10 de abril de 2012

ÓPERA BUFA EM TRÊS ATOS RIDÍCULOS - 2º ATO

SAIU PARA COMPRAR CIGARRO, E FUGI COM O PORTEIRO

Imagem em bymk.com.br
Doutor, como é que eu posso saber, deitada aqui nessa cama de hospital, das verdadeiras intenções do Osvaldo? Sei lá! Não sei se ele quis me atropelar mesmo, eu e o Marinaldo. É... esse é o nome do rapaz. Ele era o porteiro do prédio onde nós moramos, numa ruazinha sem saída. Acho que tem uns sete/oito anos que ele trabalha lá. Foi o próprio Osvaldo quem contratou. Bem, a história é a seguinte. Vou ser sincera com o senhor, pra ajudar na investigação. O Marinaldo foi trabalhar lá e eu nem notava. Pra mim, era só o empregado do prédio. Aliás, um bom empregado, sempre solícito com todo mundo. Depois de certo tempo... não sei se quatro ou cinco meses que ele já estava lá... Pois bem, depois desse tempo, teve um dia que eu estava chegando da feira, que é armada toda sexta na pracinha próxima, eu vinha com a sacola cheia de frutas e legumes, fazia um calor terrível, e quando cheguei na portaria o Marinaldo se ofereceu para me ajudar a subir com a sacola. Não sei se o senhor sabe, mas no nosso prédio não temos elevador. É um prédio antigo, só de quatro andares e eu moro – ou morava, não sei bem – no 401. Bem, então, ele se ofereceu e eu aceitei, até porque o calor estava muito forte e tinha ainda que subir três lances de escada. O Marinaldo pegou a sacola e foi me seguindo, escada acima. Eu na frente e ele atrás. De vez em quando, eu passava um lenço pelo rosto e pelo pescoço, para secar um pouco o suor. De repente, notei a respiração do Marinaldo um pouco ofegante, esquisita, como se estivesse afrontado. Aí me virei para ver, e os olhos de Marinaldo miravam direto minhas pernas. Como eu estava vestida? Sim, veja o senhor: como era tempo de calor – acho que dezembro, um pouco antes do Natal, duas semanas, para ser mais precisa – e o sol andava muito forte, botei uma blusinha de alça rolotê, de malha branca, debruadazinha de renda grega, com detalhes bordados clarinhos, e uma bermuda. Como era a bermuda? Bem, doutor, a bermuda era... como eu posso dizer?... era curtinha e apertada. A cor? Era jeans. Era uma que o Osvaldo tinha comprado pra mim, pra gente ir à feira de São Cristóvão dançar forró. Tinha detalhes em metal. É... ele gostava que eu andasse assim, bonita. Ele dizia que eu tinha o corpo bonito. Isso não sei dizer, não, senhor. Acho só que ele tinha orgulho, queria mostrar pros outros que a mulher dele era bonita. Ah! doutor, gostosa não sei, não! Isso é o senhor que está dizendo... Então, desculpe! Pois bem, doutor, voltando à escada. Aí falei com ele: que é isso Marinaldo, se aproveitando para olhar as minhas pernas?! Falei firme com ele, mas sem grosseria, doutor, porque sou mulher de linha, sou mulher fina. Detesto barraco! Ele ficou encabulado, baixou os olhos, e continuamos a subir. Quando cheguei ao apartamento, pedi que ele entrasse, para colocar a sacola sobre a mesa, e aproveitei para oferecer um copo d’água gelada, porque, como eu disse, estava muito quente. Não, senhor, nessa hora o Osvaldo não estava em casa. Acho que ele tinha ido à cidade, resolver uns problemas lá na repartição. Ele já tinha pedido aposentadoria, e a coisa andava meio enrolada. É... às vezes, ele demorava sim, quando ia resolver esses problemas. Só voltava à noitinha. Pois, então! O Marinaldo aceitou o copo d’água e, na hora em que foi pegar, segurou também os meus dedos no copo. Aí, doutor, correu um calafrio na minha espinha, de baixo em cima, que me deu um tremelique na carne. Fiquei toda arrepiada e ele notou logo. Ué, e não estava fazendo o calor que eu disse pro senhor? Ele falou: “Desculpe, dona Lourdes, mas a senhora me deixa doido, desde que comecei a trabalhar aqui. Não tem um dia que eu não fico torcendo pra senhora precisar de mim. Seu Osvaldo que me perdoe, mas a senhora é muito jeitosa, dona Lourdes”. Agora eu pergunto uma coisa ao senhor, doutor: que mulher pode ficar insensível a uma declaração dessas? Só se estiver morta e enterrada! Detalhes, doutor? É melhor, não! Só digo ao senhor que o nosso caso começou ali mesmo na cozinha, no meio das frutas e legumes frescos. Não, nós não temos filho. O Osvaldo é estéril, oco, como ele diz. Ele é quase vinte anos mais velho do que eu. Trabalho fora, sim! Não, não é na mesma repartição dele, mas é também do governo. É na Secretaria de Obras. Ainda falta um bom tempo para me aposentar. Conheci o Osvaldo num curso que fomos fazer na antiga ESPEG, ali em frente ao Shopping Rio Sul. Ele, já, mas eu era solteira; eu era novinha na época. Acabou ficando viúvo, porque a ex-mulher dele morreu atropelada por um ônibus da linha Caxias-Praça Mauá. Já tem bem uns quinze anos que nos casamos. Com o Marinaldo? Começou por essa época – quer dizer, quase oito anos – e, cada vez, a gente estava mais apaixonados. Ah! isso é com o Marinaldo! Pelo menos, ele sempre me disse que não tem ninguém, que não deixou ninguém lá na Paraíba, de onde ele veio. É... eu sou um pouquinho só mais velha do que ele. Tem de dizer a idade mesmo, doutor? Tá bem: quarenta e três. Mas aqui deitada nessa cama de hospital, sem cuidados, o senhor pode pensar que tenho mais, mas é só isso mesmo. Quando me arrumo, até pareço mais moça. Marinaldo tem trinta e cinco. Gosto, sim, doutor; estou apaixonada nele. Aí, quando chegou ontem, me preparei para fugir com ele, assim que o Osvaldo saísse para comprar cigarros no botequim, em frente à pracinha. Ele se demora sempre lá. Fica batendo papo com os amigos, tomando cafezinho. Não, cerveja e conhaque ele só toma nos fins de semana, a partir da sexta-feira, no fim da tarde. Diz ele que é para botar uma regra na vida, senão se descontrola. É um bom marido, sim, doutor, não posso negar. Não, não falta nada em casa. Sexo?! Assim o senhor me deixa constrangida, doutor. É... lá uma vez ou outra. Sabe, ele já está com certa idade. É... mais de sessenta. Sessenta e dois, eu acho. Eu? Não é para me gabar, não, doutor, mas estou com tudo ainda. Posso lhe dizer que estou na plenitude da minha sexualidade. Sim! Voltando à história. Aí, quando vi que ele tinha saído para o botequim, peguei a mala que já estava arrumada embaixo da cama, pus um vestido vermelho bonito... É, foi o Osvaldo que me deu. E chamei o Marinaldo pelo interfone, para pegar a mala. Deixei o bilhete no para-brisa do carro e o Marinaldo deixou outro na portaria. Era para ele não sair por aí feito um louco, me procurando por todos os lugares, pensando em sequestro, assassinato, essas coisas. O senhor conhece aquela música do Adorinan Barbosa, Apaga o fogo, Mané? Era mais ou menos assim que eu pensei. Pelo menos, ele não ia se desesperar por uma coisa que não era. Não... ele nunca desconfiou. O Marinaldo sempre tratou o Osvaldo com todo o respeito. Nunca discutiram por nada. Eles se davam muito bem, sim senhor! Não... a minha vida não era ruim com o Osvaldo, mas faltava alguma coisa, doutor. Faltava emoção, aventura, prazer. É... também: sexo mais legal, essas coisas que o senhor deve saber. O Osvaldo sabe também, mas marido se acomoda. Pensa que a mulher está num escaninho, como se fosse uma velha pasta de anotações. De vez em quando, pega para folhear. Tá bem, doutor. Aí saímos rapidamente e estávamos indo para um ponto de táxi que fica perto do sinal, a três ruas da ruazinha onde moro. Na hora de atravessar o sinal, veio aquele carro em desabalada corrida e quase me pegou de frente. A sorte é que a mala estava sendo empurrada e foi ela que sofreu os danos. Eu trisquei a lateral do carro e caí no chão. O vestido ficou todo rasgado, mas eu acho que não quebrei nada. Os médicos me colocaram umas ataduras e disseram que não houve fratura nenhuma. Ah! o Marinaldo se atrasou um pouquinho e não sofreu nada, na hora. Só depois que o carro passou é que percebi que era o Osvaldo. O Marinaldo acha que sim, mas eu não sei se ele ia querer atropelar a gente. Sim! Ele sempre foi um homem pacato, incapaz de levantar a voz, mostrar ódio de ninguém. Bem, agora não sei. Pode ser que ele esteja com ódio de mim. Não vou poder voltar para casa. Eu quero ir com o Marinaldo. Mas o que importa, doutor? Adultério não é mais crime, não é mesmo? E eu estou apaixonada pelo Marinaldo. Acho que vou ficar em observação até amanhã. Se o senhor quiser, passo na delegacia para assinar. Está bem, doutor, assim que estiver boa, passo lá. Não vai demorar, já que não quebrou nada. O Marinaldo pode ir comigo à delegacia? Tá bom, doutor! É... eu só quero ser feliz e aí aproveitei que ele estava indo comprar cigarro, para fugir com o Marinaldo. Acho que isso não é nenhum crime, não é mesmo?

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