13 de janeiro de 2011

O CASO DO TRANSPLANTE TRIPLO

Foi com um misto terror e presunto que ele descobriu que seu sanduíche estava envenenado. A queimação no esôfago, o inferno no estômago e a hecatombe intestinal levaram-no ao CTI de um hospital da rede privada. Pior para ele! Se, em pouco tempo, ficou livre da maior intoxicação que um ser humano possa suportar, acabou saindo do hospital sem um rim, uma córnea e um tímpano: tudo arrancado à sua revelia, para implante num corretor da bolsa carioca, à beira da falência corpórea.
Tragédia maior foi quando descobriu que o receptador - sim, receptador, pois aquilo foi um roubo! - dos seus órgãos era seu próprio patrão. Como, pelo menos, tentar reaver seu patrimônio? Como se ressarcir do prejuízo? Se cobrasse, naturalmente iria para o olho da rua, hipótese, aliás, que julgou com certa simpatia, depois de ter perdido a visão do esquerdo.
Desenho de Terezinha Bordignon, colhido em
piquiri.blogspot.com.
Para marcar seu protesto contra situação tão ridícula, comprou meia bengala de cego, um aparelho de surdez com a pilha fraca e passou a mijar de lado, só para o lado do rim restante.
Por uma dessas coincidências que a vida prepara para quem nela está, seu patrão soube que o doador involuntário fora ele, seu contador. Muito emocionado, convocou-o à sua sala para agradecer-lhe o gesto e, de uma ou outra maneira, retribuir-lhe o grande favor, se é que a expropriação pudesse ter esse nome. Após cumprimentá-lo efusivamente, quando até o chamou de “meu pai, porque me deu a vida de novo”, perguntou o que ele queria como recompensa. Perplexo, o pobre contador titubeou, vacilou, engasgou, pigarreou, dando oportunidade a que seu patrão lhe oferecesse a função de síndico da massa falida da corretora, sob intervenção do Banco Central, porque ele, patrão, totalmente reformado a poder de muita plástica, iria para a Europa curtir a vida com mulher nova, com quem planejava prevaricar para mais de três meses, se é que as coronárias reforçadas por stents suportassem.
Se não pegar cadeia, pode ser até que leve um bom quinhão nos acertos finais das contas da corretora. Pelo menos, é isso que costuma acontecer.
(Agradeço a Terezinha Bordignon a autorização para utilizar seu desenho acima.)

3 comentários:

  1. Ai...ai...hahaha...só rindo, mas esse negócio de tráfico de orgãos tá virando um problema muito sério.

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  2. Se eu fosse Silvio Santos, dava ao contador uma telesena como recompensa e olhe lá! Afinal, engana-se quem se guia pelos romances policiais, o culpado é sempre o contador. Ah, falta um "L" no título?

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  3. Obrigado, Paulo Laurindo! Só vi agora, depois que você registrou.

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