Açulado por um comentário um tanto irônico de um jovem amigo do Facebook (na verdade, ele é amigo mesmo é de meu filho) – “eu quero é rock minino :)*” (sic), em virtude de uma postagem que fiz sobre poesia popular nordestina, andei respondendo com um rock e um blues que, quase com certeza, ele não conheceria. Não sei, mas desconfio.
Da pesquisa que fiz no Youtube, para mandar a ligação, a fim de que ele ouvisse essas outras duas músicas, acabei chegando a San Francisco, de Scott Mackenzie, com toda a aura dos anos setenta, de Woodstock, de Flower Power e por aí afora.
E voltaram aos olhos e à memória as imagens de abertura do filme sobre o festival de música que me deram, à época, a sensação de que o rock poderia ser o elo de ligação entre os povos do mundo, através de sua juventude, que rejeitava a loucura da guerra e da possível destruição do planeta pelas bombas atômicas da Guerra Fria.
Talvez tenha sobre este meu jovem amigo a vantagem de ter visto/ouvido o rock ‘n’ roll nascer. Portanto sou, em princípio, da mesma geração dele, por semelhança de gosto, porém diverso quanto à faixa etária: ele poderia ser meu filho. A meu favor, talvez, ocorra ainda o fato de desgraçadamente – se é possível assim argumentar – ter vivido, na minha juventude e em boa parte da idade adulta, sob uma ditadura odiosa sob todos os aspectos, o que me determinou certo grau de consciência política.
Não que desconfie de que ele não a tenha. Mas com certeza, ele não sofreu para tê-la.
E com essas considerações e mais as imagens da multidão de jovens chegando para o festival de Woodstock, com a bela canção de Scott Mackenzie de abertura, tenho a absoluta certeza de que, se não fosse pelo movimento hippie que ali se manifestou em toda a sua pujança e liberdade, o mundo hoje seria bem pior. Ainda que muitos de nós se tenham perdido pelo caminho, tenham sido cooptados pelo sistema, tenham bandeado de lado, o mundo mudou, porque mudou a consciência da juventude. E, felizmente, eu estava inserido, bem distante, em tudo aquilo.
Imagem em pt.wikipedia.com.
Contudo tal semente não morreu. Germinou de forma lenta e deixou plantada dentro de cada um de nós que viveu aquela época – alguns até com o risco de sua própria vida e segurança – a noção exata da liberdade e a crença de que as coisas se podem mudar, com a postura, o esforço e a atitude de cada um.
Mas, sobretudo - e talvez por ter sido daquela geração e ser oriundo de família simples do interior -, não me foi difícil escapar de preconceitos (e eu os tinha aos montes!) de todos os matizes, sem abrir mão dos princípios da ética, nas relações individuais e profissionais, e daquilo que considero bom gosto, em termos de arte e cultura.
Por isso não tive preconceitos contra estilos musicais. É claro que não gosto de todas as músicas. Devo confessar aqui de público, por exemplo, que pagode romântico, funk, hip-hop, axé music, sertanejo e forró universitários, tecnobrega, música de seresta, são manifestações que me desagradam.
Por outro lado, gosto de rock, blues, samba, choro, baião e as demais manifestações nordestinas de raiz, folia de reis, música caipira autêntica, música clássica (sobretudo, a Barroca), MPB, bossa nova e new age (que muita gente não suporta). Gosto de guitarra, que a mim soa como o mais belo instrumento, e viola caipira, de baixo elétrico e baixo de arco, de triângulo e zabumba. De gaita e violino. E de sanfona!
Assim, tenho discos de Bach, Vivaldi, Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Pink Floyd, Adoniran Barbosa, Xangô da Mangueira, Kraftwerk, Badi Assad, Leonard Cohen, Vincent Baguian, Boubacar Traoré, Lenine, Coralie Clément, Clementina de Jesus, Cesária Évora, Luís Gonzaga, Toninho Ferragutti e por aí vai. Até de alguns poucos argentinos, tenho.
Leio Camões, Bocage, Machado de Assis, Dalton Trevisan, Paulo Leminski, Drummond, Bandeira, José Cândido de Carvalho, Cora Coralina, Adélia Prado e Chacal, com o mesmo gosto e a mesma boa vontade com que leio Robert Crumb, Charles Schulz, Millôr Fernandes e Luis Fernando Verissimo. Ou Patativa do Assaré, ou Leandro Gomes de Barros, para destacar dois grandes da literatura popular nordestina.
Em 1992, acompanhei meu filho, então com quinze anos, ao 3º Hollywood Rock, na Praça da Apoteose, para que ele visse o Living Colour, o grande sucesso da época. Quando chegamos ao local combinado com seus outros amigos, um deles, de modo zombeteiro, disse para mim, em tom de dúvida:
- Aí, tio, gosta de rock?!
Eu lhe perguntei a idade, de que já desconfiava. Ele me disse: quinze. Então, fui cruel com o moleque:
- Ouço rock ‘n’ roll há mais tempo do que você tem de idade.
Quem mandou implicar com quem está quieto!
E, para encerrar, como diz sempre meu amigo Zatonio Lahud: Saco!
----------
* Depois ele me esclareceu que a frase consta de um disco ao vivo dos Raimundos e foi dita por um espectador. A voz deste e o sotaque são semelhantes à de um dos cantadores do improviso.
Belíssimo texto, Saint-Clair!
ResponderExcluirVieram-me à lembrança os meus anos desde a infância à idade já muito adulta (se assim se pode chamar)!...
Infelizmente, até a ditadura também nós tivemos e veio-me à lembrança o ano de 1969, onde nós, na altura estudantes universitários, fizemos tremer a ditadura! Aí foi o início da Revolução de 25 de Abril!!!...
Sobre música e literatura, estamos conversados!!!... Temos os mesmos gostos! Vivemos sempre em continentes separados, mas parece que eramos vizinhos...
Aquele Abraço
Caro Moreirinhas, obrigado pelo comentário elogioso. Chico Buarque e Ruy Guerra já nos disseram sobre esta nossa alma semelhante, em "Fado lusitano". Saiba que ao ver/ouvir as notícias da libertação do povo português da ditadura salazarista cheguei mesmo a chorar. E nos emocionam ainda hoje as imagens que ela produziu àquela altura. "Oh, musa do meu fado! Oh, minha mãe gentil..."
ResponderExcluirBelíssimo mesmo, e aproveitei para aumentar meu catálogo musical. Mas estes jovenzinhos: Saco!
ResponderExcluir