(Para Ivo, Chiquinho e Roque, filhos de seu Chico e dona Mocinha, mestres padeiros até hoje em Bom Jesus do Itabapoana.)
Lá pelos anos
cinquenta do século passado, Chico Furtado tinha uma padaria que recendia a pão
duas vezes por dia, na vila. A primeira, logo cedinho, para o café da manhã. E
a segunda, por volta das duas horas da tarde, para aquilo que chamávamos de
café do meio-dia, que era tomado, na verdade, por volta das quatro horas. Mas
valia a expressão e todos a empregávamos.
- Venham tomar
o café do meio-dia, crianças! – dizia mamãe, por exemplo.
A casa em que
morávamos eu e minha família ficava na esquina das ruas Coronel Alfredo
Portugal, avô dos meus amigos Paulo e Élber, e Coronel Antônio Olímpio de
Figueiredo, o Papai Antonico, meu bisavô. Eles viraram nomes de rua ainda em
vida.
A padaria
ficava logo do outro lado, na diagonal, na Rua Coronel Alfredo Portugal, colada
ao único prédio de dois andares – e com marquise! –, que pertencia ao meu
tio-avô Nalim. Na época, ele mandou colocar na parede externa um acabamento de
malacacheta esverdeada, que era a última moda (pelo menos lá para nós).
Por essa
proximidade, não era difícil sentir o aroma do pão quentinho que se espalhava
nas imediações. Confesso que só me lembro do cheirinho vespertino, pois no
primeiro eu ainda estava dormindo.
Além dos pães
de sal – na vila eles não eram chamados de pães franceses, nome sofisticado que
só fui descobrir em Niterói – dessas duas fornadas, brotavam lá de dentro
roscas de vários tipos e alguns pães doces de nomes engraçados: pão tatu, pão
cangalha, pão sovado e pão doce, simplesmente, com aquele açúcar cristal
granulado sobre uma crosta morena untada de manteiga e outro com estrias de
creme desenhadas e saborosamente úmido.
E também
nasciam bom-bocados, mirongas, rabanadas, marons, cocadas, beijinhos de coco e
sonhos, todos eles feitos por dona Mocinha, esposa de seu Chico.
Eu gostava de
tudo, e só não me empanturrava com esses doces, porque o dinheiro era regrado,
difícil de ganhar.
Meu pai tinha
uma pequena venda de secos e molhados, na parte da frente da casa, que
sustentava a família de então quatro filhos – além de mim, Guth, Elisa e
Cristina –, com os apertos naturais para a ocasião. Às vezes, para reforçar o
almoço ou o jantar, ele ia pescar nos valões e rios próximos à vila, de onde
sempre trazia algum peixe. Meu pai era um exímio pescador.
Contudo, sempre
que possível, ele me dava uma moeda de cruzeiro, o velho dinheiro criado
durante do governo Getúlio Vargas, para que eu fosse até a padaria de seu Chico
Furtado comprar alguma guloseima. E, embora gostasse de tudo, como disse, no
bit de minha memória de menino ficou guardado, com um jeitinho mais forte de
interior, o sabor da mironga de dona Mocinha.
A mironga, para
os que não sabem, é uma espécie de pudim de pão, um pouco menos doce, sem
calda, e era feita com o aproveitamento dos pães dormidos da padaria. Uma forma
de não se desperdiçar alimento.
Embebiam-se os
pães em leite e, assim que ficavam molinhos, eles eram desfeitos à mão.
Grosseiramente desfeitos. A seguir misturavam-se ovos, açúcar e manteiga, e
punham-se cravo da índia e uns pauzinhos de canela para apurar o sabor, receita
que até hoje minha mãe também faz. A massa era deitada em uma forma untada e
levada ao forno.
Tão logo
estivesse assado, o conteúdo do tabuleiro era cortado em fatias quadradas, com
a altura de dois dedos de menino, as quais se exibiam na vitrine do balcão.
Não duravam
muito ali aquelas fatias de infância. Como, aliás, a própria infância não dura
muito no tempo, senão na nossa memória empedernida de bicho do mato.
Tal qual na padaria de d. Dulce, lá em Calçado. Mas uma correção, nós não dizíamos pão sovado, mas salvado!
ResponderExcluirComi mironga do Celestino pensando que fosse pudim. Mas... dava no mesmo.
ResponderExcluirSaiu anônimo aqui para mim. Mas é bom dizer que mironga e pudim de pão são ligeiramente diferentes. Digamos que a mironga seja mais rústica, e o pudim, mais refinado.
ExcluirD. Mocinha era pequeninha. A filha dela Catarina era minha madrinha. Também já comi muitas guloseimas feitas pelas mãos deles. O canudinho era umá delícia. Com recheio de leite condensado com cocô.O tempo bom.Saudades de tudo isso.
ExcluirFoi realmente um tempo de felicidades.
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