19 de dezembro de 2018

UM DIA


Um dia
O céu cairá sobre minha cabeça
Com o peso de suas estrelas
Alguns meteoros
Certos planetas
E eu
Sobejo por tantos anos de espera
Estarei tranquilo
Como se fosse possível
Ao empreender a última partida
Ter o bilhete roto na mão fendida
Entre o balaústre do trem
E a plataforma da vida



Foto do autor.

26 de novembro de 2018

ITINERÁRIO PARA QUEM CHEGA A LIBERDADE

Amigos leitores, acabo de lançar mais um livro, desta vez reunindo alguns dos poemas que produzi ao longo do tempo. É pela mesma editora do anterior, Clube de Autores. Aí vão a capa e em seguida o link, para os que desejarem adquirir.



13 de novembro de 2018

CADEIRA NA CALÇADA


Pode entrar
A casa é sua
Vamos colocar as cadeiras na calçada
Em frente à rua
Vamos conversar até as horas
Enquanto a lua passeia no céu estrelado
Vamos deixar de lado
As preocupações que temos tido
Vamos falar dos tempos idos
Das coisas findas
Dos amores esgarçados pela lida
Pegue a sua cadeira
Ponha do lado de fora da porta
Depois entraremos para um café fresquinho
Os dias andam muito esbaforidos
E não nos interessa esperar a morte
Deste lado de cá
Jogando com a sorte de ela não chegar
Vamos conversar sob a lua alta no céu de maio
Contando estrelas cadentes
Enquanto as crianças brincam de pique-esconde
Até não sei quando
Até não sei onde

Ponha sua cadeira na calçada ao lado da minha
E vamos voltar no tempo enquanto ainda há tempo


Imagem relacionada
Almeida Júnior, Leitura, 1892, Pinacoteca do Estado de São Paulo (em acervodigital.unesp.br).

17 de outubro de 2018

ENQUANTO O ARTISTA ENVELHECE


Enquanto o artista envelhece
Sua obra
E mais aquilo que tece
Com linhas sons cores palavras volumes etc
Parecem permanecer no limbo
Das coisas que nunca envelhecem.
Ou teria a Mona Lisa a idade das bromélias?
Ou a Vitória de Samotrácia aparentar-se caquética
Como se vinda houvesse dos velhos tempos da Grécia?
A Chacona de Bach
A Sinfonia Patética
Os Lusíadas de Camões
Os magos contos da Pérsia
A saga de Gilgamesh?
Quem é que há de datar
A obra que o artista trama
Pensando só no presente?
E o artista envelhece
Suas mãos seus dedos suas ideias seus sonhos
Vão aos poucos perdendo a força
Enquanto suas obras
Parece que se fortalecem
Enquanto o artista envelhece.

Vitória de Samotrácia, autor desconhecido; Museu do Louvre (em wikipedia.org).

15 de setembro de 2018

HISTÓRIA DE UMA AMIZADE

(Para Daisy e Alfredo Moreirinhas.)

As amizades às vezes são inexplicáveis. Dizem que escolhemos os amigos. Ou, quem sabe, os amigos nos escolhem. Tenho dois grandes amigos, que sempre uso como exemplo, os quais encontrei durante os tempos de faculdade. São o Eduardo Campos e o Rogério Andrade (Coloquei em ordem alfabética apenas para não me comprometer, e pensarem que gosto mais de um do que de outro.). Eles não eram da minha turma. Rogério nem mesmo era do mesmo turno. E ambos, teoricamente, faziam parte de um grupo “antagônico”: cursavam Inglês. Eu fazia Francês. E isso já era motivo para rivalidade. A Guerra dos Cem Anos, com maior ou menor intensidade, perdura até hoje.
Tenho outros tantos amigos que fiz ao longo da vida, desde minha vilazinha querida de Carabuçu, lá no norte do Rio de Janeiro, até este instante da existência. E não vou citá-los, para não tornar maçante este texto despretensioso.
Mas hoje quero destacar uma dessas amizades que a modernidade, ou antes, a tecnologia nos permite e tem data completa de nascimento.
Em 8 de novembro de 2010, postei no blog Asfalto&Mato poema que havia feito na década de setenta, motivado pela viagem empreendida com a Jane, tão logo nos casamos, e os amigos citados acima. O poema tem como título Telhados de Cuzco e faz parte de uma série a que dei nome de Apontamentos de viagem. A fim de ilustrá-lo, busquei na internet uma foto que retratasse os famosos telhados da cidade peruana que nos dá acesso à emblemática Machu Picchu. Eu mesmo havia feito uma, que não consegui encontrar entre as centenas de antigas fotos impressas.
Após alguns minutos de pesquisa, encontrei foto semelhante à que fizera, após ter subido num degrau ao lado do tanque localizado numa área externa, nos fundos do hotel. A foto era do fotógrafo lusitano Alfredo Moreirinhas. Escrevi para ele, solicitando autorização e enviando o texto que sua foto ilustraria. De imediato, ele autorizou, e eu postei o poema. Nos comentários que então fizemos, tivemos a sensação de ter-nos hospedado no mesmo local. E tais comentários foram o gatilho para o surgimento de uma amizade virtual.
Passados esses anos, e desde então, temos mantido com alguma regularidade diálogos rápidos pelas redes sociais, por conta dos meus blogs e do seu, o excelente Travel with Us, em que ele e sua esposa Daisy contam suas muitas viagens mundo afora, recheadas pelas maravilhosas fotos que as ilustram.
Não faltaram convites para que fôssemos visita-los, até com generosa oferta, além de hospedagem, de carro à disposição, bacalhau dos deuses e vinhos capitosos: Moreirinhas a nos seduzir com seu canto lusitano, aquele mesmo e ancestral canto que iludiu até o inexpugnável Gigante Adamastor, lá pelos idos de mil, quatrocentos e qualquer coisa. A história fez seu registro, e Camões o cantou em versos perfeitos.
Pois, finalmente, agora neste escorrido mês de agosto, na viagem com os primos Roberto Assis e Paulo Mattos, mais suas esposas, por terras de Portugal, digitamos no GPS do carro alugado o endereço dos nossos amigos virtuais: Rua da Cacieira. O complemento veio pelo Messenger: após passar o Café Tulipa Negra, na segunda rua à esquerda, a última casa à esquerda. As orientações nos levaram até lá.
Tão logo estacionamos o carro, fomos efusivamente recebidos por Daisy e Alfredo, que do alto da varanda do segundo andar exclamaram um “até que enfim!”, a dar fecho a oito anos de intervalo entre a primeira mensagem e aquele instante.
Pareceu que éramos velhos amigos, que apenas não se viam havia algum tempo!
Os abraços foram tipo quebra-costela; a alegria, total. Os amigos se prepararam para que passássemos uns dias com eles, o que não foi possível, em virtude da programação da viagem feita em conjunto com os outros parceiros de aventuras. Mas eles fizeram questão de nos mostrar o quarto preparado, a casa aberta, a hospitalidade lusitana.
Após conhecer a aconchegante casa de Daisy e Alfredo, repleta de belas obras de arte e recordações de suas muitas viagens, ainda fomos brindados com um passeio por Aveiro, linda cidade postada junto ao Atlântico e famosa por sua ria e seus ovos moles, que traduzem em paladar a gostosura deste pedaço de Portugal.
Como que para selar a amizade de modo inesquecível, Daisy e Alfredo nos ofereceram um almoço dos deuses: bacalhau de natas e bacalhau na telha, em um dos bons restaurantes da cidade, regado a vinho branco (Tudo dentro do limite de tolerância das leis portuguesas, quanto à direção de veículos.)
E, desta forma, conseguimos materializar uma amizade nascida há oito anos, via Internet, com abraços, beijinhos, ovos moles, vinhos, cachaça, sabonetes, que trocamos para marcar a importância do encontro.
As amizades podem surgir de qualquer forma e por qualquer meio. É preciso apenas cultivá-las!



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Alfredo Roque Gameiro (1864-1935), A frota de Cabral ao sair do Tejo (em tribop.pt).

4 de setembro de 2018

O CAPITÃO E SEUS MARES BRAVIOS

(À memória de meu pai.)

Viajar
Romper estradas
Varar mares e oceanos
Desfraldar velas
Desbravar continentes
Do quarto à sala
Da sala à cozinha
Da cozinha ao quintal
Onde à tardinha sentar-se à cadeira
O tronco desnudo
A bermuda folgada
Os chinelos velhos
E sentir a brisa da tarde
O voo das aves em busca do pouso noturno
Assuntar o tempo prever a chuva
Pelo movimento das nuvens no alto do céu
Ou estar à varanda perscrutando o bulício da rua
O vaivém de gente bicho e viatura
Adentrar a casa
Sorver o café com leite bem açucarado
Tomar a solda
Tornar à sala
Ir para o quarto
E assim viajar por todo o lado
Da casa simples que habita

Eis meu pai ainda em vida
Toda ela passada por um fio
O capitão e seus mares bravios.

Veleiro na Baía de Guanabara (foto do autor).


24 de julho de 2018

ENQUANTO OUÇO AS NOTÍCIAS


Jane está lá dentro
Vasculhando o computador.
Na sala
Acompanho o noticiário na tevê
Enquanto bebo conhaque para espantar o frio.
Ou antes
Bebo conhaque
Enquanto assisto ao noticiário na tevê
Recheado de péssimas notícias.
Dedilho este texto
Ao mesmo tempo em que tudo acontece no mundo
- Apesar de nós
Malgrado nossas expectativas –
A uma velocidade estonteante
Como na canção do Caetano.
Não tenho planos para amanhã
Muito menos para o futuro.
Apenas espero que a estupidez humana
Produza tão boas notícias
Quanto o conhaque que bebo
E sóbrio
Eu possa ter a certeza de que no mais
Não destruiremos a vida em nome de bobagens ilusórias.

Samuel e Thales combinando brincadeiras (foto do autor).





5 de julho de 2018

PRERROGATIVAS DO UMBIGO AO BALCÃO


Não há nada tão democrático e interativo, quanto encostar o umbigo a um balcão de bar.
Ontem, por exemplo, fui encomendar sanduíches no Ponto Jovem e, enquanto aguardava sua feitura, resolvi beber um chope no Botequim Chalé, exatamente ao lado, já que a lanchonete não vende bebida alcoólica.
Ao entrar, entre pessoas e barris, o garçom que conversava com os outros clientes que já lá estavam abriu espaço no balcão, para que eu também ali encostasse meu umbigo. Era o justo instante em que ele perguntava ao português ao lado se havia bares desse tipo na Terrinha.
Já de posse da minha tulipa sob pressão, de farto colarinho cremoso, servida pelo João e espécie de alvará para me meter em conversas alheias, entrei no papo que se desenvolvia àquela altura.
Daquele lado do balcão do botequim, que fornece um dos melhores chopes de Niterói, tornamo-nos quatro com a minha chegada. Eu e o outro à direita passamos a explicar ao português, que desde 2008 vem uma vez ao ano a trabalho ao Brasil, como se dá o funcionamento das relações num balcão de bar aqui abaixo da linha do equador. Expliquei para ele, com a autoridade de várias décadas naquele ambiente, que é do estatuto dos bares e botequins nacionais, que não se pode beber sem puxar conversa com o vizinho. Garanti-lhe que em todos esses anos jamais bebi um chope ali, sem que puxasse conversa, ou me metesse em conversas já entabuladas. E ninguém jamais estranhou isso, ou fez cara feia em sinal de desaprovação. Ao contrário, todo conversador de balcão de bar é sempre muito bem-vindo a qualquer papo.
É que, em princípio, ninguém está ali debulhando problemas estritamente pessoais, coisas de foro íntimo, confissões inconfessáveis. Os assuntos são sempre de âmbito macro, como na economia que rege o país, e quase nunca chegam ao varejo das lamentações privadas. A não ser que se tenha teor alcoólico muito elevado, capaz de tirar o lacre da discrição e da língua. Por isso é que todos podem meter sua colher de pau nas conversas de balcão de botequim, sem causar constrangimentos, pois elas não têm dono, pertencem ao fundo coletivo das preocupações humanas presentes nesses ambientes. Aliás, bem ao contrário, são públicas e notórias.
Na segunda tulipa do líquido dourado, eu e o lusitano já éramos quase amigos de infância, embora ele seja bem mais novo do que eu. E contei-lhe da minha única visita ao seu país e da minha próxima viagem para lá agora em agosto. Ele disse morar em Alenquer, ao me ouvir dizer que conheci Torres Vedras, onde comemos – Jane e eu – o melhor polvo de grelha, expressão que ele me ensinou, com batatas ao murro que um vivente pode experimentar.
Daí a instantes o jovem que estava à minha esquerda, sumido por alguns minutos, voltou com churrasquinhos no espeto e farofa, que fez questão de compartilhar com todos, inclusive com os garçons que simpaticamente nos atendiam.
O português, ao pegar seu pedaço, que fez rolar generosamente na farofa, reclamou que na sua terra não existe essa iguaria tão brasileira, que minha mãe fazia questão de dizer, para nos incentivar a comê-la, em criança, ser um produto da incomparável cozinha francesa.
Resolvi fechar a conta e pegar os sanduíches na lanchonete. Contudo o lusitano, em prol da amizade lusófona, cavalheirescamente pagou outra rodada de chope para nós, que, antes de levantar o brinde, nos apresentamos, a fim de que ninguém saísse incógnito daquele prazeroso encontro: Mário, o português; eu, papa-goiaba do norte do estado; Fernando, niteroiense; e Marcos, o rapaz do churrasquinho, goiano da capital, com seus erres característicos e uma simpatia quase mineira.
Nó último instante, ao cumprimentar o Mário, assim que saía do bar, ainda recebi uma recomendação veemente:
- Não deixes de tomar um Cartuxa.  É de facto excecional! – com aquele jeito tão lusitano de tirar o P onde o mantemos e de colocar o C de onde o tiramos.

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Bartolomeo Manfredi (1582-1622), Cena de taberna com um tocador de alaúde (wikipedia.org.).

24 de junho de 2018

NOITE ANTIGA

na noite antiga da venda de meu pai
em volta do vidro de pé de moleque
caçadores pescadores trabalhadores rurais
criadores de passarinhos
contam causos caçoam uns dos outros
conversam conversam conversam
o menino ali está bebendo cada anedota
surpreendendo-se a cada história
do domingos peçanha
do joão dutra
do azamor
do aristides lugão
do joão coleto
do antônio/pedro/tião romualdo
do alcino carroceiro
do china
do alcides almeida
do ferreirinha
do todinho
do aristóbulo
do zé carola
do dico hilário
e de tanta gente mais que não cabe
naquela pequena venda
senão na minha memória
na minha teimosa memória de bicho do mato






Casa em ruínas, em São Domingos, Niterói-RJ (foto do autor).

10 de junho de 2018

SAUDADES DO LEITE QUEIMADO


Não sou dado a saudades de coisas, lugares e épocas. Sou mais chegado a saudade de pessoas, de gente. Mas hoje amanheci com saudades de mim, em minha terrinha natal, nos meus verdes anos, como diria o poeta romântico. É que vi um programa de viagem gastronômica na tevê, e a linda apresentadora estava tomando leite queimado, num restaurante em Belo Horizonte.
A cena me deixou bem balançado. Só não chorei, porque ainda há um resquício de espírito machão lá no fundo dessa carcaça septuagenária a me mandar segurar certas emoções baratas. Mas que deu vontade verter umas lágrimas, isso deu! Tenho de ser sincero com vocês, pelo menos agora, em que resolvi abordar o assunto.
É que leite queimado, que os mineiros chamam de leite queimadinho, era uma das delícias da minha infância, sobretudo nos dias frios do inverno de Carabuçu. Era só a temperatura cair, para que pedíssemos à nossa mãe que nos fizesse aquela delícia, elaborada com açúcar, que se queimava na panela; o leite, que se lançava sobre o açúcar derretido; e a canela em pau, lançada em seguida. Então, eu e meus irmãos tomávamos com cuidado aquele líquido doce e quente, encorpado e cheio de sabor, para espantar um pouco o frio que entrava pelas gretas de portas e janelas e acabava por penetrar nos ossos e na pouca carne de nossos corpos miúdos.
Por essa época, o inverno em nossa vila costumava ser rigoroso. Já disse alhures que, certa vez, ouvi meu pai responder a uma pergunta sobre a temperatura e dizer que estava em oito graus. Lá fora, pela janela, era possível ver a cerração baixa sobre as casas e os paralelepípedos das ruas.
Hoje já não faz tanto frio. Os especialistas estão cansados de nos alertar sobre  o aumento gradual da temperatura do planeta.
Hoje também, já perdida a infância descompromissada do interior e as boas taxas da saúde geral, o leite queimado que me fazia tão bom gosto na vida é iguaria de que já não posso mais usufruir.
Por isso é que, ao ver a cena em que Mel Fronckowiak, a bela apresentadora do programa, provava maravilhada aquele gosto de infância, inverno e saudades provocou em mim um marejamento incômodo nos olhos. Bem que eu não queria, mas foi meio incontrolável, confesso.
Fui levado de supetão a uma infância que ficou perdida num tempo e num lugar mágico, que a memória, teimosa que só ela, ainda preserva. Para que a vida não pareça de todo sem sentido. E eu possa ter histórias a contar a meus netinhos.

Na casa da mãe (foto do autor).

5 de junho de 2018

ASFALTO & MATO AGORA É TAMBÉM LIVRO



Incentivado e quase exigido pelos amigos Eduardo Pachedo de Campos e Rogério Andrade Barbosa, resolvi juntar alguns contos que posto aqui no blog e publicá-los. Orientado pelo também amigo Hilário Francisconi, trago agora publicamente, pela editora Clube de Autores, ASFALTO & MATO, em formato impresso e em e-book. 
Os leitores que tiverem interesse em adquiri-lo é só se dirigirem ao endereço abaixo.
Espero que gostem.


https://www.clubedeautores.com.br/book/257005--ASFALTO_E_MATO#.WxbgxUgvyUk 

24 de maio de 2018

POEMA SEM FACES


Nas noites de frio
Haja ou não lua no céu
Tomo um cálice de conhaque
Para ver se comovido
Bebo os versos do poeta.
E me distancio sempre
À medida que sorvo os goles.
Não vejo a face da poesia.
Apenas tento compor alguma coisa em desalento
E para isto me bastam
A vontade e o tempo.
Se é poesia o que nasce
Nesses momentos
Bem não sei.
Talvez apenas e tão-somente
Um poema sem faces.

Patos (foto do autor).


17 de maio de 2018

SINGING IN THE BATHROOM

Às vezes, canto no banheiro. E até gosto do que ouço, no pequeno ambiente com acústica favorável. Parece que minha voz de pato esganado melhora um pouco, com o amortecimento da chuva que cai do chuveiro e com a fofura das toalhas de banho.
E, quando canto, não canto nada além dos meus trinta anos. Se tanto! O que minha memória reteve de letras de música são, principalmente, os versos das canções que ouvia em menino. Talvez até Geraldo Azevedo e Alceu Valença, em seus primeiros discos. Ou mesmo Caetano, Chico, Gil, Paulinho, também só no início. Um tanto de  Belchior, Fagner e Ednardo, em seus começos. Depois nada mais retive. Não sei cantar nenhuma canção dos Titãs, por exemplo. Ou da linda Tiê, de que tanto gosto. Nem da Vanessa da Mata, outra minha paixão musical. Ou mesmo da Roberta Sá. Oh, céus!
Por isso é que canto coisas antigas, até mesmo canções de que nunca gostei, mas que ouvia em criança, em Carabuçu, espalhadas aos quatro ventos pelo alto-falante do Narck Pontes. Ou as canções de serestas, que odeio, mas ouvia o Darcizinho cantar pelas ruas e praça da minha vila natal. E também jamais gostei daquele canto empolado, de timbre potente, voz de tenor ou barítono, que nossos cantores populares à época faziam, com raríssimas exceções.
Assim, quando surgiu João Gilberto, com sua voz de pavio de lamparina, achei mesmo que poderia – eu também – me tornar um cantor famoso. Até que ouvi minha voz gravada e não a reconheci. “Esse não sou eu falando!”, disse para o amigo Dalmar, que fizera a gravação num poderoso gravador de rolo de fita recém importado, à venda na Ótica Avenida, onde trabalhávamos. “É exatamente a sua voz!”, informou ele, para a minha total decepção, mas para garantir a qualidade do produto. Não, eu não ganharia a vida cantando, pois aquele não era um gravador qualquer!
Mas, a despeito de todas as provas em contrário, continuei cantando no banheiro até semana passada. E, nessas oportunidades, me vêm à memória canções que ficaram no limbo de nossa música popular, porque, segundo me parece, estiveram entre a velha canção brasileira, cujos últimos intérpretes foram Nelson Gonçalves e Orlando Silva, e a revolução trazida pela Bossa Nova e, logo depois, pela hoje identificada MPB, com expoentes como Gil, Caetano, Chico, dentre os mais badalados. Porém, naquele vácuo lá pelos idos de 50/60, já se prenunciava que a estética da música popular brasileira estava a mudar de cara. Ou melhor, de poesia, de letra. Até então o que se tinha de maior veiculação nas rádios era uma música com temática de cais do porto, de bordel, de paixões por mulheres de vida airosa, para ficar num eufemismo, em que o autor chorava dores de cotovelo irremediáveis.
Tais músicas fizeram a transição entre aquela estética antiga – e de mau gosto, para os meus ouvidos – e a nova MPB. Traziam uma linguagem mais moderna, com novas metáforas, e um ritmo que prenunciava a bossa-nova. E tenho quase certeza de que a maioria de meus leitores nunca as ouviu. Menina moça, Mulher de trinta, E daí, Carinho e Amor, Bolinha de sabão, Balanço Zona Sul, Lembranças, Cara de palhaço, dentre outras, e que podem soar velhas para as novas gerações.
Por isso é que continuo singing in the bathroom tais músicas, já que não consegui gravar nenhuma letra das que vieram depois que meu disco rígido natural já estava sem muito espaço livre.

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Imagem em elo7.com.br.

7 de maio de 2018

ATÉ AS FARMÁCIAS!


Preferia a farmácia do Zé da Farmácia, lá em Carabuçu, nos idos dos 60. Hoje, em Niterói (Não sei em outras cidades.), ter necessidade de comprar um remédio é mais um motivo de estresse. É até perigoso você ficar doente, só de tentar comprar um rolo de esparadrapo.
A maioria delas tem filas para atendimento, filas para o pagamento e filas para torrar a paciência do paciente, cliente, usuário, seja lá o que for. Mas paciente cai bem aqui. Você tem de ser paciente, senão acaba se aporrinhando sério. E o que dizer dos preços?
Na farmácia do Zé, por exemplo, que eu frequentava diariamente à cata de gibis e de algum papo, não havia filas. Havia falas, conversas, atendimento humanizado. Embora a injeção de Gadusan na veia, para os males provocados pela gripe, fosse um petardo, o restante eram amenidades.
As farmácias de grandes cidades despertam suspeitas. A cada esquina é uma delas. Estão substituindo bares, restaurantes, postos de gasolina e, pasmem, até lanchonete famosa. Posso dizer que é o comércio mais prolífico das grandes cidades. As pessoas, a cada novo estabelecimento, acendem o desconfiômetro sobre a motivação real que gera tantas farmácias. O povo não está assim tão doente, que precise de tantas delas.
Tenho horror a farmácias! Menos à do Zé da Farmácia, que existia lá na minha vilazinha no norte do estado, onde eu lia gibis e conversava com o Ronaldo, lá uma vez ou outra com o Zé, sempre ocupado com alguma coisa.
Essas daqui parecem dizer que você não tem saída, a não ser que entre numa delas, para comprar aquele medicamento que vai aliviá-lo dos males do corpo, da alma e de lá mais sei o quê.
A farmácia do Zé tinha o cheirinho característico das farmácias pequenas do interior, com seus vapores de manipulação e do esterilizador de seringas e agulhas.
As daqui cheiram estranhamente, embora sejam quase assépticas, insossas e inodoras.
Tenho muito receio destas farmácias!



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Imagem em dargentleiloes.net.br

19 de abril de 2018

ANOTAÇÕES DE CARABUÇU



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Studbaker 51 (imagem em auto.howstuffworks.com).
No final dos anos 50 do século escorrido, aconteceu em Carabuçu um acidente que foi transformado em anedota.
Ivo Basílio, dono da minúscula empresa de ônibus da vila, ia para Bom Jesus do Itabapoana em seu automóvel. Como iria sozinho, resolveu dar carona para Nico Dutra, fazendeiro com propriedade na entrada da vila e seu vizinho, e também para seu xará, o subdelegado conhecido pelo apelido de Ivo Saratonga.
O choffeur, como se dizia então, dono de uma visão estrambótica, corrigida por grossas lentes, e reconhecidamente inábil na condução de veículos com motor a explosão, perdeu o controle do seu Studebacker e o precipitou num dos remansos do Rio Itabapoana, ao lado da estrada de terra, de onde o bólido derrapou.
Depois de salvos do afogamento por pescadores ali perto, Nico Dutra entrou a reclamar a perda de suas dentaduras duplas, feitas recentemente pelo Dirceu dentista; e o subdelegado, dos seus óculos de grau.
Indagado pelos curiosos de sempre, que se reuniam nos finais de tarde na esquina das ruas Coronel Alfredo Portugal e Coronel Antônio Olímpio de Figueiredo, o Ivo motorista justificou a barbeiragem por  ter caído na gargalhada com a pergunta estapafúrdia do seu xará:
- Vocês já orçalo o Reportelesso hoje?
O Repórter Esso era o noticiário de maior audiência e credibilidade da época.
-o-o-o-o-o-
Ferreirinha, da grande família Monteiro, tinha propriedade na curva dos eucaliptos, à margem da estrada que ia até a sede do município. Era produtor de leite e negociante nas horas vagas, como boa parte dos homens da vila, os quais não podiam vislumbrar um bom negócio em qualquer ocasião, sem que dele pudessem tirar proveito.
Ferreirinha, que à época devia ter por volta de quarenta anos, era um homem divertido, cheio de causos a contar, apenas com o intuito de ver seus parceiros gargalharem. Também criava passarinhos, um dos entretenimentos mais difundidos naquela época, agora transformado em crime ambiental, a depender das condições.
Na venda do meu pai, a que sempre ia em busca de uma boa conversa, no meio de uma roda de amigos, tentava fazer negócios com cavalos, bois e passarinhos.
Certa feita, voltando com meus primos da casa de seu Isaque Mestre, que tinha um sítio pelos lados do Elias Nunes, passamos dentro da propriedade do Ferreirinha. Era um caminho mais alongado até a vila, mas nos dava a oportunidade de tomar banho no poço do valão que banhava as terras dele.
Embora fôssemos um grupo de crianças, ele nos recebeu com toda simpatia, nos levou até sua cozinha, ofereceu café com broa e aproveitou para contar casos. Pouco depois, ao sairmos, vi na cocheira um de seus cavalos, que achei meio debilitado, tipo pangaré, e perguntei a ele como estava o animal. Marotamente, nos disse:
- Aqui para nós, está perrengue, meio capenga. Mas, se for para negociar, é o melhor cavalo do mundo!
E deu uma boa gargalhada.
-o-o-o-o-o-
Meu pai tinha um grupo de amigos que saíam à pesca com ele no Rio Itabapoana. O trajeto, de cerca de seis quilômetros, era vencido de bicicleta. Todos tinham a sua magrela.
Normalmente seguiam com ele o Domingos Peçanha, o João Coleto, o João Dutra e o Alcino, dentre outros. Às vezes saíam de madrugadinha, o dia ainda escuro. Acendiam os faróis e pedalavam em meio à neblina, que chamávamos cerração, que, de tão densa, não permitia que se avistasse longe.
Numa dessas vezes, vinham em sentido contrário dois fracos faróis de seis volts tentando romper aquela massa turva. Alcino, sempre muito divertido e gaiato, produziu uma de suas imitações mais fidedignas: a sirene de uma ambulância. E era tão alto o som produzido, que o motorista do veículo jogou o carro para os lados da estrada de chão, a fim de permitir a passagem do comboio que vinha logo atrás da “ambulância”.
E o Alcino, depois, contou essa peripécia às gargalhadas, entre um e outro pé de moleque que comia na venda do meu pai.

5 de abril de 2018

MALDITO PEDESTRE


O governo autorizou, através do DETRAN, a multa a pedestres que atravessarem fora da faixa, já a partir deste ano.
Não quero nem saber como é nos países ditos civilizados. Não me interessa! Estive na Suécia há menos de quatro anos e não vi nada disso lá. Vivo aqui nessa mixórdia chamada Brasil e sou visceralmente contra tal tipo de multa.
Que diabos afinal quer o governo, a não ser arrecadar mais dinheiro do já combalido contribuinte?
O pedestre, dizia Darcy Ribeiro, é o dono da rua, que a cedeu para o trânsito de veículos. A preferência é sempre do cidadão.
É bem verdade que o pedestre deve ter a consciência de atravessar em segurança. E ele sabe discernir o que lhe é favorável, a não ser que seja um suicida. E onde haverá faixas suficientes e próximas ao ponto de interesse para o cruzamento de uma rua?
Se eu sou capaz de escolher o presidente da república, por que não posso escolher onde atravessar a via pública? Não quero que os veículos parem, assim que ponho meu pé na sarjeta, embora exija que eles assim o façam quando eu pisar na faixa. E isto nem sempre acontece. Tenho, às vezes, que forçar a barra para que o motorista freie seu carro um pouco antes da faixa. No meio da rua, contudo, não sou maluco de desafiá-lo. Sei das minhas fraquezas e limitações. Contudo sempre sou responsável por minha integridade física. Tenho meu juízo, assim como todos os demais pedestres. Pelo menos, é isso que imagino.
Agora vem o governo com esta medida odiosa, que visa tão-somente a arrecadação de multas. Então passamos a ser mais uma fonte de renda para um governo voraz, que não se cansa de inventar meios de, cada vez mais, fazer com que trabalhemos em benefício da máquina administrativa, que não oferece o devido retorno em serviços que dela se espera.
Somos acossados por bicicletas transitando sobre as calçadas e até mesmo por veículos nelas estacionados, em total desrespeito ao transeunte.
Não bastou que, há poucos anos, o motorista tenha sido transformado em criminoso, assim que ingira um copo de cerveja e mantenha a direção do veículo. Certo motorista de táxi, inclusive, comentou comigo, durante uma viagem, tal situação, dizendo que o rigor é maior nesses casos, do que no atropelamento de uma pessoa em via pública. Atropelou, mas não bebeu, não é crime. Bebeu um copo de cerveja, não atropelou ninguém, mas foi pego no bafômetro, é criminoso. Alguma coisa está fora da ordem.
Aliás não é só nisso que nosso país prima pelo inusitado.
Maldito pedestre!

Rua Miguel de Frias (foto do autor).

18 de março de 2018

TIRANTE


Tirante o mato crescido
Por baixo já não há erva
Tirante o peso dos ombros
A vida segue de quebra
Tirante o gosto de fel
A língua bem se machuca
Tirante o caos nacional
A política vai turva
Tirante a faca no peito
A vida supre a miséria
Tirante a borra do vinho
O espírito reverbera
Tirante o caco de vidro
Por sob os pés é só pedra
Tirante o que já não presta
É desespero o que resta.



The Clash of the Titans - Gustave Doré
Gustave Doré, A queda dos Titãs, 1866 (em wikiart.org).

2 de março de 2018

SÃO PANCRÁCIO, SANTA ENGRÁCIA

(Para Lucir Moraes.)

Meu assento era quase sobre a asa direita do avião, um pouco para trás. Dali era possível ver a turbina.
A decolagem deu-se naquilo que é uma decolagem em aeroportos nacionais: a aeronave no empuxo máximo, sobre uma pista um tanto irregular, trepidou, resfolegou, mas subiu. A sensação de estar passando sobre costelas no chão abrandou-se tão logo ela atingiu uma altura razoável.
Nunca tive medo de avião. Nem mesmo quando voei, pela primeira vez na vida, num velho turboélice Buffalo, que pareceu chegar batendo asas, no aeroporto aberto numa clareira na selva, na cidade de Puerto Suárez, na fronteira da Bolívia com o Brasil. Aliás, aquilo não era bem um aeroporto, mas tão somente um campo de aviação, como se dizia na minha terra. Faltava-lhe certa dignidade arquitetural para assim ser  considerado. Acho que, no instante em que vimos aquele monte de alumínio modelado a poder de arrebites pousar no chão de terra, sob o olhar apavorado da minha mulher e de uns amigos, a informação do boliviano ao nosso lado, num portunhol fronteiriço, me deu a tranquilidade que levaria como divisa por toda a vida em tais situações, mas que iria ser posta à prova anos depois:
- Estadísticamente es el avión que menos cai.
Como fomos levados sãos e salvos a Santa Cruz de la Sierra, pus na cabeça que nenhuma outra máquina voadora mais moderna, nas quais viajei desde então, fosse capaz de me fazer uma desfeita, uma trapaça de mau gosto.
Até o instante em que o comandante anunciou, com indisfarçável acento grave na voz, que a turbina direita entrara em pane. Num átimo, retirei os olhos da revista, olhei pela janelinha acanhada ao meu lado e constatei a informação. Ela realmente parecia inerte.
De imediato os passageiros entraram em pânico. Começou um vozerio confuso, com gritos desesperados e orações suplicantes. Percebi que até ateus convictos começaram a apelar aos poderes celestiais. Eu, por exemplo! Naquele instante sombrio, a fé que perdera no início da idade adulta, como que por milagre, recebeu o que na linguagem cibernética se conhece como refresching: voltou fresquinha à tona. E não tive o mínimo pudor em implorar:
- São Pancrácio! Santa Engrácia! Valei-me! – disse baixinho, para que só os dois santos me ouvissem.
A esta altura da narrativa, é preciso fazer um esclarecimento.
Quando religioso, descobri esses santos ao ler um compêndio de hagiografia antiga e tomei a decisão de que, em minhas agruras e atribulações, para não entrar em pânico, pediria por seu socorro, na hipótese de que, por certamente desconhecidos por aqui, estivessem sempre desocupados para acudir seus minguados devotos, dentre os quais me incluí. E sempre me dei bem enquanto era crente. Portanto não seria naquele exato momento em que eles me faltariam.
E, para garantir que eu não tinha preferência no atendimento, repeti a invocação fazendo uma inversão nos vocativos:
- Santa Engrácia! São Pancrácio! Valei-me! – agora com a voz já ligeiramente alterada, em função dos segundos a menos de vida que vislumbrava, e com acento na forma culta do imperativo verbal, porque me dirigia a santos e não a um zé mané qualquer.
Nesse instante, meu pensamento chegou até minha mulher, que deveria estar cuidando inocentemente de seus afazeres. Eu me esquecera de renovar o seguro de vida! Embora não seja vultosa, a grana poderia até lhe dar a possibilidade de arranjar a vida – dela, evidentemente, já que a minha estava indo pro beleléu –, até mesmo conseguir namorado novo, que com certeza iria dissipar o que eu lhe deixaria. Pensei, então, com certo conforto, que tinha sido melhor assim. Não ia querer minha viúva em desfrute sobre minha memória.
Os passageiros mais próximos de mim berravam apopléticos!
Sempre fui um cara tranquilo, controlado, e, embora a situação fosse de consequências funestas, eu também estava chegando ao descontrole. Contudo não sei de onde surgiu certa lucidez, que me fez gritar com todos:
- Tenham calma! Se vamos morrer, que seja com um pouco de dignidade! E não como um bando de desesperados, parecendo galinhas fugindo de mão-pelada!
Naquele momento não tinha certeza de que mão-pelada comesse galinha, mas foi o que saiu na hora.
Uma senhora de cabelos avermelhados, com a expressão estertorante, gritou comigo:
- Não está percebendo que vamos todos morrer e fica aí querendo compostura da gente?
- Só quero morrer em paz, minha senhora! E não no meio de uma balbúrdia infernal! Isso aqui está virando a antessala do inferno! – falei decisivo.
O avião negaceou um pouco, parecendo carroça com o eixo quebrado, o que fez sacolejar sua carga humana.
E voltei a apelar a São Pancrácio e a Santa Engrácia, enquanto tornei a olhar a turbina, através da janelinha.
Não sei se foi por obra deles ou de algum dos outros santos invocados naquela confusão insana, mas a turbina começou a voltar à vida, no justo momento em que a voz do comandante, já visivelmente aliviada, informou que a pane elétrica fora  superada, inesperadamente e sem explicação plausível, de  modo que o voo continuaria até o seu destino. E em segurança, desejei eu!
O suspiro de alívio generalizado daqueles mais de cem passageiros candidatos a defuntos quase despressurizou o avião. A mulher de cabelos avermelhados logo solicitou à comissária de bordo um copo d'água fresquinho, para diminuir a palpitação.
A tripulação determinou que todos guardassem seus lugares, porque o pior havia passado, e procurou atender os mais nervosos.
Perguntei se havia uísque. Não havia. Queria afogar o nó na garganta com uma boa talagada, mas não foi possível. Tomei em seguida o café quente servido a alguns, o qual me pareceu o mais saboroso que já bebera, e relaxei.
Ao desembarcar, passei na capela ecumênica do aeroporto, para agradecer a São Pancrácio e a Santa Engrácia. Não sei se eles tiveram participação efetiva no conserto da turbina, mas é melhor não duvidar. E, se tiveram, podem estar orgulhosos agora do seu milagre.
Eu iria renovar o seguro de vida. E pedi perdão aos santos por aquele pensamento vexaminoso sobre minha ex-futura viúva. Porque não se pode, até na hora da morte, ser tão egoísta como fui. Ou não veria as faces cândidas de Santa Engrácia e São Pancrácio quando desembarcasse do outro lado da vida.

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