29 de abril de 2011

BOI BRAVO NÃO MANDA RECADO

Em algum dos escritos aqui postados, afirma-se que um dos maiores medos a assolar a vila de Carabuçu, antiga Liberdade, era o de boi bravo.
Ao passar um boi bravo pelas ruas, era como se, de imediato, fosse decretado feriado nacional, com luto fechado pela morte de alguém importante: todas as casas, de família e de comércio, cerravam suas portas.
Na minha casa, lembro-me muito bem, inclusive a janela lateral era fechada. Penso que minha mãe tinha medo até do bafo do boi, que parecia uma coisa pestilenta a feder a enxofre, aparentado do capiroto.
Normalmente o animal era levado para o matadouro, que ficava do outro lado do valão e cujo acesso se dava exatamente pela rua onde fica a casa em que morávamos. Viesse ele dos lados do Jacó ou da Fazenda da Liberdade, necessariamente passaria por aquela rua.
Sempre sabíamos que viria bicho com tal comportamento. É que um burburinho progredia como uma ola, até chegar ao ponto onde estávamos. Um dia, no entanto, calhou de não  haver qualquer aviso de que mais um boi iria cruzar as ruas até o matadouro.
Por isso é que, na maior compunção, seguia em direção ao cemitério, numa tarde de primavera, cortejo levando o caixão do Zé Rufino, que tinha dado baixa nas contas terrestres, por motivo de uma pontada forte na aba do peito, de não dar tempo nem de tomar o copo de aguinha fresca da talha trazido pela mulher.
Quando o cortejo virou a esquina e entrou na rua Cel. Antônio Olimpio de Figueiredo, saindo da rua Cel. Alfredo Portugal, deu de cara com um bovino de mau temperamento e já por demais estressado, que manifestava pelas ventas todo o ódio contra o gênero humano.
Naquele momento, os carregadores do caixão, como que coreografados, arriaram a peça recheada no chão de paralelepípedos e, juntamente com os demais acompanhantes, correram a se esconder em portas ainda abertas das vendas, das quitandas, barbearias e casas de família que por ali ficam.
Em oblogdoroberto.zip.net.
O boi imediatamente começou a cheirar o caixão, a girar em torno dele, raspando as patas no chão, bufando ferozmente, dando cabeçadas, como querendo desalojar daquele invólucro seu habitante abandonado à própria sorte.
Com muito trabalho, os boiadeiros que o conduziam jogaram-lhe o laço nos chifres e o arrastaram dali, a fim de que Zé Rufino, antigo magarefe chefe do matadouro da vila, pudesse enfim descansar na paz do cemitério.
O boi sentiu ali que aquele defunto já havia mandado muitos irmãos seus para as panelas e frigideiras dos moradores da vila, em forma de acém, costela, pá, alcatra, contrafilé, peito, rabo, mocotó, chã, lagarto, músculo, paleta, aba de filé, maminha, patinho, picanha, etc. e tal.

(Agradeço ao primo Roberto Assis, por me lembrar este sucedido da vila.)

5 comentários:

  1. Muito bom, como sempre. Lá em Calçado ocorria o mesmo, o matadouro ficava na rua da casa de meu avô, Djalma, que ficava vigiando a gente na rua, com medo dos bichos.

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  2. Cenas que extrapolam o espaço - afinal esta poderia acontecer em qualquer lugar do mundo, à exceção da Índia - tende a também irem além do tempo e tornarem-se lenda, a denotar o quanto tememos a natureza talvez porque a espezinhemos tanto.

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  3. Parece-me que na Vila de Carabuçu, precisam contratar uns pegadores portugueses, para pegar os bois pelos cornos!!!...
    Interessante episódio, Saint-Clair!
    Abraço.

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  4. Rapaz! É como se fosse ontem! Me lembro dos episódios com os bois que eram levados para o matadouro. Era assim mesmo!... Parecia a festa do boi no nordeste, ou mesmo nas ruas de Madri, onde as pessoas costumam proceder vez por outra.

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  5. Isto era mais ou menos comum para nós, naquela época, conterrâneo. Abraços!

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