Porém não se associou a nenhuma entidade, a nenhum orixá, a nenhum santo na armação que aprontaria. É que temia que esse desfrute de baixa extração a estabelecer na praça de Madureira, bem próximo do Mercadão, pudesse despertar a ira de qualquer deles e sua vida se transformasse em uma sucessão de infortúnios, tipo atual território japonês.
Na verdade, Cantídio não acreditava em nada; era devoto incurável, sim, da sem-vergonhice, do canalhismo e do mau-caratismo de todas as tendências.
No entanto, a fim de que desse certo ar de seriedade ao indefensável, comprou livreto com instruções superficiais sobre a atividade que se propunha desenvolver. Haveria de ter um verniz de sabedoria naquela empulhação. Ou não se aprumaria.
Alguns dias depois, já havia mandado imprimir pequenos folhetos, que incumbiu menino de seus quinze anos de distribuir na entrada do Mercadão. Neles, prometia resolver problemas sentimentais de damas e senhoritas românticas que, até então, não tinham encontrado seu príncipe encantado. Não mencionava atendimento a cavalheiros, que não queria ver nem pintados de rosa choque.
O menino, contratado a dois sanduíches de mortadela com guaraná natural, mais passagem e dez reais ao fim do trabalho, começou na sexta-feira pelas oito horas e só deu cabo da tarefa um pouco antes do escurecer.
No primeiro dia, o movimento, pode-se dizer, foi parado. Porém, a partir do segundo, começou a pipocar consulente a cada duas horas, chegando ao fim da semana seguinte com necessidade de agendar atendimento. Era um tal de entra e sai de mulher no seu acanhado consultório, que o porteiro do prédio teve de estabelecer regras, a fim de que a escada não ficasse intransitável.
Sem-vergonha do jeito que era, pensou lá com seus testículos:
- Vou calibrar mais a jogatina de búzios, criar prestígio e depois sair faturando a mulherada. Com o nome feito na praça, vou pegar até a Rainha da Inglaterra, se baixar aqui. Ou não me chamo Cantídio Sampaio dos Reis, o Tidinho das Candongas.
Para não alongar demais nas prosopopeias de que se achava detentor laureado, pode-se dizer que a primeira cliente a ouvir suas inconveniências, uma loura entintada que atendia pelo nome de Naira e era portadora de peregrinas gostosuras, praticava noivado compromissado, há quase dez anos, com o investigador Pacheco, o Pachecão da Invernada de Olaria. Sua consulta versava tão somente sobre a questão do prazo em que iria tomar estado com o agente da lei, pois que já principiava a se achar encalhada.
Cantídio vislumbrou na dita loura, cozinhada em banho-maria por um noivo descansado demais, campo aberto à razia e se deu pessimamente mal, no grau mais alto de pessimamente e no mais grave de mal.
Informado pela noiva das saliências que o jogador de búzios tinha lançado em seus recatados ouvidos, Pachecão entrou naquele antro de descaminhos, sem hora marcada, e só saiu depois de aplicar um corretivo que aprendera fora da Academia de Polícia, nas lides com a vagabundagem, mas que produzia mais efeito que óleo de rícino ou picada de escorpião.
Sobre o que sobrou de Tidinho das Candongas, desmontado que ficou no chão daquela espelunca, Pachecão vociferou, lançando perdigotos para todos os lados, para que a fila de mulheres a descer as escadas ouvisse, num espaço de mais de cinquenta metros e olhe lá:
- Tem prazo de quinze minutos para fechar esta latrina, que a partir daí vou entrar com a volante da Invernada completa, que está doida para um servicinho extra! É só eu chamar pelo rádio que eles chegam num segundo, fazendo valer as dores da lei!
Cantídio apenas teve tempo de recolher os cavacos da cara quebrada e cair no oco do mundo. Iria abrir comércio em outra praça, longe do Rio de Janeiro, onde não encontrasse gente tão estressada e sem o mínimo senso de humor.
Dias após, estava procurando sala para alugar num shopping recém-inaugurado na Rua Dr. Abreu Lima, na progressista Bom Jesus do Itabapoana, distante quatrocentos quilômetros de Madureira, de Pachecão e da Invernada.
As mulheres da cidade o aguardassem com seus sábios conselhos, até um fazendeirão ignorante descobrir suas manjadas armações e descer o braço pesado em seus cornos.
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Isto é que é viver perigosamente.
ResponderExcluirManda ele ir lá em Calçado, estumamos o Jilozinho nele...
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