12 de abril de 2012

ÓPERA BUFA EM TRÊS ATOS RIDÍCULOS - 3º ATO

SAIU PARA COMPRAR CIGARRO, E FUGI COM A MULHER DO SÍNDICO

Meu nome é Marinaldo Alves e sou da Paraíba. Estou aqui no Rio há uns dez anos. No prédio? Ah! trabalho há oito anos e dois meses. Sim, foi seu Osvaldo que me contratou. Ele é síndico lá há muito tempo. Ninguém quer pegar aquilo. É um abacaxi! Ainda mais em prédio velho: toda hora aparece um problema. Quando não é água – cano furado – é luz. Não... faço de um tudo. Sou pau pra toda obra, doutor. Não, doutor, isso não! Não estou debochando. Saiu sem querer e também não quero contar vantagem. Essa coisa com a Lourdes, ou melhor, com a dona Lourdes, foi coisa do destino, doutor. Parece que estava escrito. Nunca tive tenção de nada com nenhuma moradora. Mas aconteceu! O que é que se pode fazer? Quando eu vim? Só tinha o primário, as primeiras séries. Aqui completei até o segundo grau num curso por módulos. É... a gente leva o material pra casa, estuda e depois faz as provas. Sempre gostei de ler, doutor. Lá, eu lia muito os livrinhos de cordel, o senhor conhece? Um muito bom é O cachorro dos mortos, do Leandro Gomes de Barros. Eu mesmo tinha esse livreto. Pois é. Aqui eu gosto de ler jornal. Na portaria aproveitava para ler jornal até que o dono pedisse. Sempre sei das novidades. Principalmente de futebol. Gosto muito! Mas, como eu ia dizendo ao senhor, comecei a reparar que dona Lourdes, sempre que passava pela portaria, me cumprimentava sorridente, sempre simpática. Se eu não estivesse, ela me procurava, para saber se estava tudo certo, se tudo ia bem. Achava até que ela era olheira de seu Osvaldo. Ela sempre saía pra trabalhar à tarde, porque é funcionária do governo. Pela manhã estava sempre pelo prédio, fazia compras, ia à feira. É... teve um dia que eu me ofereci para levar a sacola, porque fazia muito calor e ela estava esbofada, como se diz. Reparei, sim senhor! Estava com uma bermudinha apertada que ela sempre usa. Não! Ela é muito jeitosa, uma mulher muito bonita. Já tinha notado alguma coisa, sim. Aí nesse dia, infelizmente, não aguentei mais e me ofereci. Não... isso foi no princípio. Só depois de uns quatro ou cinco meses é que notei que havia alguma coisa a mais na atenção dela comigo. Então... ela ia subindo as escadas e eu fui atrás, quando percebeu que eu olhava pra suas pernas. Fiquei acanhado, sim! Mas, quando eu entrei no apartamento, tomei coragem e falei umas coisas pra ela. Pensei comigo: é agora ou nunca. Se ela me der um fora, fico quieto, mais parado que calango quando é pego. Nunca se sabe, não é, doutor? De lá pra cá, as coisas foram acontecendo e, cada vez mais, ela ficando enrabichada. Acho que é um pouco de falta de atenção. Ela é que deu a ideia, que quis fugir. Disse que era um sonho que ela tinha desde novinha: fugir com o amor da vida dela. Deve ter lido isso em algum romance, visto em algum filme, não é? O senhor sabe como as mulheres são sonhadoras! Já tem quase um ano que ela fala nisso sempre. Aí eu resolvi aceitar, porque também fiquei num beco sem saída. Não... gosto dela, sim. Acho uma mulher muito bonita, como falei pro senhor. Mas se ficasse do jeito que tava, pra mim ia ser melhor. Ah! mas ele nunca que ia saber. Ele é meio desligado, não presta muita atenção nas coisas. Não... é uma boa pessoa. Nunca tivemos uma desavença, por nada. É... mas o que se vai fazer? Eu não quis trair o seu Osvaldo. Não tive essa intenção. Mas aconteceu! Lá na Paraíba? A bem da verdade, doutor, deixei lá mulher e três filhos. Todo mês mando um dinheirinho pra eles. Lá não tinha serviço. Aqui o salário não é bom, mas é muito melhor. Moro num puxadinho, na casa de um primo que é de lá também e que veio bem antes de mim pro Rio. Ó xente! Eu ia levar ela pra lá, até ver o que podia fazer. Não... ela não sabe que eu tenho família lá na Paraíba. Não sei... Pode ser até que ela não me queira mais. É só o senhor não dizer pra ela. O senhor tem de dizer que eu tenho mulher e filhos? É da sua obrigação? Bom, então não sei. Boas intenções... boas intenções? Não sei. Não sei se isso são boas intenções. O senhor sabe como é homem, não é, doutor? A gente joga a rede, e o que vier é peixe. Sim! Voltando ao que aconteceu: na hora em que a gente ia atravessar a rua, o sinal já estava abrindo pra nós, e ele veio desembestado, avexado como um carcará. Aí jogou o carro em cima da gente, mas eu ainda estava com um pé na calçada. A coitada da dona Lourdes é que quase morre. Acho que sim! Depois que ele viu os bilhetes, deve ter ficado aperreado da vida, pegou o carro e, quando viu a gente, pensou na forra. Ainda bem que não aconteceu nada demais. Só a mala dela é que levou a breca. Voou roupa pra todos os lados. Ela foi só triscada. O vestido tá perdido. Um vestido vermelho bonito, lascado atrás. Eu é que pedi a ela pra botar. Ia ficar mais bonita ainda. Gosto sim, doutor. Eu falei essas coisas de que se cair na rede é peixe, mas eu gosto dela. Mas o senhor não precisa falar com ela, deixa que eu mesmo falo. Vou ver o que vai acontecer. Se ela aceitar, eu me arranjo com Antônia. Mando uma carta pra ela, explicando tudo. Pode ser até que ela já tenha outro. Só voltei lá uma vez, isso há quatro anos. Eu entendo ele, não tenho raiva dele, não. Agora, também não precisava me ofender assim, quando saiu da sala. Se fosse lá em cima, lá no Norte? Pode ser que acabasse em desgraceira, mas aqui no Rio isso é muito natural, ninguém mais mata por causa disso. O pessoal aqui fala que a fila anda, não é mesmo? (...) Assino aqui? Tá bom, doutor, assim que o senhor chamar, eu volto. O meu endereço é o da casa do meu primo. Agora não adianta mais mandar para o prédio onde eu trabalhava. Nem sei como vou fazer para receber as cartas que chegam lá. Vou ter de pedir ao primo para ir pegar. Pode ter certeza, doutor, não tive prevenção nenhuma pro que aconteceu. Foi só o acaso. Só roubei ela dele, porque ela quis. Aí aproveitamos a hora em que ele saiu pra comprar cigarro, como sempre faz de manhã, e fugi com ela.

Colhida em
as-borboletas-de-fevereiro.blogspot.com


Um comentário:

  1. Bela pegada. Um toque de humor com muita categoria. Teremos um epílogo? O delegado vai apresentar suas conclusões?

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