3 de fevereiro de 2012

TIPO ASSIM (II): DOUTOR NILSON



Doutor Nilson já fez a passagem, desembarcou desta, como queiram. Era dentista das antigas, com certo mau humor pessoal, mas que tinha nas paredes do consultório reproduções d'O Amigo da Onça atuando como alucinado arrancador de dentes. Parecia coisa de humor negro. Na sua antessala, ou nos descontraíamos, ou entrávamos em pânico. Não havia outra hipótese.
Um dos desenhos do Amigo da Onça, criação
de Péricles, que decoravam a antessala do
Dr. Nilson (imagem em pulpite.blog.br).
O motorzinho não era desses novos, turbinados, que fazem suave zumbido de abelha. O dele era daqueles que trepidavam ao furar o dente, tipo britadeira, escarafunchando cáries indesejadas. Às vezes, subíamos de costas cadeira acima, na tentativa de aliviar um pouco o incômodo. Com ele, anestesia só em último caso, sobretudo em pacientes do pretenso sexo masculino.
Pontualíssimo, tolerava apenas dois atrasos pequenos do paciente. Meu amigo e conterrâneo Luís Carlos, por mim indicado a ele, atrasou-se pela terceira vez e foi expulso de seu consultório, quase aos berros:
- Você não serve para ser meu paciente! Só aguentei dois atrasos, porque você é amigo do Saint-Clair!
Na época, ainda não se dizia cliente. As coisas eram um pouco mais sutis.
Eu mesmo aprendi com ele a cumprir horários, o que ficou em mim, desde a década de 60 até hoje, com certa dose de neurose. Atrasei-me quinze minutos uma vez - eu marcava sempre o primeiro horário de atendimento, para depois ir trabalhar na ótica que ficava no térreo do mesmo edifício - e ele me disse em tom solenemente zangado:
- Seu Saint-Clair, depois que inventaram o relógio, ninguém mais pode se atrasar. Por favor, que seja a última vez!
E Dr. Nilson fazia de tudo, o que hoje ocupa vários especialistas. Só não fazia implantes, porque a técnica ainda não fora criada.
Eu tinha lá duas cáries nas panelas - não vou ao Wikipédia para saber o nome dos dentes - que precisavam de tratamento com restaurações, as quais, instaladas desde a década de 60, ainda estão triturando tudo que enfio na boca.
No entanto, apesar dessa caturrice, gostava de contar suas estripulias, como, quando jovem, numa noite de sábado, passou de carro em frente à fila diante do Cinema Icaraí com a bunda de fora na janela do carona, para o espanto dos olhos desprecavidos dos anos 40. Naquela época, Niterói tinha tão poucos automóveis e tão pouca gente, que, com certeza, a bunda do então jovem Nilson foi reconhecida por boa parte dos espectadores. Também falava de suas atividades fora do consultório, como no Sindicato dos Telefônicos, oportunidade em que sempre referia certa “criatura" que lá trabalhava como enfermeira e com quem tinha um lesco-lesco extraconjugal.
Até que um dia, passados alguns anos, me disse que tinha saído de casa - um bom apartamento na Praia de Icaraí, de frente para o mar -, abandonado a "dona encrenca" e os dois filhos rapazes, para ir viver com "a criatura", cujo nome jamais me disse.
Porém não abandonou suas incursões sobre as mulheres, pois duas colegas de trabalho, a quem o indiquei como profissional competente, reclamaram comigo das tentativas dele em agarrá-las, deitadas sobre a cadeira e quase sem poder de reação. Uma delas ainda me disse:
- Tive de lavar o rosto, para tirar a baba daquele nojento!
E nunca mais voltaram lá.
Mas Dr. Nilson continuou ainda por alguns anos consertando dentes e tentando agarrar uma e outra paciente, como imagino que tenha ocorrido, até que uma doença ruim deu-lhe um basta e arrancou-lhe o boticão das mãos em definitivo.

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