21 de maio de 2011

MANIPULADORA

Chamava-se Deusa, mas levava os homens à perdição.
Conheci-a quando tinha meus vinte e poucos anos, ela já quarentona, farmacêutica de uma farmácia de manipulação, localizada num canto de rua no centro da cidade.
Inocentemente entrei para comprar pastilhas de própolis, a fim de aliviar uma tosse renitente que me arranhava a garganta, e tive como brinde suas garras dilacerantes por todo o corpo.
Não sei como escapei de suas especiais manipulações de minha incipiente alma masculina. Mas é que chegou um dia de manhã, fazia uma claridade avassaladora, e achei que era o momento de experimentar outras dependências.
Imagem em analiticaweb.com.br.
Estive durante uma fieira de meses sujeito às suas receitas, que usava sem parcimônia, na medida da desmedida, se é que me entendem.
Depois de um tempo, ela sabia mais de mim do que dos sais e das tinturas que usava nos remédios e fazia de mim o que bem quisesse.
De início, encantei-me com suas artimanhas, suas seduções, suas negaças. As mulheres sabem muito bem fazer isso. Principalmente quando têm o dobro da sua idade, o dobro da sua experiência e uma total falta de escrúpulos para com o sentimento alheio.
Deusa era assim: uma diaba pronta a perder sua alma.
Naquele dia de sol resplandecente, quando as coisas parecem caminhar para a solução de todos os problemas, consegui tomar pé no poço fundo em que mergulhara e cuja corda de salvação estava em poder de Deusa.
Eu era o decaído. Ela, a superiora.
Podem não estar avaliando bem o poder que ela tinha sobre mim, talvez porque não estivessem em meu lugar. Mas, ao entrar na farmácia para comprar as tais pastilhas, ela me fulminou com seus olhos de um negro profundo e despejou sua baba incandescente sobre minha pequenez. Era irresistível!
Um dia ainda vou ter a tranquilidade para analisar toda a situação que vivi. Por enquanto este relato inicial é para que saibam que, desaparecido da face da terra, enfurnado em sua alcova, dependente dela como de uma droga poderosa, estou de volta à vida normal, respirando por mim mesmo, sem auxílio de seus aparelhos lúbricos.
Pensam que ela ficou minimamente abatida quando fui embora? Nem uma mísera lágrima rolou por aquela cara linda. Conformou-se, com a autoridade das que sabem o que fazem e o que querem.
Ela tinha certeza de que outro desavisado entraria na farmácia, numa tarde esquisita de outono, para comprar pastilhas de própolis. E aí estaria enredado em suas muitas alquimias. Em seu cadinho de magias.
Seus olhos negros e sua baba incandescente não falham nunca.

2 comentários:

  1. Eu também já fui um fraco em poder de deusas-diabas. Não tinha um pingo de força de vontade para contrariá-las. Ai...ai...

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  2. Eita, Saint-Clair, trouxeste de volta à memória uma que se chamava Zélia (não aquela, mas uma que também teve o desplante de sequestrar e reter minha pueril idade). Num dos filmes da trilogia Senhor dos Anéis, Frodo é encapsulado por uma imensa aranha... era assim que me sentia, fazíamos ritual de passagem sem perceber. Mas que era gostoso era!

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