30 de abril de 2011

À MINHA MÃE

(À minha mãe Zezé, pelos seus 85 anos hoje.)

ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração?
não só, mas também?
não tanto, mas, porém
é ter além da dor do parto
a obrigação de encher o prato,
lavar o prato,
enxugar o prato.
além disso e além daquilo,
revelar no trato diário
uma disposição de enfrentar
o restante do dia:
lavar a roupa,
enxaguar a roupa,
passar a roupa.
depois, rouca do calor do engomador
misturado a um copo d’água fresca da talha de barro,
convocar o filho moleque ainda
ao banho, ao uniforme, à escola.
preparar a matutagem na sacola
que ele, menino, leva ao passeio.
ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração?
não só, mas também!
é fingir que não chora quando está chorando,
porque o filho se apavora com lágrima de mãe.
é pegar no chinelo e, entre um ou outro sorriso amarelo,
esfregar a bunda do arteiro,
enquanto o outro, matreiro, a um canto,
espera sua vez.
ser mãe, dirão talvez, é desdobrar fibra por fibra o coração!
então ser mãe é padecer no paraíso,
ser mãe é ter o avental todo sujo de ovo.
será ser mãe só isso?
e o compromisso próprio do ser mãe?
e as vicissitudes próprias do ser mulher?
e o ter de fazer pé de moleque para a venda
(outra mãe diversa talvez não entenda!),
ao preço de um cruzeiro (dos antigos)?
o verificar o amigo do filho?
o preparar o milho cozido
para se tomar com café?
é... ser mãe não tem nada a ver com o poeta!
mas quantas mães, como agora,
perdem a sua hora, lendo algumas bobagens,
no seu dia, no seu aniversário,
e se deixam enganar?...
e se deixam enganar porque amam, por certo,
naquele amor sentido
cada vez que o filho parte,
mesmo para perto, ou para longe.
ser mãe é padecer no paraíso?
mas e as mães com esquistossomose,
com trombose, arteriosclerose,
pielite, colite, nefrite,
poliomielite, coqueluche,
caxumba, sarampo, catapora,
difteria, aerofagia, blenorragia,
coisas assim que o filho,
durante a vida sonhada,
pode oferecer-lhe em troca?
mas e as mães cujo seio murcho
não sacia a sede vária do menino
que apresenta os intestinos constipados
por falta de alimentação, bucho inchado
por bichas em quantidade?
ser mãe, mãe,
é ser mão e pé, ventre e coração
do filho.
é ser viço e feitiço quando há tristeza,
é ser va-ve-vi-vo-vu quando há livro,
é ser vivo, sempre-viva,
é ser vida, quando há comida.
ser mãe é serviço, serva, servida,
assim um objeto de mil e uma utilidades.

(Obs. Este poema foi escrito na década de setenta, por ocasião do Dia das Mães, e enviado à destinatária a quem está oferecido acima. O verso final é alusão a uma frase de meu pai, ao observar quanto os filhos exigiam de sua mãe: "Mãe é um objeto de mil e uma utilidades, como o Bombril.")

Minha mãe Zezé, cercada pelos filhos, no lançamento de
seu livro de poemas Reino dos sonhos, em Bom Jesus do
Itabapoana, em agosto/2010, durante a Festa de Agosto.
Foto de Lívia Portes.

3 comentários:

  1. Um bonito poema e uma bela homenagem às mães.
    Perdi a minha, tinha eu 3 anos! Não obstante ter sido criado com muito carinho, amor e afecto pela minha tia, nunca me conformei com a injustiça de a ter perdido sem, praticamente, a ter conhecido!

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