O desembestamento que se apossou de Jurema, no quesito saliência, foi de tal envergadura, que nem o borracheiro da esquina, seu noivo apalavrado há mais de cinco anos e com sérias intenções de casamento, teve competência para segurar as necessidades da moça, motivo pelo qual desistiu da oficina de remendos e vulcanizações, para nunca mais ser referido por fofocas e diz que diz.
A mãe de Jurema, ao tomar pé da situação da filha, ligou para Marlúcia, para saber o que houvera, a fim de providenciar a melhor conduta no intuito de pôr cobro naquilo. Contou, com todas as minudências, como a filha se comportava, após voltar do interstício em sua casa. Muito preocupada, a amiga disse à mãe de Jurema que iria ter conversa séria com o dono do terreiro, para levantar as prováveis causas do comportamento da amiga, ele pai de santo de certo conceito nas redondezas. A mãe, dona Carmosina, que tentasse segurar Jurema por dois ou três dias, pois, tão logo tivesse aconselhamento, passaria tudo para ela. Foi o que disse Marlúcia, ao final da conversa.
Marlúcia foi até o terreiro, apenas na condição de vizinha, sem marcar consulta de búzios e guias. Tudo o que dona Carmosina lhe disse repassou ao pai de terreiro. Ciente da situação em todos os seus detalhes, ele foi conclusivo:
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Num prazo de menos de vinte e quatro horas, Jurema estava diante do homem. Manifestado pelos sete lados, mais cercado que aposta de jogo do bicho, invocou as potestades mais poderosas para desencastoar a pombagira da moça. E, só após virar duas garrafas de pinga e fumar outro tanto de charutos, a poder de defumadores e amarrados de comigo-ninguém-pode e cipó-mil-homens, é que conseguiu esconjurar a possessão inconveniente, instalada nos frontispícios dela. No momento exato em que a incorporação se desfez, a moça caiu desfalecida sobre um desenho do cinco Salomão inserido num círculo no chão do terreiro.
Depois de um canecão de água fria no rosto, Jurema recobrou o tino das coisas e indagou que lugar é esse, o que faço aqui. Marlúcia a levou para casa, onde a cientificou de tudo, do princípio ao fim das artimanhas que aprontara a partir do momento em que fora possuída. Jurema caiu em pranto convulso, até que tudo sossegou entre soluços e sonos. Dormiu durante bom tempo e, ao acordar, era outra pessoa, capaz até de tirar novo cepeefe, novo erregê.
Voltou para casa e comunicou à mãe que, doravante, era evangélica dos quatro costados, decidida a pagar dízimo a pastor espertalhão, para ter direito a quinhão no céu para toda eternidade e se ver protegida de tais incômodos.
No ex-cinema, convertido em local de cultos e descarregos, conseguiu noivo devoto, após dar seu depoimento diante de toda a assembleia reunida. O rapaz encantou-se com sua história, porque vivera experiência semelhante. Só que sua possessão foi um tal de Zé Pelintra, do qual jamais tinha ouvido falar, e também nas imediações do mesmo terreiro, no momento em que tomava uma cervejinha inocente no botequim do lado oposto ao da casa de Marlúcia.
Jurema contou para a amiga o que acontecera com seu recém-noivo, Odir, e achou perigoso para ela a vizinhança com o terreiro. Marlúcia deveria tomar cuidado, porque os orixás estavam desgovernados naquele local.
Sem querer correr maiores perigos, Marlúcia voltou ao pai de santo e comunicou essa outra novidade, exigindo dele que calafetasse sua casa de santo contra qualquer tipo de extravasamento. Usasse o que fosse necessário, mas não queria acordar um dia possuída por espírito mal-vindo. Senão iria até a delegacia pedir reforço policial, a fim de sustar qualquer possibilidade de uma invasão indesejada em sua pessoa ou em sua casa.
Como nada foi feito no prazo estipulado por Marlúcia, Jurema e Odir levaram toda a irmandade, para fazer uma limpeza em regra do ambiente, a poder de exorcismo e abraço evangélico no território dos exus, tudo sob a coordenação do pastor Jeremias Muzenza, também recentemente convertido na fé de Cristo. Saravá!
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