29 de fevereiro de 2012

RIBEIRO, O GRAVE

Imagem em gepoteriko.pbworks.com.
Nada do que o Ribeiro dissesse soaria trivial. Tinha ele na voz a solenidade dos atos oficiais, a impostação dos porta-vozes. Se chegasse a um bar e pedisse café, não o havendo, o atendente corria a lhe fazer um quentinho, passado na hora. Porque Ribeiro não pedia simplesmente um café: ele estabelecia uma obrigação para seu interlocutor.
E era assim com tudo.
Certa vez, pousou-lhe no braço um nojento pernilongo transmissor da dengue, para fazer dele mais uma vítima, quando Ribeiro disse:
- Um aedes aegypti!
O inseto recolheu seu agulhão fatídico e voou para outra vítima, longe da voz impostada e solene de Ribeiro.
Mas ele já nasceu assim. Seu primeiro choro foi completamente diferente do choro de todas as demais crianças recém-nascidas do mundo. Ele não chorava implorando mamar, ou reclamando desconforto. Ele chorava para estabelecer princípios, para marcar território, como fazem algumas feras do mundo animal. E isto tanto seu pai, quanto sua mãe perceberam. O que motivou, inclusive, uma constatação paterna, ainda na maternidade, que foi definitiva para a identidade do menino:
- Este é um Ribeiro!
E jamais usaram o nome com que o batizaram ou o registraram, Genivaldo. Apenas Ribeiro. Era até esquisito, quando pai e mãe davam notícias para os avós, na distante Miracema:
- Mãe, Ribeiro teve dor de barriga hoje o dia inteiro. Fiquei louca. Ele chorava como se estivesse discursando no senado da república.
Rompeu a infância e a adolescência com esta ascendência sobre os colegas, apenas pela impostação da voz. Ribeiro dizia, a molecada atendia! Ribeiro não respondia à chamada na sala de aula, porque faltara, e parecia que a aula perdia sua aura de formação da juventude da pátria.
Na muda vocal, com ele não houve o vacilo entre voz grossa e voz fina, às vezes comum em certos meninos. Este narrador, mesmo, teve um primo que parecia uma estação de rádio mal sintonizada, tal era a oscilação vocal. Com Ribeiro não se deu nada disso. Ele passou de voz grossa de menino, para baixo de ópera. Ou melhor, para o tal baixo superprofundo – timbre raríssimo no bel canto –, embora ele nunca tenha tido a veleidade de cantar, porque, como dizia, era mais desafinado que João Gilberto, no seu samba famoso.
Por isso é que, às vezes, tinha até cuidados em falar em determinados ambientes. Como gostasse muito de frequentar lugares sofisticados, restaurantes estrelados, champanharias badaladas, bars à vin, policiava-se para não subir o tom da fala, sob risco de balançar garrafas e taças, como acontecera certa vez em casa de seu sogro, ao comemorar o noivado com Clarisse. O serviço de vinho de cristais da Boêmia colocado sobre o aparador de vidro da sala tremeu todo, quando ele pediu a mão da moça em casamento.
Para se ter uma ideia do respeito que a voz de Ribeiro impunha nos ambientes, quando ele dizia simplesmente “vou tomar uma cerveja”, a latinha já gelava automaticamente, caso estivesse fora do refrigerador.
Tudo que ele dizia parecia uma definição de princípios, uma demonstração de teoremas astrofísicos, os termos de acordos internacionais para o uso de energia nuclear. Nada era corriqueiro, vulgar, ordinário. Nada soava engraçado. Também por isso é que jamais conseguiu contar uma simples piada que fizesse os outros rirem. A voz de Ribeiro estava mais para nota de falecimento, para leilão de massa falida de grandes corporações.
Quando foi a uma entrevista para o emprego com que sempre sonhara, locutor da Voz do Brasil, não foi aprovado. É que o entrevistador passou as informações sobre a voz do entrevistado ao seu chefe de RH, que as fez chegar até ao superintendente da emissora. Este ficou com medo de perder o cargo para Ribeiro, só pelas informações que tivera, sem mesmo ter ouvido a voz do cara.
Depois de procurar aqui e ali e não achar trabalho, justamente por esse motivo, Ribeiro resolveu abrir uma empresa de comunicação sonora: equipou frota de utilitários com um sistema de som, que saía pela cidade anunciando de um tudo: desde promoção de supermercado, até morte de morador da cidade.
E não havia ninguém que não atendesse ao chamado de Ribeiro. Era tiro e queda: cebola anunciada, cebola vendida; morto proclamado, velório bombado.
A voz de Ribeiro era sua carga mais pesada, e dela ele só escaparia com a própria morte.
Oh, sina!

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