1 de janeiro de 2011

O PARAÍSO


  uma versão paralela, não autorizada, da criação do mundo que circula por aí e que tomo a liberdade de repartir com vocês.
Consta que, depois da trabalheira toda que o Senhor teve para criar o Universo, Ele decidiu dar aquele capricho na decoração de um canto da Terra, botando rios mansos, belas florestas, animais selvagens amistosos, árvores frutíferas em profusão, florezinhas perfumadas, pássaros canoros e multicoloridas borboletas esvoaçantes – afinal estava criando o Éden. E, como todos sabem, em seguida criou Adão e Eva.
As coisas corriam às mil maravilhas para os dois. Não tinham emprego, não tinham patrão, nem trânsito caótico. Nem mesmo sogras e cunhados – afinal era o Paraíso – que lhes viessem pedir uma ajuda, um dinheirinho para comprar o botijão de gás, ou o empréstimo do cartão de crédito para tirar fogão novo numa promoção de última hora. Não sofriam problemas de desabastecimento, de carência de alimentos, de corte repentino de iluminação. Os ventos sopravam brandos e as estações se sucediam dentro do previsto pela criação – afinal estavam no Paraíso (E não vou repetir mais isso, que todos estão cansados de saber!).
Por ter terminado seu trabalho e a Terra ainda ser praticamente inabitada, o Criador dispunha de muito tempo ocioso, de modo que podia ficar atendendo as necessidades dos dois inexperientes que pusera para desfrutar das benesses daquele jardim.
Numa dessas ocasiões, passados alguns meses, tendo Adão já entrado em relações totais e completas com Eva, num processo de conhecimento mútuo ainda incipiente, achou por bem dirigir-se ao Criador, para algumas considerações que julgava pertinentes até aquele momento.

Imagem colhida em
dererummundi.blogspot.com.
- Senhor, acho que está tudo muito bom, tudo muito bem, mas humildemente tenho um reparo a fazer. Penso que o Senhor poderia ter feito só aquele aparelhinho quentinho e gostoso que a Eva tem, desagarrado do resto dela. O conjunto todo fica muito complicado de ser gerenciado. Só o aparelhinho ia ficar melhor, pois tem lá uns pontos que ainda não consigo manipular direito, motivo de muita reclamação dela. Mas, quando sai dali, o resto é muito complicado. A cabeça, por exemplo, tem uma porção de coisas que fogem à minha compreensão. Depois, sai da boca da Eva, tão logo termino de mexer no aparelhinho dela, umas falas estranhas, umas conversas esquisitas. Ela fica perguntando quais são minhas intenções, se eu estou preparado para assumir compromisso sério ou se quero apenas ficar brincando nele. Não sei como responder a tantas indagações. Por isso é que acho que só o aparelhinho já estaria de bom tamanho para a felicidade geral no Éden.

O Senhor, então, com a voz suave de quem conversa ao pé do ouvido (Ele só passou a ser tonitruante algum tempo depois, quando já havia muito humano na Terra fazendo merda a toda hora.), disse-lhe:
- Adão, por ser o equilíbrio a mola da felicidade que reina no Paraíso, como você pode observar com todas as criaturas, tenho de consultar Eva, para saber o que ela tem a dizer. Vou chamá-la reservadamente e depois decidir.
Assim feito, o Criador ouviu Eva.
- Senhor, posso ver que todas as coisas criadas estão funcionando direitinho. O Senhor teve muita competência. Mas, com todo respeito, o Adão veio com a montagem muito simplória. Veja bem, Senhor: quando o aparelhinho dele começa a funcionar, a cabeça desliga, não raciocina, não mede consequências. Aí ele só quer brincar com o meu aparelhinho. Talvez, se pudesse separar o aparelhinho do resto do Adão, eu poderia viver com mais segurança. Toda vez que ele acaba a brincadeira, quer dormir na relva, fica cheio de preguiça, não quer conversa. Então eu quero saber quais são os projetos que ele tem para a vida afora. Porque eu tenho visão de futuro e ele só quer ficar mexendo no aparelhinho dele. Se não for pedir muito, já que o Senhor achou melhor fazer assim, pelo menos arranje alguma coisa para ele fazer. Dê uma ocupação para ele.
O Criador pensou num átimo – sendo quem é, não precisava ficar matutando uma resposta por mais que um átimo – e chamou os dois, já com uma voz um pouco mais grossa, prevendo os problemas que iria enfrentar daí por diante:
- Ô vocês dois! Venham aqui! O negócio é o seguinte (O Criador também falava como simples mortal, quando necessário.). Os aparelhinhos estão corretos. Não há problemas de projeto. É isso mesmo. É preciso que vocês saibam usá-los com o restante de cada um. Cada um tem o seu pacote completo. Não há como separar o aparelhinho do resto. E, Adão, veja se presta mais atenção, que a coisa não é tão difícil assim. Eva, você também deve deixar dessa mania de querer conversar depois da brincadeira. Senão o aparelhinho do Adão pode deixar de funcionar e, aí, você vai se arrepender. Vai-se acabar a brincadeira!
Dois  dias depois, acatando sugestão de Eva – e, para isso, teve de pensar um pouco mais –, o Criador mandou que o Arcanjo Gabriel levasse alguns instrumentos agrícolas que tinha acabado de criar, para dá-los a Adão, com a recomendação de que ele pensasse em fazer algo a mais, porque, pelo que tinha percebido, em alguns meses viria outra pessoa e aquela boa vida estava por se acabar. O Paraíso não poderia se transformar numa casa de cômodos. Tudo também tem o seu limite, ora! E bonecas infláveis e vibradores só num futuro muito distante. Talvez só daqui a milhares de anos. E olhe lá!

2 comentários:

  1. Temos que admitir que este projeto saiu com um defeito de fábrica e, sem manual de instruções, proliferam as assistências técnicas. Talvez isto explique por que todo brasileiro é um técnico de futebol.

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  2. Hahahaha...pois é, o culpado é o Criador...hahaha...eu já desconfiava...

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