(Dedicado aos colegas que passaram pelos bancos do Instituto de Letras da UFF e aos meus muitos alunos da extinta e saudosa FACEN.)
O
sujeito resolveu procurar socorro médico, porque estava com um acento grave
atravessado nas cordas vocais, o que não lhe permitia emitir fonemas sonoros.
O
médico que o atendeu, depois de examinar todo o seu conteúdo sintagmático,
opinou que o problema era mais de acento agudo, pela posição do objeto direto
no local. Mas, se era um objeto direto, como ter problemas com acento agudo,
foi o que o sujeito pensou.
Como
o médico alegou que, no momento, estivesse cheio de interjeições para entender,
mandou que o enfermeiro fizesse sua classificação sintática prévia:
-
Nome completo?
Com
dificuldade, falou:
-
Sujeito Composto Posposto ao Verbo.
O
enfermeiro, cuja formação não era lá essas coisas, para abreviar, anotou
apenas: Sujeito Simples, o que, talvez, tenha gerado as orações consecutivas
posteriores, com todas as implicações fraseológicas.
-
Onde você mora?
-
Num conjunto de orações coordenadas e subordinadas de um texto antigo.
-
Barroco ou romântico?
-
Realista.
E
continuou fazendo questões de retórica, sendo respondido por frases curtas, ora
verbais, ora nominais, com alguns anacolutos e hipérbatos. O Sujeito Composto
não estava concordando muito com aquele questionário prévio, pois também tinha
suas interjeições a resolver.
Ao
fim de um longo período composto, cheio de orações intercaladas, quando o
médico voltou, já encontrou o sujeito quase oculto. Resolveu, na tentativa de
remover o acento e para reanimá-lo, aplicar-lhe uma dose de hiperbibasmo,
seguida de hipérbole equilátera, que não surtiram efeito imediato na sintaxe
posicional. O colega que veio ajudá-lo, sem concordâncias e subordinações,
disse que este último recurso, da área de matemática, não se aplicava ao caso
sujeito e viu aí uma mesóclise na altura do núcleo do predicado, que deveria
ser extraída com raiz etimológica e tudo.
Passaram,
então, os dois profissionais a pospor e antepor pronomes oblíquos ao predicado
nominal, sem obter grandes regências. Nesse momento, o enfermeiro sugeriu que
tentassem uma prosopopeia camoniana. Ambos olharam para ele e sorriram
debochadamente, como se não acreditassem em tropos tão antigos. Nem mesmo
acreditavam em metáforas machadianas ou metonímias modernistas, quanto mais em
tal prosopopeia. A solução deveria ser uma prótese radical: aplicação de doses
maciças de antonomásias e onomatopeias do receituário concretista.
O
pobre Sujeito Composto estava reduzido apenas a uma locução vocabular,
perigando chegar a sujeito inexistente, quando começaram a conjugar verbos
irregulares, transitivos diretos e indiretos em sua estrutura morfológica. Sem
sucesso, resolveram, então, removê-lo para uma análise sintática
estruturalista, com achegas funcionalistas, na tentativa de reanimar sua carga
semântica.
Nada
dava certo! É que os médicos não tinham formação gramatical tradicional, nem
mesmo transformacional, e eram incapazes que avaliar os sintagmas e as
sequências que meteram o tal Sujeito Composto em problemas chomskyanos, que não
seriam resolvidos jamais por semantemas e morfemas, todos já arcaicos para o
caso.
Foi
quando resolveram chamar um velho professor de gramática que, olhando a
estrutura frasal apresentada, deu a solução:
-
Retirem a crase! O sujeito pode até ser composto e posposto ao verbo, mas nunca
se servirá de crase, bando de solilóquios retóricos, apedeutas linguísticos!
Os
médicos, depois se apurou, eram neologistas, ainda aferéticos, sem registros
nos vocabulários ortográficos e na gramática formalista. E estavam trabalhando
naquele ambiente fonológico, sem as devidas exegeses ou propedêuticas. Vá lá se
saber o quê! Processados, foram condenados a ser incluídos no rol do Appendix
Probi.
Ri muito mas depois caí em depressão: nada sei da Gramática. Falar é fácil mas concordar é que são elas!
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