Tinha nome de profeta, Jeremias, mas vocação para mártir.
Durante a lua de mel em Iguaba Grande, descobriu, depois de uma conversa atravessada com a esposa, que tinha nascido com a missão de apanhar de mulher.
- Dozinha, meu anjo, sempre fui um homem feliz. Nunca tive um dissabor nesta vida. Sempre vivi contente, cheio de saúde. Jamais senti dor. Muito menos, gastura nos dentes. Nem unha encravada tive. Nem calo. Nunca dei uma topada com o dedão. Dor de barriga, nunca soube o que é. Fico até pensando que é meio sem graça viver assim. Agora que me casei com você, que ainda estou mais feliz, me sinto constrangido com meus semelhantes. Acho demais. Queria sofrer um pouco, para não pensar que a vida é um mar de rosas.
Dozinha, aliás, Maria das Dores da Crucificação de Cristo da Silva, com todo o peso que o nome carreia para seu dono, viveu vida de sofrença da mais tenra idade até aquele quarto de hotel simples da Região dos Lagos. Sonhou que o casamento pudesse ser sua tábua de salvação. E viu naquele minúsculo discurso destrambelhado do seu novel marido a oportunidade para descarregar anos e anos de dores e padecimentos até um gólgota imerecido.
- Meu amor, vi agora que nascemos um para o outro, e posso abrandar essa culpa que você carrega.
Dirigiu-se até o banheiro, molhou a toalha de banho com água quente, torceu-a e, antes que Jeremias se pudesse armar com as testosteronas de costume para um auxiliar de cartório aprovado em concurso público e em vias de promoção, deu-lhe uma surra de toalha molhada, de fazer inveja a certas primeiras-damas nordestinas.
Instrumento usado por Dozinha para abrandar as culpas de Jeremias (letrav.com.br). |
A cada golpe pelo corpo, Jeremias se contorcia num misto de dor e prazer. E, não fosse o cansaço do braço desacostumado de Dozinha para a função, é bem possível que atingisse o orgasmo, antes que a coitada tivesse o lacre rompido na conformidade dos estatutos, regulamentos e decretos relativos ao caso.
A partir de então, Jeremias vivia com marcas vermelhas por várias partes do corpo, que cobria com um fervor quase religioso, e uma felicidade que beirava a ostentação.
Passou a ser mais produtivo no cartório, era mais simpático e solidário com os colegas e partes e atendia as estapafúrdias solicitações do tabelião, como se fossem as coisas mais normais do mundo. Até no metrô cedia lugar para menino com uniforme de escola pública.
A mulher nem precisava frequentar a academia chamativa que ficava diante de casa – letreiro de neon berrante –, para fazer musculação. Duas, três vezes por semana, enrolava uma toalha comprada especialmente para o serviço e largava o braço no lombo do Jeremias. E tinha cumprido as recomendações daquele programa chato da tevê, a recomendar exercícios constantes, a fim de prolongar a vida saudável, tão ao gosto da medicina preventiva.
Ali estava o casal prefeito: Sacher-Masoch e o Marquês de Sade de braços dados, sob os auspícios da lei, da moral e dos bons costumes, a purgar todas as mágoas e recalques de Dozinha e a prolongar a felicidade imerecida de Jeremias, auxiliar de cartório promovido por méritos, dois meses após o início das toalhadas.
A diferença gera unidade: bela fábula, excelente moral.
ResponderExcluirO Paulo achou bonito, e é, pois o lombo não era o dele. Mas tem muito Jeremias por aí.
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