26 de janeiro de 2011

SORTE

sorte não ter nascido roto maltrapilho
como todos os que dormem nas ruas nas calçadas
e chafurdam no lixo
e comem migalhas
e sonham não se sabe com quê

sorte não ter como horizonte
apenas a barra da baía de guanabara
o mar aberto de copacabana com as cagarras
e a ilha rasa
o céu pesado que apavora os morros

sorte não ter como amor devotamento
o ódio e a indiferença que passeiam nos ônibus
no metrô
nos apertados trens urbanos
ou o terror das ruas da cidade

(Cândido Portinari, Dudas mulheres, duas crianças.)
sorte não ter como corpo
esse desconforto de carne e músculos
que os famintos carregam como fardo
leve e maldito
a que devem acrescentar doença e desejo
delírio e paixão
como qualquer um

sorte não ter como consciência o nada
e calar diante de todas as injustiças




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