23 de julho de 2011

A LÍNGUA É O CHICOTE DO CORPO (duas observações descompromissadas)

i – Degustando velocidade
Não sei se já estou um pouco antiquado, ou essa moçada anda usando a língua portuguesa com uma liberdade exagerada.
Ganhei prospecto de propaganda da nova empresa GVT que, segundo me parece, trabalha com Internet, telefonia, comunicação. Passava pela calçada ao lado da van da empresa, que tem em sua traseira uma espécie de sala com alguns computadores.
Ao tentar saber com a mocinha, de uniforme e tênis meio cano de cor laranja, o que era aquilo, respondeu ela que “ali era para as pessoas degustarem as velocidades de conexão oferecidas”.
(Imagem colhida em raulzitocsc.blogspot
Lembram-se de que, há algum tempo, criou-se uma expressão na gíria no Rio de Janeiro, em que, ao sair, quem saía dizia “aí, vou chegar!”, justamente o contrário daquilo que as palavras significavam? Há pouco, as imobiliárias inventaram o tal “visite o decorado”, em lugar de “visite o apartamento decorado”. Por isso, estou preparado para quase tudo daqui por diante, porém confesso que ainda tomo cá os meus sustos.
Mas preferi não degustar as possíveis velocidades oferecidas. Sou mais o gosto do jiló, da pimenta malagueta, do café amargo, do vinho tinto e da pinga de alambique. Sabores mais apropriados à degustação.
ii - Do chinês ao português, sem passar pelo tradutor on-line
Fui acompanhar minha mulher em uma de suas muitas e satisfatórias incursões pelo Saara (Até hoje não descobri como as mulheres conseguem gostar daquele mafuá!). Para os que, possivelmente, não saibam, Saara é o conjunto das ruas da Alfândega, Buenos Aires e Senhor dos Passos, que concentra o comércio popular mais concorrido do Rio de Janeiro. A sigla, que significa Sociedade dos Amigos da Alfândega e Ruas Adjacentes, faz uma brincadeira bem carioca com o nome do deserto africano. Penso que em distante referência aos primeiros comerciantes que se destacaram no conjunto: os de origem árabe (libaneses e sírios, principalmente) e os de origem judaica. Posto que não vivam nas imediações do dito deserto, pelo menos no Rio de Janeiro exercem nele seu comércio. As duas comunidades, a despeito da história belicosa que mantêm em seus territórios de origem, aqui convivem em paz. Ultimamente, no entanto, comerciantes de origem oriental (sobretudo chineses) têm ocupado os espaços que se vão vagando, à medida que o tempo escorre pelo calendário.
Numa dessas lojas, especializada em flores artificiais, flagrei mais um elo dessa corrente de integração entre as diversas culturas e línguas que pululam naquele espaço. Uma baixinha senhora chinesa – pude perceber por seu jeito de falar o português – dirigiu-se a um rapaz de cara oriental, provavelmente seu filho, e, apontando para as lâmpadas, lhe falou, em sua língua materna, algo parecido aos meus ouvidos como:
- Tchun tchin rá?
Ele lhe respondeu em perfeito sotaque carioca:
- Eu acendi tudo!
Volta ela (sempre o que me pareceu aos ouvidos):
- Tchin rá tchuá!
- Então vou dar uma olhada, para ver o que está acontecendo!
O rapaz saiu para resolver o problema. Certamente ele foi provido pela natureza de um poderoso tradutor em permanente linha. E sua hipotética mãe, também. Bem feito, quem mandou se despencarem lá de Guangzhou, de Xiamen, de Nanchang, para se meterem pelas ruas do Saara.

2 comentários:

  1. Poxa, Mestre, não degustou a GVT, desce bem, eu degusto todo dia...hahaha...

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  2. E que tal degustar um carro? Uma concessionária aqui em sampa ostenta em dois veículos de teste a palavra TASTE... isto é que é apelo ao fino e exclusivo gosto.

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