30 de outubro de 2012

VELHAS DORES

Aqui ao lado estão as velhas dores
De que lhe falei
E sobre as quais não tenho ascendência.
Doem-me as costas
Dói-me o lombo e a paciência
Dói-me essa vontade estranha
De não sentir doído
O doido estar perdido nesta vida.

E eu lhe falei
Com certo pudor normal
Que essas dores mimosuras do meu ser
Seriam mais que preocupações.

Aqui estão elas servindo a estes versos.
E lá fora enquanto uma escoliose me arruína
Os problemas sociais se multiplicam
Como se tivessem alguém com interesse neles
Tal como eu nessas minhas velhas dores.

Jeanne L. J. Mahudez, Les mendiants, 1904 (em arcadja.com).


28 de outubro de 2012

MEU NETO DORME

Meu neto dorme profundamente aqui ao lado
Lá fora uma profusão de ruídos e de dores
Engendram a urbe ensandecida
A vida da cidade é um perigo
Mas aqui dentro ao abrigo do bebê-conforto
É possível sonhar com um mundo menos louco
Mais amigo
Mais fraterno
Pois é por isso que nos reproduzimos todos
Sempre e amiúde
Na esperança de um mundo novo.


Foto de Elisa Dudnikova, em vilaformosaweb.com.br.

26 de outubro de 2012

CONTO DE CARABUÇU


Era sábado. A tarde vinha chegando cheia de negaças, um tanto enfarruscada, o céu empedrado de nuvens escuras. O solão brabo de doer nas vistas só tinha dado as caras até o meio-dia, passando, então, a brincar de pique-esconde com a montoeira de nuvens que enchiam a vastidão.
Antõi Romualdo vinha remancheando, chegando junto com a tarde, lá das bandas do Zé Doença, com a nova precata preta, sola de corda trançada, enganchado no arreio no lombo da sua mula ruana. A última botina ringideira que comprara na venda do Nalim apertou demais os calos encravados na cacunda dos dois dedos mindinhos. Por isso ele a berganhou pela precata.

Quando passou na pontezinha em riba do valão Liberdade, assuntou um pouco lá embaixo e divulgou um vulto que se escondia bem embaixo dos pranchões. Pispiou entre as gretas das tábuas, mas não conseguiu atinar para quem estava no debaixo do chapéu de palha de aba larga. Só sentiu que era um homem magro, pezão imenso afundado na água clara do corgo. Mas não desconfiou também de nada, que essa não era sua função nessa vida. Talvez fosse apenas o Chico Apara-o-ovo fazendo suas necessidades.
E seguiu na marcha batida da mula até chegar à cocheira do Jair Passarelo, onde ia deixá-la aos cuidados do profissional de cascos e ferraduras.

Cumprimentou o amigo, levantando o chapéu de feltro, em sinal de respeito, e disse que ia até a barbearia do Nego Souza aparar a crina, rapar a barba rala e ajeitar o bigode amontoado na platibanda do beiço, em molde de cantor de samba-canção.
No trajeto até a barbearia falou com um e com outro, levantou o chapéu para algumas senhoras e disse para o Argemiro, atrás do balcão da venda, que depois chegaria até lá, para as compras da semana.

Na barbearia, Nego Souza, prosa que só ele, puxou conversa como sempre fazia com cada freguês que se assentava sobre sua cadeira de barbeiro velha de muitos janeiros. Enquanto afiava a navalha, já pronto a romper um eito daquela penugem fina que sujava a cara do Antõi Romualdo, perguntou pela saúde de todos os outros Romualdos, que viviam para os lados do Doutor César Ferolla, que era como a gente nomeava as terras à direita do valão Liberdade, que chegavam até a subida da serra de onde vinha a água para a vila.
- Tá tudo bão, amigo Nego Souza! O piorzinho é esse seu criado aqui, que não tá aguentando uma gata pelo rabo, pro mode de um escadeiramento nos quartos, advindo de um servicinho de furar cacimba lá na propriedade. Com esse tempo seco, a terra fica mais dura que pé de pau. E cada picaretada retine lá no meio do lombo do cristão, que é um estrupício só! Depois, vou até chegar na farmácia do Zé, pra ver se ele tem um sanativo pra isso.

Quando o barbeiro terminou sua arte de tesouras e navalhas, perguntou para o freguês, como sempre fazia ao final da barba escanhoada:
- Arco, tarco ou água verva?

- Põe arco, amigo, que é pra desinfetar bem!
E ele enchia a concha da mão com uma boa talagada de álcool, que, aplicado imediatamente na pele cabocla rachada de sol e recém-barbeada, fazia o cristão apitar como locomotiva maria-fumaça. Pior do que isso, só quando, ainda por cima, vinha com a pedra-ume a estancar os poros arrebentados pela navalha já um tanto gasta pelo uso. Era praticamente uma tortura consentida!

Um pouco mais tarde, depois de tomar uma injeção receitada pelo Zé da Farmácia, para sanar a ziquizira do lombo doído, ia para a venda do Argemiro, onde faria as compras da semana e se juntaria aos outros homens, para as conversas miúdas repletas de causos, anedotas, chistes, pilhérias, com que zombavam uns dos outros e aliviavam as tensões da semana curvada no cabo da enxada, na lida do gado, no trato dos animais.
Aos poucos, a vila ia tomando um borbotão de gentes vindas de todas as bandas, as ruas ficavam lotadas, com o trânsito dividido entre cavaleiros e pessoas a passear em passos lentos, sem a pressa que anos depois iria infernizar a vida de todos.

Todas as vendas e botequins da vila ficavam apinhados de gente, sobretudo de trabalhadores rurais, posseiros e pequenos proprietários do entorno, numa repetição moderna das velhas feiras das cidades medievais, com muita gente comprando mantimentos para a subsistência da semana e tendo seu momento de folga e de lazer simplório.
Dependendo da época, ouvia-se caxambu na esquina onde ficava a venda do Argemiro. Homens rudes do campo, sentados sobre caixotes de sabão, batucavam e cantavam versos de velhas memórias do tempo do onça. Por vezes, aparecia alguém com um violão a dar harmonia àquele canto rústico. Alguns deles, talvez a maioria, viravam goela abaixo talagadas de pinga rebatidas por nacos de carne-seca crua, punhadinhos de farinha jogados à boca com a concha da mão, fatias de salame. E davam gargalhadas sonorosas a cada piada, a cada causo engraçado. E cuspiam grosso no chão o travo da cachaça forte.

Antõi Romualdo e todos os demais estavam misturados a toda essa gente que fazia da vila de Carabuçu um lugar cheio de vida, que parecia resumir no interior do estado o minúsculo paraíso da singeleza do viver.
Chegadas as dez horas da noite, voltava o homem a seu lugar de pouso, com o céu já mudado por um vento morno, sem a chuva anunciada, que traria certo alívio para a seca impertinente. Havia uma profusão de estrelas a pontilhar a vastidão celeste, indicando a cada um o caminho do retorno a casa.

E Antõi Romualdo, livre das minúsculas convenções sociais da vila e aliviado da dor na cacunda pela injeção milagrosa do Zé, tirava a precata que, mesmo assim, ainda lhe apertava os calos, jogava-a no saco de aniagem na garupa da mula e seguia feliz com os pés tomando a fresca da noite.
Qualquer coisiquinha à toa era de muita serventia para aumentar a felicidade daquele homem simples.

Van Gogh, Noite estrelada, 1889 (em pt.wikipedia.com).

24 de outubro de 2012

PRIMAVERA EM MIRACEMA

Lá fora, o sol dardeja etc.
É primavera em Miracema apenas
E as flores que se procuram nos poemas
São abrasadores tufos de calor

Lá fora, o sol incendeia etc.
Aqui dentro um bafo quente me previne
Ainda haver muito mais lenha para a fogueira
É só aguardar um pouco mais pelo verão
Com o sol que esbraseia
Dardeja
Incendeia
Etc.
E que faz da casa onde me abrigo no pico do dia
A réplica do forno da vizinha padaria.

Imagem em lpm-blog.com.br.


21 de outubro de 2012

ESPERANDO POR MILAGRES


Nas naus das igrejas
Nas mesas dos bares
Estamos esperando por milagres
Nas filas dos ônibus
No recesso dos lares
Estamos esperando por milagres
Nos recônditos da terra
Singrando os mares
Estamos esperando por milagres
Percorrendo as ruas
Vadiando nos parques
Estamos esperando por milagres
 No silêncio das matas
Na profundeza dos mares
Estamos esperando por milagres
Nos desertos mais secos
Nas nuvens nos ares
Estamos esperando por milagres
Como inocentes donzelas
Aguardando seus pares
Estamos sempre desesperadamente
Persistentemente
Esperando por milagres
Até o escoar do último segundo
Do último dia do final dos tempos 


Espoir, foto H. Guillaume, em photosaga.com.


19 de outubro de 2012

FRANCISCO

(Para meu neto nascido hoje e seus pais, Estefânia e Eduardo.)
Não há mais risco:
Chegou Francisco!

Aquilo ou isso:
É com Francisco.

Meu compromisso:
Lá vem Francisco.

Beleza e viço
Contém Francisco.

Menino arisco
Será Francisco?

Antes do início,
Já havia Francisco.

Tão bons auspícios
Traga Francisco!

Viver mais rico:
Viva Francisco!
  
Van Gogh, Doze girassóis numa jarra (1888), em pt.wikipedia.com.


17 de outubro de 2012

A IMPORTÂNCIA DO NÃO FAZER

Uma das piores coisas para o equilíbrio do psiquismo humano é você procurar não fazer nada e achar um borbotão de coisas dispostas a serem feitas e, sobretudo, com certa urgência, olhando para sua cara! Caso você seja baiano, aí chega às raias da Cláudia.
Conheço algumas pessoas que padecem de um mal cuja emissão do nome até causa arrepios: hiperatividade. Este é o pior desconforto que se possa experimentar, num mundo repleto de coisas a não fazer.
Um amigo meu, hiperativo desde o ventre materno - passou lá nove meses numa atividade frenética de contorcionista -, só experimenta algum sossego ao dormir. E, assim mesmo, a poder de soníferos de boa cepa. Professor e não satisfeito com duas matrículas na rede pública, mais uma carga horária em instituição privada, com diversos planos de aula a elaborar e outros tantos trabalhos a corrigir, quando lhe "sobra um tempinho", pinta sua bela casa localizada numa chácara em Maria Paula, de duas a três vezes por ano, sem nunca se ter descuidado também da horta, do pomar e do jardim, da família e dos cachorros.
Nos exíguos intervalos entre uma e outra atividade, tem picos de pressão e enfartes do miocárdio de abalar ventrículos e válvulas, por conta dos quais já derrubou algumas cercas e beijou dois ou três barrancos com seu carro, a caminho de casa.
Assim, para ele, não fazer nada é coisa impensável. Contudo paga um preço enorme com a saúde por isso.
Mas tenho de chamar a atenção dos amigos leitores para a importância do não fazer. Temos de fazer sobrar tempo em nossa vida para o não fazer. Até mesmo para tirar a pressão da caldeira cardíaca, sempre pronta a explodir.
Em primeiro lugar, pare com essa mania de se achar imprescindível para que o mundo continue a funcionar. Tudo continuará tal como aí está, com ou sem a sua contribuição. E já vem assim há milhares de anos. Ninguém é insubstituível. Até mesmo Pelé, ao se contundir seriamente na Copa de 62, no Chile, foi substituído com sobras por Amarildo, o Possesso, que nos deu o bicampeonato. Então, pode baixar sua bola, que tudo há de ficar nos eixos, malgrado sua falta.
Em segundo lugar, é bom saber, para que você sossegue um pouco mais o rabo, que há milhões de pessoas que fazem exatamente tudo o que você faz e, pior, milhares delas com muito mais competência. Assim você se poderá colocar entre aqueles que muito ajudam por não atrapalhar. Sinta, então, que sua importância no seio da sociedade é muito singela. Se considerarmos o planeta, aí é bom nem pensar. Portanto, relaxe, deixe de lado essa sufrega e vá não fazer nada. Fique de bobeira, pelo menos, por meia hora por dia. Você pode até não sentir nada. Mas muitos outros ficarão agradecidos por não ter de consertar um monte de cagadas que você certamente faria.
Assim, como se vê, o não fazer também se revela produtivo, quando ele próprio não redunda em mais trabalho para os outros, que necessitam não fazer coisas.
Já imaginou se, há algumas décadas, pudéssemos ter posto este princípio salutar na cabeça de uma cara como Hitler? A humanidade teria sido poupada da loucura daquele cara que achava que tinha muita coisa a fazer.
Por outro lado, quem faz muito erra muito mais e, portanto, pode acarretar um sem número de consequências desastrosas para o seu semelhante, bem mais que uma pessoa que procura fazer muito menos. Entendeu?
Veja, então, que sempre há um lado positivo em não fazer.
Por isso é que eu conclamo você, sobretudo se for um hiperativo, a pensar muito bem antes de começar a fazer algo. Sopese lucros e perdas que sua ação trará, tanto para si mesmo, quanto para os que lhe estão à volta. Você que está procurando salvar a humanidade, por exemplo, pode ser a causa fatal da sua extinção da face do planeta.
Pense bem!
Acho melhor estender a rede entre dois coqueiros e ficar de papo para o ar! Seu psiquismo estará salvo, bem como os seus semelhantes!


Imagem em iplay.com.br.


15 de outubro de 2012

O CORPO DA AMADA

o corpo da amada
cheirado lambido
babado cuspido
adorado doído
depois de perdido
vira fantasma notívago
do nosso sono frustrado

o corpo da amada
o eterno paraíso
memória de delírio
permanece vivo

Amedeo Modigliani, Nu couché de dos, 1917 (em art. mygalerie.com).

11 de outubro de 2012

O MENINO QUE QUERIA VOAR

(Para Gabi, Bruno e meus sobrinhos-netos, pelo Dia da Criança.)

Ouçam bem, meus amiguinhos,
Esta história engraçada
Que se deu com um menino
Que é morador lá da Barra.
Bruno queria voar
Como se fosse passarinho,
Mas sua irmã Gabriela,
Que tem muito mais juízo,
Deu uns conselhos pra ele:
- Meu querido irmãozinho,
Para voar é preciso
Ter duas asas e penas
E não com vontade apenas,
Só porque assim você quer.
Só os pássaros é que voam
Como aquele pardal,
O sanhaço e o bacurau,
O canário, o bem-te-vi,
O coleirinho do brejo,
O melro e a juriti,
O papagaio falante,
O periquito e a pomba,
A águia e o gavião.
Mas o Bruno, muito esperto,
Lhe pergunta: - E o avião?
E o ptopto e a pipa?
Novamente a Gabi explica
E o Bruno tudo compreende.
Ou finge compreender!
Pois não é que certo dia,
Estando sobre o sofá,
Bruno decide voar
Cheio de empolgação.
Caiu de cara no chão
E se lembrou rapidinho
Dos conselhos da irmã,
Naquela triste manhã:
- Gabi, não sou passarinho,
Não tenho penas, nem asas,
Vou ficar bem comportado,
Nunca mais eu vou voar!
Pode acreditar em mim!
E com esse desfecho gaiato
A história chega ao fim.

Os personagens da historinha, divertindo-se no Campo de São Bento (foto do avô).

9 de outubro de 2012

"NA NOITE GRÁVIDA DE PUNHAIS"

o verbo se fez bala
na trajetória dos poetas de angola
cabo verde são tomé e príncipe
moçambique guiné-bissau

a carne converteu-se em alimento
da luta
em fogo da artilharia

e bem que nos avisaram
a nós brancos ocidentais cristãos
(apesar de serem apenas serviçais)

e bem que nos preveniram
para que fugíssemos para mais ocidente
trazendo nossos automóveis
dinheiro joias
rancores e ódios
para que limpássemos as terras de áfrica
de nossa desbotada cor opressora
(apesar de serem apenas serviçais)

nossos ouvidos surdos dos gritos torturados
não perceberam o aviso
que explodia das gargantas secas feito a terra
e se transformou na noite grávida de punhais
em gritos de liberdade entoados ao som
dos quissanjes – corpos negros dos filhos exangues de áfrica

Imagem em patriciaeducadora.blogspot.com.

-----------

(Nota: O título deste poema foi retirado da antologia organizada pelo poeta guineense Mário de Andrade e publicada pela Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1975: Na noite grávida de punhais: antologia temática da poesia africana, que me foi presenteada pelo amigo Rogério Andrade Barbosa, depois de uma estada em Guiné-Bissau em fins dos anos 70. Este texto é da década de 80.)

7 de outubro de 2012

"OS RICO PRICURA OS POBRE NO DIA DAS INLEIÇÃO"*

Publiquei este texto em Gritos&Bochichos em 28/7/2010. Eu o fiz motivado por versos de calango colhidos em Visconde de Imbé, município de Trajano de Morais-RJ. Como hoje é o dia das eleições municipais em todo o país, republico-o aqui. Boa votação para todos.

Vou votá em cabra manero
Nas inleição que aproxima
Dos que disbritui dinheiro
No bar de cada esquina
Um homi munto decente
Que se importa ca gente
Na hora que vai pedi
O voto que ele qué
Assim como quem não qué
Pedi o voto sagrado
Mas po’ deixá que o recado
Vai sê ponhado nas urna
Vou votá naquele cabra
E vou consegui furtuna

Vou votá em cabra arretado
Desses que a gente vê
Oferecendo um sapato
No dia das inleição
Um pé em antes do voto
O outro despois de posto
O nome desse homi bão
Que só deseja o pogresso
Dessa nação brasilera
Levantano a bandera
Contra a tar corrupção
Por isso é que eu acredito
Que o voto que ele pede
É mais do que merecido

Vou votá num cabra macho
Que não tem medo de nada
Que não vai ser um capacho
Dos homi lá do pudê
Um dotô bem decidido
Que vai pricurá bandido
Do tar cularinho branco
Como prometeu istrudia
No banco onde foi pegá
Os dóla que ele tinha
Conseguido ajuntá
Daquela poca misera
De uns tar de precatoro
Que o governo lhe devia

O cabra que vou votá
Prometeu mais uma coisa
Se ganhá nas inleição
Arranjá uma função
Pra minha dona patroa
Na escola em que meus fio
Estuda só meio dia
Porque tá munto difirce
Arranjá uma merenda
Que o governo nem num manda
Coisa que valha a pena
Para os menino comê
Esse dotô inda disse
Que se dependesse dele
Meus fio comia carne
De manhã até de tarde
Nem que fosse feriado
E da escola saía
Todim de bainzim tomado

Esse dotô candidato
Disse otra coisa de mais
Quando tomava uma pinga
Lá no boteco da esquina
Que se dependesse dele
Num havia miserê
Num havia gente probe
Dependendo do governo
Recebendo um ajutoro
Que mais parece esmola
Que todos nós que trabaia
Merece munta saúde
Munto dinhero na conta
Munta forga, munta escola
Porque se o Brasil pogrede
É porque nós damo duro
Nós suemo o dia intero
Por isso é que vou votá
Nesse grande brasilero
*Versos de um calango registrado em Visconde de Imbé, munícipio de Trajano de Morais/RJ.
Imagem em guiavv.com.

5 de outubro de 2012

POEMÍNIMO SOBRE O FIO DA NAVALHA


Diz-me
Muda
O que calas
Um jeito
Um fio fino
De navalha
A cortar
Em dois gumes
A pala
vra
Imagem em quadrodosboemios.com.br.

Ou te calas
Eloquente
Enquanto junto
Os pertences
De um poema
Em fragmentos
Espalhados
Pelas bocas
Sempre ávidas

Palavra molhada
Num corte se
mântico
Não diz nada!

E impotente
Me calo!

3 de outubro de 2012

CINCO DENTES

(Para minha netinha Gabriela, protagonista da história.)

Quando Gabi começou
A fazer troca de dente
Jamais ia imaginar
Tantas coisas ocorrendo
De modo tão diferente.

Primeiro são os da frente.
Isto todo mundo sabe.
Só que com os da Gabi
A coisa aconteceu
De jeito que até faz rir.

O primeiro a amolecer
Saiu assim bem tranquilo,
Como se fosse aquilo
Acontecer toda vez,
Mas não foi o que se deu.

Pois o segundo a cair
Causou muita confusão,
Pois Gabi imaginou
Até com certa razão
Que o dente doeria.

Mas diferente seria:
Mamãe, com todo jeitinho,
Amarrou fio dental
Bem na base do seu dente,
Que saiu sem um aizinho.

Daí pra frente, no entanto,
Cada dente que caiu
Foi de modo esquisito
Que até eu fico aflito
Dizendo o que ocorreu.

O terceiro, sua amiga,
Subindo pela escada,
Com uma pressa danada,
Meteu-lhe o tênis no dente,
Que voou de passarinho.

O quarto pulou da boca
Quando numa briga louca
Com seu irmão pequenino
Bruno lhe deu um tal soco
Que abriu outra janela.

Pra completar, foi o quinto,
Que sem essa, mais aquela,
Foi arrancado por bola
Atirada com tacada
Por um amigo da escola.

Vejam só por esta história
Quanta coisa sucedeu
Na simples troca de dentes
Da minha neta tão bela,
Bibi, Gabi, Gabriela.

Agora está tudo bem,
Os dentes estão brotando
Muito fortes e bonitos.
Porém eu já estou aflito
Imaginando um pretexto
Para escrever outra história
Pra quando cair o sexto.

Gabi e Bruno, em foto feita pelo pai.

1 de outubro de 2012

A MÚSICA DO PINK FLOYD E EU

(Pelo Dia da Música)

Você pode passar a vida inteira não querendo fazer as coisas pela metade, ou mal feitas. Mas você pode, então, passar a vida toda sem fazer nada, porque o que nos restará – e digo isto em relação à grande maioria, eu incluído – é não fazer muita coisa bem. Então se contente em fazer assim mesmo. É imperioso que faça, apesar disto ou malgrado isto. Enfim é o que se exige de você. É o que você mesmo se exige. E aí vai fazendo as coisas do jeito que pode, que sabe, que dá, ainda que possa não ficar contente com o resultado final.
É, mais ou menos, como me comporto.

Queria fazer com perfeição todas as coisas em que me meti, embora saiba que nunca tenha sido assim. E olhem que já fiz coisas diferentes à beça, desde minha juventude. Agora, no ócio da aposentadoria, ainda continuo fazendo, apesar de, algumas vezes, brincar que nada faço. Por exemplo, dou-me ao trabalho de criar textos para meus dois blogs, com o objetivo de mostrar algumas das centenas de textos que produzi e produzo ao longo do tempo.
Também eles queria que fossem perfeitos, os melhores. Há um monte de outros autores aí que gostaria de ter escrito. Mas sei das minhas limitações, tenho meu senso crítico. Assim mesmo os posto aqui e lá. Meus amáveis leitores hão de me entender com a benevolência de sempre. Talvez até, no fundo, pensem: Pelo menos, ele se esforça, coitado!

Durante mais de duas décadas, por exemplo, fui professor. E tive a pretensão de ser o melhor professor do mundo. Não por orgulho ou vaidade. Mas para ser apenas um bom professor. E nunca fiquei satisfeito com o que fazia. Talvez fosse possível fazer mais.
Gosto também de fotografia. Tenho também meu espaço no Flickr, pretensiosamente. Algumas delas podem até ser razoáveis. Porém o mundo está repleto de fotógrafos maravilhosos.

Mas, como dizia, se for apenas fazer a perfeição, não se faz nada.
No entanto, contudo, embora, mas, porém, etc. e tal, meter-me em música – que foi um dos meus grandes sonhos irrealizados – não ousei. E explico.

Jovem, eu e meu irmão compramos um violão à meia. Ele aprendeu a tocar. Eu não. Ao final da minha vida laborativa, meus amigos de trabalho me deram um novo violão de presente, para que, afinal, eu pusesse em prática o velho sonho.
Preferi não me arriscar, não tentar. Pois o meu desejo seria tocar como o David Gilmour. E aí tenho absoluta certeza de que jamais, em tempo algum, nunca, iria conseguir.

Como disse certa vez minha irmã Cristina, talvez só “em três encadernações” eu conseguiria tal façanha. E meu amigo músico Rogério Fernandes, ao ouvir minha pretensão, teve uma sequência de gargalhadas que pensei fosse levá-lo a ataque de apoplexia.
Pois acabei agora de ver o documentário sobre a gravação de Wish you where here e o ouvir o cd (bolacha original de 1975) e me dou por satisfeito em ser um bom ouvinte da música do Pink Floyd e um fã incondicional da guitarra de Gilmour.

Neste momento, substitui o Wish pelo Atom heart mother (1970), e sinto que nasci para ouvir Pink Floyd, sem cuja música, certamente, meu mundo seria muito mais sem graça, apesar de tudo de bom que me aconteceu até hoje.
Todos sabem que cada doido tem lá sua mania e seu gosto. Mas, dentre todas as músicas que já ouvi, de clássicas a populares, passando por música medieval e renascentista, moda de viola, samba, choro, forró e frevo, tangos e boleros, rock, blues, twist, chá-chá-chá, a que me dá mais prazer é a música do Pink Floyd. Isto desde que a ouvi pela primeira vez com o elepê das vaquinhas holandesas, adquirido na antiga loja Sabiá, da Avenida Amaral Peixoto, em Niterói, lá por 1971.

Eu tinha descoberto meu eldorado sonoro!
Capa do disco Atom heart mother, o primeiro do Pink Floy lançado no Brasil (imagem em pt.wikipedia.org).