O sol mal deu as cara pros lado da Serra da Boa Esperança, e eu já tava de pé. Já tinha tomado o café com pão drumido e uma lasca de queijo curado da casca grossa, um pouco de farinha de mandioca com açúcar pra mode dar sustança e disposição. Compadre Zeca, que mora na casinha de pau a pique do outro lado do terreirão também já estava arriano sua besta. Ele ia comigo na empreitada. Nós é quase parente, pruque Compadre Zeca é casado com uma sobrinha da minha muié e é padrim, com sua muié, da Dorinha, minha fia menorzinha. Seu Orelo foi quem pediu nós pra ir até a fazenda do Antõi das Morte e trazer de lá, nem que fosse arrastado, seu fio mais novo, o Juliano, que fugiu de casa pruque levou uma coça de gurumbumba pro mode que desonrou a fia do colono dele. Aí, desarvorado, o menino foi pedir abrigo nas terra do padrinho dele, o seu Antõi das Morte. A fia do colono, o Zé Laurindo, é uma moça bonita que só, munto brejeira, e tem o nome quase ingual do rapaz: Juliana. É da mesma idade do menino Juliano, e os dois sabia munto bem das estripulia que estava fazeno. Com quinze ano, carqué um de nós já sabe das consequência dos nossos ato. Nessa idade, ninguém é mais inocente. Mas os dois parecia apaixonado um no outro, tanto que vivia de trelelê e conversinha miúda pra todos os lado. Aí deu no que deu! A gente até tem um jeito engraçado de falar, quano acontece um trem desse: o diabo atenta, o ferro entra. Pois foi bem isso que acabou aconteceno com os dois. No fogo da idade, tem hora que é difice controlar a fornaia que começa a brotar den’ da gente. Se ocê tem mais tento, mais juízo, um pouco mais de idade no lombo, possa ser que domine a coisa. Mas na idade deles é quase impossive. Então o enredo é esse: Juliano desonrou a fia do Zé Laurindo, e o Zé Laurindo botou a boca no mundo, falou miséria, disse isso, disse aquilo, e o patrão, que também é um home munto do correto, falou que não vai passar a mão na cabeça do fio. Se ele fez, ele que assuma seus ato. Que isso é comportamento de home; e não, de moleque. Penso que seu Orelo tem razão. Fia dos outro, por mais desmiolada que seje, merece respeito, senão por ela mesma, pelos pai dela, oxe!
Abrimo a porteira do
terreirão, embiquemo as besta pro lado da sede da fazenda, pra mode falar com
seu Orelo, só na tenção de confirmar a empreitada, de modo a não deixar dúvida
no ar, e, despois, seguimo em frente. Durante a cavargada, o fio da fumaça se
espaiava no ar atrás da gente, fazeno ziguezague e seguino a direção do vento
fresco da manhã. E as besta ia do passo à marcha, rasgano a estrada de terra,
bem dolente ao nosso comando. Tudo animal bom de sela, preparado pra lida!
A fazenda do seu
Antõi das Morte, cumpadre do seu Orelo, padrim do desmiolado Juliano, dista
umas três/quatro légua da fazenda do Jacó, donde nós trabaia e mora. A viage é
um estirão de umas três/quatro hora, até bater na porteira da fazenda
Promissão, que é como chama as terra lá do seu Antõi das Morte. Engraçado que
esse nome dele ele já trouxe lá dos lados de Nanuque, terra de gente braba, donde
ele morava. Diz que ele era bicho do cu riscado lá e passou fogo em mais de um
que se meteu a besta com ele. Quano chegou por aqui, já era um home mais
serenado, mais entrado na idade, com o juízo mais arrumado na cabeça, de modo
que era outra pessoa, de ninguém dizer que era verdade as peripécia dele. Tanto
que acabou amigo do patrão e se tornou até compadre.
A recomendação do seu
Orelo é que nós chegasse de vorta na boca da noite, trazeno o menino a laço, se
fosse perciso, mas que, em antes, nós tentasse fazer ver a ele que tinha de
vortar na paz, pra mode reparar seu erro. Eh! Lasqueira! Eh! Empreitada
desconchavada, sô!
A marcha foi
tranquila. De vez em quano, nós parava pra mode descansar os animal, dar de
comer a eles e de beber. Tempo também de nós mascar um naco de carne com
farinha, que nós trazia de matutage num bornal, acender o pito, tirar água do
joelho e espichar as perna, que fica meio dura no arco da sela, quano a marcha
vai longa, demorada.
Cheguemo na Promissão
bem na hora do armoço – Coisa boa, sô! – saudemo seu Antõi e dona Carmita e
esclarecemo a eles a nossa missão ali, da parte do nosso patrão Orelo, pai do
Juliano e compadre deles, tudo bem esclarecido, de molde a não haver dúvida,
nem desconfiança. Seu Antõi disse que tava munto bem, tava munto justo, o
compadre Orelo é um homem direito, conhecedor de seus deveres, e sabe aquilatar
bem as atitude do fio, e ele, Antõi das Morte, em pessoa, ia ter uma conversa
com o afiado agorinha e fazer ver a ele a justeza da atitude a tomar. E pediu à
dona Carmita que botasse mais dois prato na mesa, que nós era convidado dele, e
entrou pra dentro da casa, pra ter dois dedo de prosa com o menino Juliano.
Não delongou munto a
prosa, e os dois vortaro lá de dentro: seu Antõi na frente, com a cara boa, e
Juliano em seguida, com cara de cachorro que virou a panela do vizinho. O
menino se dirigiu a nós – Oi, Troquato! Oi, Zeca! -, de zoio baixo, sem encarar
nós, e se assentou no banco comprido que fica do lado da mesa de armoço. Seu
Antõi convidou a gente pra sentar também, enquanto dona Carmita acabava de pôr
a mesa com aquela comida fumegante de cheirosa: costelinha de porco, angu
molinho, taioba refogada, arroz sortinho e feijão cheio de pertence.
Seu Antõi, no mesmo
instante em que servia o prato, dizia da conversa tida com o afiado. Estava
tudo nos conformes, disse ele. O menino entendeu tudo e estava disposto a
vortar em paz com nós. Nessa hora, Juliano levantou os zoio, me oiou sem
arrogância e sem prevenção, e senti que nossa empreitada ia ter um remate
tranquilo, sem munta quizumba. Senti que o Zeca ficou aliviado com a reação do
menino. É que nós esperava um frege danado, um quiproquó daqueles.
Antes de pegar a
estrada de vorta, dona Carmita ainda passou um café esperto. Bebemo o café,
despedimo deles e peguemo o caminho de vorta.
Durante todo o
trajeto, Juliano fugia da conversa que eu puxava. Eu ia arrodiano, cevano o
menino de jeito, como quem ceva traíra arisca. Queria dar uns conseio a ele,
que podia ser meu fio, mostrar que às vez a gente erra, mas pode consertar as
coisa. Só a morte não tem conserto, agaranti pra ele. O que não pode é fugir às
responsabilidade. Que ele fosse com o coração manso conversar com o pai, que
gostava dele, apesar de tudo. Zeca, vez em quano, reforçava meus argumento com
um uhum!, um é isso meso. Juliano não tugia nem mugia. Ouvia tudo quieto. Num
dado momento, ele abriu a boca pra dizer que eu tava certo, que ele tinha agido
como criança irresponsave, mas que tinha pensado munto em tudo isso que eu
disse pra ele. E o padrim dele também.
Quano a noite caiu,
nós já tava adentrando a porteira da Fazenda do Jacó. Senti que o menino
estremeceu feito vara verde em riba do cavalo que ele fugiu. Falei pra ele que
nós ia ficar do lado dele, diante do pai dele, pra agarantir que seu Orelo não
tivesse outro destampatório pra cima dele. Apiemo das besta, subimo os degrau
da escada da casa da fazenda – as roseta das espora fazeno seu baruio ritmado
–, gritemo oi! de casa! e entremo pra dentro do salão grande já iluminado pela
luz minguada do gerador da banqueta. Ouvino nossos passo, dona Carmita e seu
Orelo viero lá de dentro – o pisado da botina do patrão roncava as tauba do
chão -, e em antes que seu Orelo abrisse a boca pra dizer coisa, sortar os
bichos pra riba do fio, falei firme, mas com todo respeito como é do meu
feitio:
- Patrão, fomo buscar
um moleque e tamo devorvendo um home. Aqui está seu fio!