17 de abril de 2011

JUREMA

Jurema foi passar uma temporada em casa de Marlúcia, que fazia fronteira seca com um terreiro de macumba mal gerenciado, e voltou para casa, duas semanas depois, com uma pombagira de frente instalada em sua pessoa.

O desembestamento que se apossou de Jurema, no quesito saliência, foi de tal envergadura, que nem o borracheiro da esquina, seu noivo apalavrado há mais de cinco anos e com sérias intenções de casamento, teve competência para segurar as necessidades da moça, motivo pelo qual desistiu da oficina de remendos e vulcanizações, para nunca mais ser referido por fofocas e diz que diz.

A mãe de Jurema, ao tomar pé da situação da filha, ligou para Marlúcia, para saber o que houvera, a fim de providenciar a melhor conduta no intuito de pôr cobro naquilo. Contou, com todas as minudências, como a filha se comportava, após voltar do interstício em sua casa. Muito preocupada, a amiga disse à mãe de Jurema que iria ter conversa séria com o dono do terreiro, para levantar as prováveis causas do comportamento da amiga, ele pai de santo de certo conceito nas redondezas. A mãe, dona Carmosina, que tentasse segurar Jurema por dois ou três dias, pois, tão logo tivesse aconselhamento, passaria tudo para ela. Foi o que disse Marlúcia, ao final da conversa.

Marlúcia foi até o terreiro, apenas na condição de vizinha, sem marcar consulta de búzios e guias. Tudo o que dona Carmosina lhe disse repassou ao pai de terreiro. Ciente da situação em todos os seus detalhes, ele foi conclusivo:

Colhido em bolsademulher.com.
- Então foi isso que aconteceu! Jurema pegou a pombagira. Dei por falta dela aqui em minha casa, sem saber seu paradeiro. Nunca poderia imaginar que ela tivesse incorporado em sua amiga, que nem aqui veio. Acho que estou meio descalibrado nos artifícios. Mas traz a moça aqui, o mais rápido possível, que preciso fazer um trabalho de peso, pior que ordem de despejo lavrada por juiz togado.

Num prazo de menos de vinte e quatro horas, Jurema estava diante do homem. Manifestado pelos sete lados, mais cercado que aposta de jogo do bicho, invocou as potestades mais poderosas para desencastoar a pombagira da moça. E, só após virar duas garrafas de pinga e fumar outro tanto de charutos, a poder de defumadores e amarrados de comigo-ninguém-pode e cipó-mil-homens, é que conseguiu esconjurar a possessão inconveniente, instalada nos frontispícios dela. No momento exato em que a incorporação se desfez, a moça caiu desfalecida sobre um desenho do cinco Salomão inserido num círculo no chão do terreiro.

Depois de um canecão de água fria no rosto, Jurema recobrou o tino das coisas e indagou que lugar é esse, o que faço aqui. Marlúcia a levou para casa, onde a cientificou de tudo, do princípio ao fim das artimanhas que aprontara a partir do momento em que fora possuída. Jurema caiu em pranto convulso, até que tudo sossegou entre soluços e sonos. Dormiu durante bom tempo e, ao acordar, era outra pessoa, capaz até de tirar novo cepeefe, novo erregê.

Voltou para casa e comunicou à mãe que, doravante, era evangélica dos quatro costados, decidida a pagar dízimo a pastor espertalhão, para ter direito a quinhão no céu para toda eternidade e se ver protegida de tais incômodos.

No ex-cinema, convertido em local de cultos e descarregos, conseguiu noivo devoto, após dar seu depoimento diante de toda a assembleia reunida. O rapaz encantou-se com sua história, porque vivera experiência semelhante. Só que sua possessão foi um tal de Zé Pelintra, do qual jamais tinha ouvido falar, e também nas imediações do mesmo terreiro, no momento em que tomava uma cervejinha inocente no botequim do lado oposto ao da casa de Marlúcia.

Jurema contou para a amiga o que acontecera com seu recém-noivo, Odir, e achou perigoso para ela a vizinhança com o terreiro. Marlúcia deveria tomar cuidado, porque os orixás estavam desgovernados naquele local.

Sem querer correr maiores perigos, Marlúcia voltou ao pai de santo e comunicou essa outra novidade, exigindo dele que calafetasse sua casa de santo contra qualquer tipo de extravasamento. Usasse o que fosse necessário, mas não queria acordar um dia possuída por espírito mal-vindo. Senão iria até a delegacia pedir reforço policial, a fim de sustar qualquer possibilidade de uma invasão indesejada em sua pessoa ou em sua casa.

Como nada foi feito no prazo estipulado por Marlúcia, Jurema e Odir levaram toda a irmandade, para fazer uma limpeza em regra do ambiente, a poder de exorcismo e abraço evangélico no território dos exus, tudo sob a coordenação do pastor Jeremias Muzenza, também recentemente convertido na fé de Cristo. Saravá!

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