31 de janeiro de 2011

NUNCA NOS CANSAMOS DE APRENDER

(Dedicada a meu pai, Argemiro de Assis Mello.)

alguns anos, já homem feito, pai de filhos, numa das visitas periódicas à terrinha, trocava dedos de prosa com meu querido pai, lembrando coisas, atualizando notícias, botando a conversa em dia.

Por um ou outro motivo, disse a ele, comentando sobre as frutas que consumia na cidade grande, que elas não tinham mais o sabor de outrora, pois a mim pareciam colhidas antes do tempo, amadurecidas de forma não natural, o que lhes tirava o paladar que provava quando menino.

Lembrei-me, então, das laranjas que ia chupar no pomar do tio Alcides Almeida, acompanhado de meu primo Carlinhos. Sentávamos à sombra das laranjeiras, canivetes à mão, e nos fartávamos a valer. Apreciava, sobretudo, a laranja-Bahia. Reclamei com meu pai a diferença de paladar entre aquela laranja e esta atual, que compro nas feiras e nos mercados.

Com a sabedoria que os pais parecem ter – e que não sei se repito com meus filhos –, me disse com as palavras mais singelas possíveis:

- Meu filho, o paladar da laranja não mudou. O que mudou foi o seu paladar. Aquele da infância não volta mais. A laranja continua a mesma, mas nós mudamos.

S. Dali, Persistência da memória, 1931, MoMA.
Aliás essa sua lição estava já contida em Soneto de Natal, do genial Machado de Assis, em forma de indagação, no verso que fecha o poema:

                “Mudaria o Natal ou mudei eu?”

E, então, pude me dar conta de quanta água já passou por sob a ponte através da qual venho atravessando a vida. Hoje, apesar de não ser um homem saudoso do passado, parece que sou outra pessoa, bem diferente daquele garoto que corria pelas ruas da vila, brincando com os amigos de infância.

No entanto, diante do espelho, que procuro nunca usar com excesso, pois nele jamais vislumbrei um Alain Delon ou um Tom Cruise, a pessoa que vejo é sempre a mesma, a não ser por uma devastação capilar que envergonha todo o lado Machado da família. Reconheço sempre quem eu vejo: sou eu mesmo, sem tirar nem pôr, a despeito de tudo, das marcas que o tempo imprime em nosso corpo. Entretanto sei que, ao ser reencontrado na rua por conhecidos que não vejo há anos, ex-alunos que tomaram caminhos diversos, a impressão que têm de mim é a mesma que deles tenho: como está envelhecido!

A distância entre o menino e o coroa de agora, para mim, só fica bem evidente ao rever velhas fotografias em preto e branco ou mesmo algumas coloridas um tanto esmaecidas em seus tons: eu já fui bem jovem, talvez até uma criança inocente a correr pelas ruas da minha infância, na minha querida vila de Carabuçu (ou Liberdade, como querem os mais velhos). Mas isso não me dói, como doeu em nosso maior poeta, Carlos Drummond de Andrade, em Confidência do itabirano, em seus dois últimos versos:

“Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!”

É que, de certa forma, aprendi a não chorar sobre o leite derramado. Se possível, passo a língua sobre o filete que escorra e aproveito até a última gota.

2 comentários:

  1. Acho que a gente muda tentando permanecer o mesmo, a essência, ao menos. Mas a saudade de meu calçadinho dói...devo confessar.

    ResponderExcluir
  2. A gente muda sim: fica mais sábio, que no seu caso, é a mais pura verdade.

    ResponderExcluir