2 de julho de 2011

EPAMINONDAS NEPOMUCENO

Quando Hugh Hefner começou a desnudar suas coelhinhas e Carlos Imperial, a abater suas lebres, Epaminondas Nepomuceno já andava perseguindo pacas. Por isso é que tinha um jeito assim meio démodé, para usar uma palavra fora de moda. Mantinha um bigode fino de pontas reviradas, uma bengala, com que fingia alguma claudicância, e uma gravata borboleta engastalhada no gogó saliente. Abriu mão do chapéu coco, porque, mesmo ele, achava um tanto passado no tempo. Mas não é que não gostasse. Apenas precavia-se de chacotas.
Imagem em salodumafigaro.blogspot.com.

Somava sete décadas e lá vai fumaça e ainda se achava um conquistador praticamente imbatível. Por opção ditada por certo pão-durismo recalcitrante, não se casou, ou, como gostava de dizer, “não convolou núpcias”, porque, no fundo, julgava todas as mulheres apenas interessadas em seu patrimônio, em sua pecúnia.
Não que possuísse coisa de maior monta ou estipêndios de causar estragos no comércio local. É que sempre fora um presunçoso de marca maior. E tudo o que tinha, para ele, valia mais que o dobro do valor real. Assim, passou a vida inteira com um pé atrás, desconfiado de todas.
Por outro lado, como gostava de ser incomodativo! Não deixava passar oportunidade em que não incomodasse alguém com suas idiossincrasias. Era com a faxineira que o atendia semanalmente, a fazer solicitações cada vez mais detalhadas sobre a limpeza e coisinhas mais. Era com os porteiros do prédio, antigo como ele, pedindo favores sem utilidade. Era com o barbeiro, que frequentava religiosamente no primeiro dia útil de cada mês, opondo observações ao corte do cabelo e ao aparo do bigode um tanto ridículo. Era com o gerente do banco, onde mantinha a conta medíocre que ele acreditava salvar a instituição nos apertos assestados pelo governo. Enfim, era uma pessoa que se fazia notar sempre pela impertinência com que vivia.
Destarte (outra palavra bem do tempo dele), foi que Epaminondas causou seu último incômodo aos que lhe estavam próximos.
Foi tomar o chá da tarde, numa quinta-feira cheia de maledicências e desabonos, na Confeitaria Colombo, na Rua Gonçalves Dias, desacompanhado como sempre, e lá, após três soquinhos de leve sobre o peito, com a mão esquerda fechada, parecendo Carlitos em Em busca do ouro, dobrou a cabeça sobre a mesinha redonda de tampo de mármore, esparramando torradas Petrópolis pelo chão.
Não deu um ui. Não vibrou um ai. Apenas a tossinha seca e miúda que o acompanhou por anos chamou a atenção dos clientes da confeitaria, antes que a ceifadora cortasse sua derradeira ligação com o mundo.
Epaminondas Nepomuceno azedou o chá daquela quinta-feira incomum para a casa e saiu rebocado pelo rabecão do Corpo de Bombeiros, sem sirene ligada, porque não havia mais emergência a atender.
Ao velório triste e pouco concorrido, compareceram uns sobrinhos gananciosos, que imaginavam estar no testamento do tio Epaminondas. O tio, no entanto, para eles não deixou nem recomendações de boa saúde e vida longa, pois os guardados no banco e o apartamento cheio de velharias passaram à posse da faxineira que, a cada semana, além de tirar o pó dos móveis, dava também um lustro na libido meia-bomba de Epaminondas.

Um comentário:

  1. Tipos envernizados como Epaminondas trazem graça à uniformidade medíocre, pois românticos e singulares.

    ResponderExcluir