20 de abril de 2011

TRÊS CAUSINHOS DE MINAS, SÔ!

Minha dileta amiga Cleia, mineira das quatro costeletas de porco, ou melhor, dos quatro costados, companheira das horas amargas e alcoólicas (jiló com pinga e cerveja), contou-me estas histórias que repasso a vocês.

Depois de morar algum tempo em Niterói, Cleia voltou a sua terra natal nas Minas Gerais, Visconde do Rio Branco, às margens do Rio Xopotó.
A folhinha debulhava os anos oitenta; mais bem mirado, o de 1988.
Como se habituara às coisas da beira mar, se desabituara das coisas das alterosas, até mesmo do jeito peculiar e bonito de o mineiro falar. Hoje retomou tudo o que tinha esquecido, durante o período em que frequentou as praias e as maravilhas do Rio de Janeiro e derredores, aí incluídos a buchada de bode e o baião de dois da barraca do Gostosão, em Duque de Caxias. Está com a vida novamente devotada à galinha com quiabo, ao tutu com torresmo e ao chouriço frito.
Funcionava à época em sua terra, a pleno vapor, o Cine Brasil, hoje desativado e, segundo minha amiga, ainda felizmente não transformado em igreja. Tinha a divulgar as películas que levava à sua tela de causar inveja a Guiricema, São Geraldo, Guidoval, Divinésia e até Ubá, terra de Ari Barroso, um jipe velho apetrechado de uma parafernália sonora, que anunciava as sessões regularmente, com as informações necessárias a que os cinéfilos se desvencilhassem de qualquer preguiça e acorressem à sala de projeções.
O locutor que gravava a propaganda fazia questão de caprichar na voz grave e na pronúncia clara, de forma a não deixar dúvidas a quem o ouvisse.
Certo dia, lá vai o jipe a percorrer as ruas da cidade, despejando no ar o chamariz para mais uma superprodução de Hollywood, naquele jeito familiar a todos:
- Fãs da Sétima Arte, não percam hoje, no Cine Brasil, às vinte horas, mais uma superprodução cinematográfica de ficção científica que mistura ação e suspense: O Exterminador do Futuro, magistralmente estrelado por Arnoldo Suasnega*.
Atualmente, com o advento da doutrina do politicamente correto, o locutor talvez tivesse dificuldades para pronunciar o diabo do nome do ator. Vai ser complicado assim no raio que o parta!
De outra feita, comandava ela o programa Tempero Brasileiro de música popular na rádio local, a Cultura. Sua programação primava pela excelência, já que levava ao ar, na potência dos cinquenta quilos da antena da emissora, a nata da MPB, área de seu grande conhecimento. Não obstante isso, uma ouvinte malcriada rabiscou-lhe bilhete dizendo que “ela (Cleia) pensava que a rádia era dela, mas ela não era dona da rádia”. Outra ouvinte, das roças próximas da cidade, enviou-lhe carta de protesto, escrita numa folhinha de caderno Avante já amarelada, na qual dizia: "Num vô gastá pia do meu rádio pra ovi essas porcaria que ‘ocê toca aí. Si ainda tocasse a Moda da mula preta ou Tião Carrero e Pardinho eu perdia meu tempo com ‘cê. Do jeito que tá, num dá!".
E condenou de Alceu Valença a Zé Ramalho, passando por Elis Regina e Djavan, por Chico Buarque e João Donato, tudo taxado de porcaria. Inclusive os mestres Pixinguinha e Tom Jobim.
Outra envolve seu pai, já falecido, Francisco, de batismo, popularmente conhecido com Chico Tristão. Era ele carpinteiro e carapina conceituado na região, fazedor de carro de boi, dentre outras obras de menor e maior vulto, muito requisitado por suas habilidades.

Lá uma vez, o prefeito da vizinha cidade de Guiricema encomendou-lhe um carro de boi novo para sua propriedade. No entanto não lhe pagou a entrada para o início do trabalho, como o combinado e a praxe.
Passado um mês, chega o ilibado homem público a sua oficina de madeiras e formões e o encontra na feitura da mesa de um carro. Julga que é a sua e já vai indagando se o prazo da entrega será cumprido. Como ouve, em resposta, que se trata de outra encomenda e que a dele estava aguardando pagamento do sinal, para seu início, toma aquilo como ofensa à autoridade pública e passa a destratar seu Chico.
E para não deixar dúvidas no ar, diz para o artesão, em alto e bom som, em feitio de arremate à sua diatribe:
- Eu sou o prefeito de Guiricema!
Seu Chico, homem sistemático do interior, que tinha a palavra como valor, soprou seu curto pavio e gritou nas fuças da autoridade:
- Prefeito de Guiricema e merda, pra mim, é a mesma coisa!
Carro de boi, com os
fueiros fincados na mesa
(imagem em overmundo.com.br).
E passou a mão num fueiro ao lado e investiu contra o alcaide, que fugiu assim que recebeu as primeiras bordoadas na cacunda. Sua Excelência aproveitou a oportunidade também para se esquecer da encomenda indigesta.
Vai mexer com quem está quieto!

(*Arnold Schwarzenegger.)

4 comentários:

  1. Hihihi...rachei de rir, principalmente com as " bordoadas na cacunda"...hihihi...

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  2. A ouvinte desaforada deve ser parente de um conhecido meu que não larga o seu "raido" de pilha e nunca se deu ao trabalho de assistir um filme que seja do Arnaldo e Suas Negas. Brinque!

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  3. Chegando pra conhecer seu espaço, vou passear e depois volto
    com calma pra comentar.

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