15 de fevereiro de 2012

TIPO ASSIM (III) - REGINALDO, O GOLEIRO

Quando Reginaldo chegou à vila de Carabuçu, no início dos anos 60, trouxe uma inusitada alegria de carioca para aqueles confins da Velha Província.
Espantava um pouco àquelas gentes a descontração do jovem beirando seus dezenove anos. Mas era de uma alegria tão franca, tão desarmada, que num instante conquistou a todos e passou a ser considerado um pouco filho de quase toda família. Das jovens moçoilas da vila passou a ser o sonho de consumo. Não havia uma que não desejasse ser a namorada do Reginaldo.
Enturmou-se com os jovens locais, sobretudo com os que jogavam bola e acabou assumindo o gol do Liberdade Esporte Clube.
Em minha memória de menino, também raspando a adolescência, jamais houve por aqueles lados, dentre os times que participavam do disputado campeonato de futebol da LBD – Liga Bonjesuense de Desportos –, goleiro tão bom, tão elástico, tão histriônico em sua posição. E olhem que eram várias as equipes que participavam do torneio, além do LEC: Olímpico e Fluminense, da sede do município de Bom Jesus do Itabapoana; Ordem e Progresso, de Bom Jesus do Norte, à época distrito de São José do Calçado; desta, eram Americano e Motorista; o Santa Isabel e o Santa Maria, das usinas de açúcar dos mesmos nomes; o Chave de Santa Maria, de um distrito de Campos fronteiro a Bom Jesus; o Boa Vista, da vizinha capixaba Apiacá. E, dentre todos os ilustres goleiros que garbosamente defendiam as metas desses clubes, não havia ninguém que suplantasse em perícia e arrojo o jovem Reginaldo.
Assistir a uma partida entre o LEC e um de seus rivais, no Estádio Doutor César Ferolla, nas tardes de domingo, passou a ser quase um compromisso religioso: todos queriam ver suas atuações, torcer por ele, admirar-se a cada defesa arrojada, a cada ponte em direção à forquilha, na defesa de uma bola que se dizia perdida. E o mais interessante de tudo: Reginaldo não era alto. Talvez tivesse em torno de um metro e setenta e cinco, se muito. E era franzino como meu tio Paulinho, seu beque-central, outro portento com a bola nos pés.
O jovem mesmo adotara a vila como sua segunda casa, pois vivia com a ajuda que alguns beneméritos do clube lhe proporcionavam, enquanto esperavam arranjar-lhe um emprego.
Numa véspera de Finados daqueles perdidos anos, Reginaldo foi com um grupo de amigos e amigas até o cemitério local para ver os preparativos para o dia seguinte. Havia lá uma cova já aberta, não se sabe para quem, em que uma jovem o empurrou, de farra. Os colegas providenciaram seu resgate e ele ainda brincou: Esta será minha.
No dia seguinte, um sábado, foram vários rapazes banhar-se no Rio Itabapoana, a cerca de seis quilômetros da vila. E Reginaldo, sem saber nadar, entrou no rio, para sair apenas sem vida, resgatado com grande esforço de meu tio Paulinho e de outros amigos que pularam n’água, na tentativa de salvá-lo.
A consternação que tomou conta de Carabuçu e se refletiu em todo o meio desportivo foi coisa jamais vista por aqueles lados. No dia do seu sepultamento, todos os times membros da Liga enviaram suas equipes, com as camisas do uniforme e suas bandeiras desfraldadas durante o cortejo, até o pequeno cemitério no alto do morro.
Foi o funeral mais grandioso e lúgubre que a vila já viu: enterrava-se ali um jovem forasteiro que a tinha adotado com o coração, como sua segunda terra. E Carabuçu perdeu seu filho adotivo mais admirado por aquele tempo. Nem na morte do Dr. Getúlio houve tanto pranto, tanto pesar!
E cada habitante da vila envergou o luto mais sincero no fundo de seu coração.

Guignard, Paisagem de Minas, 1941 (portalsaofrancisco.com.br).

4 comentários:

  1. São indivíduos excepcionais, ganham nossa simpatia e correspondem ao investimento. Lembrou-me o Afogado Mais Bonito do Mundo, de Garcia Marques.

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  2. Você já havia me contado esta triste e comovente história. Mas há um erro grave em seu, como sempre, bem escrito texto: nunca coloque Motorista e Americano, esta ordem não existe, o correto é Americano e depois, se não puder evitar, o outro nome. Saco!

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  3. Ainda bem, livrou-de de um processo cabeludo. Abraço!

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