nos cabelos de palha, para que não parecesse espantalho para moço desavisado.
Era preciso preparar Carminha para algum descuidado pretendente. Depois dos papéis assinados, o marido é que se virasse. E tinham a esperança de que os possíveis futuros netos desagravassem, um pouco que fosse, esse desapreço da filha pela beleza.

Era uma esperança legítima daqueles pais desconsolados, que circulavam com ela por todos os espaços sociais em que pudesse ocorrer a oportunidade de laçar um genro.
Por isso é que faziam questão de sempre estar de olho em possíveis pretendentes, aos quais prometiam alqueires de terra e plantações de café, além de outras benfeitorias que iriam deixar para o abençoado genro.

Dona Dozinha, não por acaso, era devota de primeira linha de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a quem endereçava contundentes novenas e outras tantas promessas, além das doações costumeiras à capela da vila, com orientações para que o altar em que se aninhava a imagem da santa fosse o mais vistoso de todos, até mesmo do que o do Filho pendurado na cruz, “que Deus me perdoe por isso”, como sempre terminava suas orações.
Timóteo, contudo, foi mais ou menos encaminhado para ela, quando disputava uma partida de sinuca com Dorival, que chegou cheio de insinuações. E não teve como escapar de concordar com ele sobre certa esconsa beleza que se poderia entrever na cor dos olhos de Carminha, talvez um azul esverdeado, um verde azulado, herança de uns genes portugueses perdidos de muito antigamente.

Poltrão como era, Timóteo pensou que poderia suportar aquele tanto de feiura, no amparo da beleza de Felícia, que haveria de estar sempre próxima da irmã. E dirigiu-se, como boi para o matadouro, para o altar enfeitado para as núpcias, numa tarde fagueira de um sábado perfumado de primavera.
A igreja, abarrotada de gente, alguns com o único interesse em testemunhar o desencalhe de Carminha, coisa tida por inacreditável, outros com o sincero voto de que aquele desassombrado homem pudesse dar um pouco de felicidade à moça.

Num dos últimos bancos da igreja, sentou-se o amigo que viera de Campos dos Goytacazes para testemunhar os votos dos noivos. E, depois de ver a noiva chegar ao adro da igreja, não se conteve em saber de Timóteo por que, diabos, havendo duas irmãs – uma bela e outra feia que só aquela –, ele justamente optou pela feia.
Timóteo, até para se consolar e não deixar entrever seus interesses mais mesquinhos pelo dote da Carminha, disse ao amigo:

- É que uns gostam dos olhos, amigo; outros, da remela!
E seguiu resignado pela nau da capela de Santo Antônio de Liberdade, onde daria um fim àquela vida de incertezas e periclitâncias, seguido logo após por Carminha, em sua triunfante marcha para o desencalhe derradeiro.
Imagem em perfeitocasamento.com.br.

29 de novembro de 2012

DIZ-SE NA MINHA TERRA


Na minha terra, ninguém gargalha; mas poca de rir; do verbo pocar, que estoura em todas as bocas. Assim como as coisas não se arrebentam, não se rompem: pocam. Poca a fita, poca o fio, poca a cerca de arame com o arremesso do boi. Até mesmo a paciência pode pocar. Não poque minha paciência, menino, diz a mãe atarefada para o filho desesperado. Mas o perigo maior era quando um açude pocava e fazia jorrar um borbotão de água terra afora.
Também não há coisas ásperas, mas caracaxentas. As paredes são caracaxentas, o asfalto é caracaxento. A madeira antes da lixa também. O cara que tem a pele áspera é caracaxento. E havia o meu colega de infância com o apelido de Caracaxá, um tipo de chocalho infantil, que deve ser de onde vem caracaxento.

Ninguém se fere, arranha a pele; antes, a escalavra. A ferida produzida por fricção é um escalavro. Então o paciente passa a ter a pele escalavrada. Como a terra do campo revirada pode ser escalavrada (lavrada). Fulano escalavrou a terra, para plantar, dizia-se às vezes.
Ninguém sente agonia, ansiedade, aflição; mas gastura. Estou com uma gastura aqui dentro no peito, diz a pessoa angustiada. É a mesma gastura que dá no dente, quando se ouve, por exemplo, o barulho de unha roçando um azulejo ou num quadro-negro.

Também ninguém bate forte, mas lasca o pau, ou senta o pau. Lasca o pau no lombo alheio, quando o trem esquenta e a solução são tapas e pescoções, em vez de acordo e conciliação.
E ninguém sai apressadamente de lugar nenhum, mas deita o cabelo, mesmo que ele esteja arrepiado. A coisa ficou feia, o fulano deita o cabelo, quer dizer foge dali com rapidez. Também pode meter sebo nas canelas, que é outro jeito de andar muito ligeiro.

Não se desconfia de nada, lá na minha terra. As pessoas ficam cismadas, encafifadas. E, quando uma bota cisma em cima de alguém, é difícil de tirar. Porque todo sujeito cismático é encafifado.
Assim também há as pessoas sistemáticas, como meu pai ou o Valdemar sapateiro, cheias de nós pelas costas, que é como se diz das pessoas com manias muito próprias.

As coisas que não estão bem arranjadas, bem arrumadas, nos conformes, normalmente são escalafobéticas. Já a pessoa mal-ajambrada de corpo também pode ser escabufada. Como o Zequinha Escabufado, que teve um problema na perna direita e andava troncho, com seu joelho em forma de acento circunflexo virado para dentro.
E, durante muito tempo, ninguém ficava doente ou passava dificuldade: tinha um perrengue. O cara perrengado procurava o Zé da Farmácia, para tomar um sanativo, ou um amigo, que lhe tirasse da aflição.

Diz-se, preferencialmente a sanduíche, pão com carne, pão com ovo, pão com salame, pão com bife, pão com linguiça, pão com queijo e por aí afora, na linha de pão com manteiga.
Uma confusão com tapas e pescoções, envolvendo algumas ou muitas pessoas, normalmente é um pega pra capar. Se for apenas uma confusão de sentidos, de ideias, pode ser que seja um cu de cachorro. Xiiii, foi um cu de cachorro! Quer dizer, foi uma grande confusão, mas sem pancadaria.

As pessoas moralmente mais liberais, quando estabelecem conluio matrimonial com alguém fora dos parâmetros legais, se orelham. Fulano está orelhado com fulana, era como se dizia quando os dois passavam a coabitar sem os papéis da lei. O que ensejava outra frase em sequência: Orelhado com fé, casado é!. Mas os que se casavam no religioso se casavam no padre. Minha mãe, muito católica, só convenceu meu pai a casar no padre, eu já menino. Antes só havia a certidão do cartório. É que meu pai era um tanto anticlerical, talvez por influência do tempo em que fora maçom. Então num domingo à tarde, logo após a missa mensal na vila, minha mãe e meu pai saíram enfatiotados. Desconfiei da elegância simplória deles e perguntei aonde iam. Mamãe respondeu: Vamos casar no padre. E voltaram com a certidão religiosa, tão preciosa para minha mãe.
As mulheres grávidas não davam à luz. Melhor: ganhavam menino. Menino homem ou menina mulher, conforme o sexo. Lembro-me de Dona Flor, nossa vizinha, dizendo que uma conhecida tinha ganhado menino homem. Minha mãe mesma ganhou dois meninos homens e três meninas mulheres.

Outra coisa: lá ninguém abandona nada – projeto, atividade, assunto –, mas larga mão. Larguei mão de fazer aquela horta de que lhe falei, diz o vizinho ao outro. Larga mão de besteira, sô! Eis a forma de incitar alguém a abandonar uma opinião que se tem como equivocada.
Acho que também vou largar mão de ficar dando gastura em você, leitor. Qualquer dia, volto ao assunto.


Folha de rosto do Elucidário de Viterbo, de 1978 (imagem em frenesilivros.blogspot.com).


27 de novembro de 2012

FAGNER: COMO SE PERDER PELO CAMINHO

Correu, na década de setenta, notícia de que Roberto Carlos, não satisfeito com os rumos que sua carreira estava, então, tomando, pediu a Fagner, o grande astro fulgurante da MPB da época, auxílio para que desse uma sacudida em seu trabalho.
Não sei se isso foi verdade, embora tenha lido em jornais daquele tempo.
E fiquei maravilhado com a possibilidade de um jovem compositor cearense, que chegou ao sul cheio de ideias e belíssimas canções, acentuado por um jeito todo próprio de “dizer” as letras, entre o choro e o lamento nordestino, auxiliar o já rei RC.
Eu, que tivera grande apreço por Roberto desde o início, nas rádios de sua Cachoeiro do Itapemirim natal, começava a não entender a guinada que ele dera em seu repertório. De início, flertando com a rebeldia da juventude de então, no movimento cultural nascido do rock inglês e norte-americano, que culminou com a criação da Jovem Guarda, Roberto, em final dos sessenta, início dos setenta, passou a cantar para coroas. Isto é, trocou as músicas descontraídas, irônicas e jovens, por canções que falavam de um jeito convencional do amor, bem ao gosto de uma faixa etária mais velha – uma geração posterior à minha, no mínimo. Até mesmo a roupagem de suas melodias ganhou orquestração convencional, sepultando de vez o grupo que o acompanhava, o RC-7.
À época, senti isto como um golpe de mercado: ele passou a fazer música para quem tivesse dinheiro para comprar.
Hoje ele é o que é, embora eu ache seu parceiro de sempre, Erasmo Carlos, muito melhor, por ter mantido a pegada que os consagrara. Por incrível que pareça – ele já não é mais menino –, Erasmo fez dois bons discos recentemente, Rock ‘n Roll (2009) e Sexo (2011), sobretudo o primeiro, talvez o melhor de sua longa carreira.
Pois muito bem.
Alguns anos depois, quem também deu guinada semelhante foi Fagner, que passou a cantar canções alheias, de duvidoso gosto para sua bagagem anterior, o que o levou mesmo a desaparecer quase que por completo da mídia.
Fagner podia muito mais pelo que já nos tinha mostrado, contudo foi pela linha fácil da busca do sucesso popular. Não que isto necessariamente seja ruim em si, mas cobra seu preço. E lá se foi a qualidade de seus discos iniciais.
Só que Fagner não tem, nem de longe, a quase burra unanimidade de Roberto Carlos, como afirmava Nelson Rodrigues a respeito da unanimidade. Roberto vem-se repetindo enfadonhamente, anos a fio, e seus fãs mantêm-se fieis e em grande número.
Há pouco, postei para meu sobrinho-neto Lucas uma velha canção de Fagner, para que ele o conhecesse, uma vez que, para os da sua idade – dezoito anos –, Fagner se tornou um “chato”. Quer dizer, ele passou a falar uma linguagem musical que não mais interessa a esses jovens.
Estou reouvindo, no momento em que escrevo estas bem traçadas, os dois primeiros discos longa duração de Fagner: Manera Fru-Fru manera (1973) e Ave norturna (1975), duas obras-primas da música popular brasileira. Ele continuou ainda fazendo boa música por mais alguns discos, até que resolveu também se transformar musicalmente.
Fagner soube, como nenhum outro de sua geração, musicar poemas de nomes consagrados da literatura de língua portuguesa, inclusive pagando o preço caro de fazer de início, sem autorização de herdeiros, música sobre poemas de Cecília Meireles.
Lucas ouviu com atenção a canção que lhe enviei – Astro vagabundo – e entendeu esta minha velha admiração pelo cearense, de quem ainda costumo comprar CDs, na esperança de que ele, um dia, volte à velha forma, como Erasmo.
E, caso você que me dá o prazer da leitura dessas considerações achar o mesmo que meu sobrinho-neto Lucas, recomendo ouvir, por exemplo, Traduzir-se*, belo poema de Ferreira Gullar que ele musicou e gravou no disco homônimo, de 1980, cujo texto está aí abaixo:
Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém, fundo sem fundo

Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão

Uma parte de mim pesa, pondera
Outra parte delira

Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta

Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente

Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte linguagem

Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida e morte
Será arte?

Capa do disco Traduzir-se (em www.fagner.com.br).


(*Copie o endereço a seguir, para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=IF0UFCuypQc).

25 de novembro de 2012

NÃO ME PROCUREM

Não me procurem onde não esteja
Vão me achar nos lugares mais comuns
Tenho o hábito das coisas normais
Sem os ritos repetitivos do viver

Não me procurem onde deva estar
Sempre estarei aonde me levar a vida
Sem resistências e sem revoltas
Por onde andará a maioria dos meus iguais

Não me procurem fora do meu reino
Este pequeno espaço que ocupo na cidade
E se traduz pelo tamanho exíguo do meu corpo

De onde saio às vezes se bem que pouco
Ao me igualar na multidão das ruas apinhadas
Aos transeuntes com quem deva caminhar


Foto da Rua da Assembléia, no Centro do Rio, feita por Augusto Malta (Coleção Ermakoff)
Foto da Rua da Assembléia, no Centro do Rio, feita por Augusto Malta (Coleção Ermakoff) (colunistas.ig.com.br).


23 de novembro de 2012

BARCO DE PAPEL

Eu sou aquele barquinho louco
Desgarrado
Sem porto
Sem bandeira
Navegando nas águas da enxurrada
Das ruas cheias
Da minha Liberdade menina
Eu sou aquele garoto bobo
Absorto pelas coisas do mundo
Tentando ver em todas as esquinas da vida
Caminhos retos floridos
Rios sem corredeiras
E apesar dos atropelos
Das incertezas
Fiz das possíveis migalhas no meu prato de ágate
O banquete impossível em baixelas de prata
Mas sei que a vida mata
Que a morte é certa
Por isso do tempo que me resta
Se não for festa
Que seja pelo menos tão ditoso
Como aqueles de barquinho louco

Imagem em lelaludens.blogspot.com.

21 de novembro de 2012

NÃO MEXAM COM DUDA!

Duda é meu amigo; portanto, não tem defeitos. A não ser que você considere certa irascibilidade para com a estupidez humana como defeito. Ou certo pavio curto, quando lhe pisam nos calos. Ou um pendor eticamente exagerado pela retidão de caráter de todo e qualquer ser humano. Ou um senso estético refinado que costuma classificar, de modo veemente, como porcarias muitas porcarias que se pretendem arte. Fora isso, que, sinceramente, não considero defeitos, ele é um cidadão que prima por exercer seus direitos e cumprir seus deveres. E é o que tenta passar para seus alunos do Colégio Pedro II, a reboque das competentes aulas de inglês que ministra no Segundo Grau, onde é conhecido por seu nome civil: Eduardo Campos.
Pois meu amigo, há alguns anos, possui uma bela casa de veraneio em São Pedro da Serra, aonde já fui algumas vezes.
A casa se debruça de uma das muitas colinas da vila sobre um espaço abaixo onde há um bar e restaurante, misto de clube de lazer com piscina natural e toboágua, feitos num ribeirão que desce serpenteante montanha abaixo. O espaço é aberto a todas as pessoas que paguem uma taxa de uso.
Logo que fomos – eu, minha mulher e mais um casal de amigos, Rosa e Rogério – conhecer a casa, então recém-terminada, Duda nos levou até o bar, onde tomamos algumas cervejas, devidamente assessoradas por tira-gostos, numa agradável tarde de sábado. O proprietário do estabelecimento, Didi, nos recebeu com atenção e nos franqueou circular por ali. Duda e Didi eram camaradas, afinal o terreno onde estava fincada a bela casa do meu amigo fora vendido a seu irmão Ricardo, já falecido, tempos antes.
Dentre as múltiplas funções do vizinho empresário, estava o fornecimento de água às casas do entorno, todas construídas em terrenos anteriormente seus. E foi aí que as relações começaram a estremecer, quando o comerciante decidiu aumentar o preço abusivamente. Duda, então, providenciou um poço artesiano que o abastecesse da água necessária, para não depender mais do outro.
Algum tempo depois, o birosqueiro resolveu que o funcionamento de seu complexo de entretenimento serrano fosse movido a som difundido pela circunvizinhança na potência do incômodo, isto é, bem acima do tolerável. E a comunidade passou a conviver com o som estridente do bar do Didi.
Duda, lá num domingo que poderia ser aprazível, desceu por seu barranco cuidadosamente ajardinado, passou pelo portão, adentrou os domínios do comerciante e reclamou em bom tom – educado que é – do volume do som. Didi não se fez de rogado e lhe disse:
- Aqui é minha propriedade e ponho o som na altura que quiser.
- Ah, é assim?! Então também estou no direito de ouvir meu som na altura em que quiser.
- Esteja à vontade! – retrucou insolente o Didi.
Ele não sabia com quem estava mexendo!
Antes de voltar no fim de semana seguinte, Duda foi até Nova Friburgo e comprou um sistema de som com mil watts de potência e instalou as caixas acústicas na varanda que contorna a casa, embicadas para o furdunço do Didi. Estava armado para a guerra!
Naquela manhã de sábado, aos primeiros e estridentes acordes da Eguinha pocotó, vindos do bar do homem, meu amigo soltou na potência do seu equipamento a Quinta Sinfonia de Ludwig van Beethoven, aquela do tcham-tcham-tcham-tcham. Pego desprevenido, o cara atacou em seguida de Bello e sua música horrível. Duda emendou de Tchaikovsky, com a Abertura 1812. O outro, desesperado, lançou mão de Eu quero tchu, eu quero tcha, e levou pelas platibandas a contundência de Richard Wagner, em A Cavalgada das Valquírias. Quando, numa última e alucinada tentativa, apelou para Entre tapas e beijos, Duda sacramentou a vitória com a Abertura da Cavalaria Ligeira, de Franz Suppé.

Imagem em artecontacto.blogspot.com.

Antes, porém que desse início a essa verdadeira justa musical, ao melhor estilo medieval, obviamente substituídos cavaleiros e lanças pela parafernália eletrônica, foi avisar à vizinha próxima sobre seus planos acusticamente diabólicos. A mulher lhe agradeceu a providência e liberou o som: ela também era amante de música clássica e odiava aquele som alto de péssimo gosto vindo do bar e misturado à algazarra que os clientes do espaço de lazer faziam.
Escaramuça estabelecida, o filho do Didi liga dizendo que era rico, engenheiro da Petrobrás, que faria e aconteceria:
- Vou pôr um carro de som na porta de sua casa!
- Pois tente! – disse-lhe meu amigo.
- Eu sou rico e compro um equipamento mais potente!
- Pois tente! – repetiu Duda.
- Você não sabe com quem está mexendo!
- Nem você! – arrematou o meu amigo.
Nunca mais houve a balbúrdia de antes, a partir daí. O sossego voltou a reinar nos altos aprazíveis de São Pedro da Serra.
Duas semanas depois, liga o mesmo sujeito prepotente, calçado com as sandálias da humildade, para lhe pedir desculpas. Reconhecia que estava errado, que agira sob o calor dos fatos.
Meu amigo aceitou as desculpas.
Na semana seguinte, foi Didi quem chegou até sua casa, para também lhe pedir desculpas e convidá-lo a voltar a frequentar o local. Meu amigo aceitou as desculpas, como cavalheiro que é, mas ponderou que não havia mais clima para lá voltar. Ele tem exagerado verniz de hombridade e compostura.
Ah!  só estava esquecendo de dizer que, apesar de meu amigo, Duda tem um defeito danado: é teimoso como burro empacado. Se você se meter numa briga contra ele, saiba que a briga só acabará quando ele vencer. Porque ele não se mete em enrascada!