25 de maio de 2011

QUARENTA ANOS DE UMA COMEMORAÇÃO MUITO PESSOAL

Estão-se completando, neste escorregadio 2011, quarenta anos em que me formei no curso de Letras do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, em Niterói.
É interessante observar, ao fazer um ligeiro retrospecto deste tempo, o quanto a formação acadêmica teve de decisivo na minha visão de mundo.
Vinha de uma cidade do interior, mais precisamente de um distrito de um município interiorano, com todas as características dos nativos: o jeito de falar (um pouco chegado ao mineiro), o modo de me vestir, os hábitos e costumes e a visão de mundo.
Mesmo lá morando, sempre fui interessado em coisas mais amplas. Vivia na vila, mas queria o mundo. Era um menino e um jovem simples, porém ansiava por conhecimento.
Como disse num poema que fiz sobre a minha escola primária, a letra impressa me seduziu, e, desde cedo, fui encantado pela linguagem, pelos mistérios da palavra. Lembro-me, por exemplo, de quando ouvi a palavra cafajeste pela primeira vez da boca de meu avô Chico Albino. Tenho ainda na memória o jeito calmo, a fala mansa e a dicção perfeita de meu tio-avô João Pinto. Espantei-me certa vez, ao ouvir de meu pai que um conhecido seu “tinha dado com os costados na cerca”, eufemismo para “morreu”, expressão que ele, com um sorriso, me explicou.
Assim não titubeei em vir para Niterói, abrindo mão de uma nomeação para o Banco do Brasil em 1966, com o objetivo de fazer Letras.
Como estava dizendo acima, algumas matérias acadêmicas me fizeram mudar radicalmente minha concepção de mundo e da sociedade humana. Uma delas foi a Linguística, que tinha à frente o professor Carlos Eduardo Falcão Uchôa, de quem os alunos se tornaram admiradores pela capacidade e competência. Como seu assistente, na época principiante, o dedicado Luís Martins. Outra, ou antes, outras foram as diversas Literaturas, com suas abordagens do fenômeno literário sempre visto como manifestação de um momento histórico e de uma cultura em particular. Sobretudo a Literatura Francesa, com as professoras Lilian Pestre de Almeida e Therezinha Areas, em que tal abordagem era a pedra de toque para o entendimento de obras dos mais diversos períodos. Não se estudava nenhum autor, nenhuma obra ou corrente literária, sem antes conhecer o momento histórico que lhes tinha servido de pano de fundo.
Àquela altura, o Estruturalismo estava no início de sua aceitação nos estudos acadêmicos e, na Literatura, começava, de certa forma, a se desprezar este tipo de abordagem, ao dar prioridade ao texto literário em si, como objeto acabado, abstraído de seu contexto histórico.
Em Linguística, seu papel foi determinante para o entendimento do fenômeno da linguagem, com uma visão científica mais consistente. Porém na área da Literatura talvez tenha abdicado em demasia da importância das influências culturais geradoras do texto literário, embora tenha fornecido instrumentos seguros para o entendimento do fazer literário. Há pouco, Tzvetan Todorov, um dos mais importantes teóricos de então, pediu desculpas pela influência que certos textos seus tenham provocado quanto a este aspecto, justificando-os como produtos da produção acadêmica devida pelos pesquisadores patrocinados pelo dinheiro público francês.
Não sei se todos os que se formaram seguindo sua visão viram a retratação tardia de Todorov.
À época, como me dediquei especificamente à Língua e não à Literatura, julguei sua abordagem um metatexto de sofisticação estéril: a Teoria Literária começava a ver seu próprio umbigo. Depois não sei como ficou, porque me destinei apenas ao ensino de nossa língua materna, a partir dos ensinamentos e das orientações seguras de professores como Maximiano de Carvalho e Silva, Walter de Castro, Rosalvo do Valle, Aloísio Manna, Marlene Mendes, que seguiam a linhagem acadêmica de Souza da Silveira, Serafim da Silva Neto, Mattoso Câmara Júnior e Sílvio Elia, dentre os mais eminentes.
Ao lado de todos eles, incluídos os professores de Língua Latina, Língua Francesa, os da área pedagógica, usufruía da convivência inovadora e profícua com os colegas de turma e de curso. Fiz Português-Francês, cuja turma era pequena. Este curso tinha a fama de ser muito exigente, e a maioria dos alunos, a partir do segundo ano, optava por Português-Inglês e Português-Literatura.
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Miguel Coelho.
Por este motivo, lembro-me dos nomes de todos os meus colegas de bateau ivre*: Aldany, Elisalva, Imara Reis, Luiza, Zezé, Lúcia Magarinos, Claudia Chicralla e Alcina (à época já uma senhora de cabelos grisalhos, cheia de disposição). E outros de turmas diversas: Maria Eunice, Ângela e Dayse Bueno, Ângela Caldas, Corina Carap, Marília, Conchita, Glória, Celso, Tânia, Isabel, Mary e Osvaldo, Suely e Fernando Gualda, Gondim, Deila, Paulo Popp, Sussuca, Jorru, Cláudio, José Fernando, Eliana Bueno, Percy, Marisa, Naide, Manitinha, Vera Lúcia, Riva, Cyana, Jayro, Rogério, Eduardo, Maria Luiza, Carlos, Edson, Padre Osvaldo e os funcionários José Torres e Miguel Coelho, este último multiartista consagrado na cidade, e muitos outros dos quais guardo a imagem, mas cujos nomes estão escondidos em algum bit descansado de minha memória. De alguns deles ainda mantenho a amizade até hoje.
A todos eles, que tiveram sua parcela de contribuição na minha vivência, dedico este texto em que, particularmente e de forma bastante íntima, comemoro os quarenta anos de um tempo que foi decisivo na minha vida.
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(*Le bateau ivre, célebre poema de Arthur Rimbaud, poeta francês do século XIX, responsável por uma revolução na poesia ocidental.)

5 comentários:

  1. Que teus quarenta anos de magister, seja lembrado sobretudo pelo entusiasmo e efetivo amor por tua profissão. Afora o descaso com que a Nação os tem tratado, resta a certeza de que os professores são, e serão sempre, os fomentadores da consciência humana.

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  2. Obrigado, Paulo Laurindo! Fiquemos com o discurso contundente, coerente e corajoso da professora nordestina na Assembleia Legislativa do RN, para que nossas esperanças na Educação se renovem.

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  3. Parabéns, Mestre. De teorias, que são necessárias, resguardo-me sempre com a frase do grande Millôr: " Livre pensar é só pensar!" Abraço!

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  4. Saint-Clair querido,
    Comemoremos! A vida, o prazer, a força, a amizade.
    Você teria os emails de Sussuca, Jorru e Poppe?
    Beijos saudosos,
    Eliana (Bueno)

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  5. Olá, Eliana! Infelizmente não tenho os e-mails deles. Talvez, Suely ou Gualda. Bjs.

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