19 de abril de 2012

CRÔNICAS DE NÁRNIA, ALIÁS, DE MIRACEMA

Igreja de Santo Antônio, Miracema-RJ (imagem em ferias.tur.br).

As coisas, ultimamente, andam tão esquisitas em Miracema, que fui levado ao equívoco no momento de dar o título a esta crônica.

A antes tranquila e quase bucólica cidade agora anda sofrendo as cólicas (para fazer um trocadilho torpe) de cidade grande. Após o aperto que a polícia deu aos criminosos em algumas favelas (Comunidade é termo politicamente correto, a ser usado quando estiver tudo às mil maravilhas.) da capital, a coisa desandou por lá.
Pelo menos uma vez por mês, eu e minha mulher vamos até a cidade, para ver como está a situação de seus pais, já dos noventa em diante. Fora isto, ela telefona diariamente e se põe, deste modo, a par de tudo que ocorre em sua casa e nas imediações. Miracema não é uma cidade assim tão grande, que não se possam ter informações sobre quase todos os seus habitantes.

Começou por informações de relatos acerca de furtos de objetos de áreas externas da casa de seus pais e de vizinhos: botijões de gás, cadeiras, ferramentas, escadas, dentre outros.
Pelos jornais, vimos notícias de ações mais violentas, como assaltos a casas comerciais de pequeno porte e residências, inclusive com agressões físicas a moradores.

Há residências, por exemplo, que já foram roubadas por duas e três vezes.
Por tudo isso, espalhou-se por Miracema um pânico na população, que optou por gradear portas e janelas. A cidade está transformando suas casas em prisões domiciliares. O cidadão de bem se prende e deixa a cidade livre para a ação da bandidagem.

Apesar de toda a neurose e de todo o medo que tomaram conta dos miracemenses, há casos interessantes e engraçados.
Um deles é o de uma moradora das vizinhanças de meu sogro, Silvana. Ela acorda no meio da madrugada, sobressaltada por um barulho no seu quarto. Quando abre os olhos, dá de cara com o ladrão, de pé, apenas contornado pela fraca iluminação que atravessa os vidros da janela.

- Que é isto, meu Deus? O que está acontecendo? - grita ela, sem entender completamente a situação.
O gatuno, calmamente, lhe diz:

- Pode ficar tranquila, dona! Já peguei o que queria e já estou indo embora. Sem estresse!
Candírio, competente mecânico das antigas, conseguiu descobrir o autor do furto de algumas de suas ferramentas. Segurou o rapaz pelo colarinho e o obrigou a ir até sua casa, a fim de tentar recuperar seus instrumentos de trabalho. Não encontrou nada. Aliás, na casa do ladrão viciado em crack, não há nem portas, janelas ou caixonetes. Ele vendera tudo, para manter o vício.

Já com Bolinha, caminhoneiro corpulento e disposto, é que se deu caso mais esquisito.
Tendo percebido que havia homem estranho em casa, conseguiu atracar-se com ele e dominá-lo. Amarrou-o com cordas, jogou-o sobre a carroceria do caminhão e o levou até a delegacia, que não fica distante de sua residência.

Apresentou o meliante aos solavancos ao policial de plantão:
- Esse miserável entrou em minha casa para roubar e o prendi.

O policial, naturalmente irritado por ter sido incomodado àquela hora da madrugada, lhe diz na lata:
- Quem é o senhor para prender alguém? Que autoridade o senhor pensa que é, para julgar que pode pender um e outro por aí? O senhor sabe que eu posso lhe prender por isso? Desamarre já o cidadão, senão quem vai pra trás das grades é o senhor!

- Mas ele entrou na minha casa para roubar! - disse Bolinha meio abobado com a postura da otoridade.
- Isto é o senhor que está dizendo. Solte o cidadão imediatamente!

Sem alternativa, Bolinha desamarrou o ladrão e disse:
-Aqui, seu ladrão, quando o senhor quiser, pode voltar lá em casa, para roubar à vontade. Não vou mais incomodar. E me desculpe!

Então o policial cresceu em sua já vasta autoridade e ameaçou:
- O senhor está querendo ir preso agora, por zombar da minha autoridade? Posso trancafiá-lo por desacato!

Mais uma vez, Bolinha curvou-se diante do representante da ordem e da lei, pegou sua corda para não ter prejuízo nenhum, entrou no caminhão e retornou a casa. E não mais pregou os olhos naquela noite e em algumas posteriores.
A situação tinha mais poder que o energético que a moçada toma, a fim de aguentar virar a noite na balada.

2 comentários:

  1. O nosso maior problema, Mestre, que vasta parte nossas "otoridades" também são gatunos! Federais, estaduais e municipais....Saco!

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