24 de outubro de 2010

ESTAMOS EXAGERANDO UM POUCO!

Ando um tanto de saco cheio com esse negócio de politicamente, ecologicamente, socialmente, mecanicamente,  periodicamente  correto,  dentre  outros  advérbios  em  –mente que ora não me ocorrem.
No jornal O Dia de ontem, 23 de outubro, há a notícia de que alguém não identificado entrou com queixa-crime contra o galo Natal de propriedade do caseiro Elson Brasiliense, alegando que o bicho canta às quatro e às seis da manhã. Tal atividade, como todos sabem, é característica desse tipo de penoso. Só o local da cantoria é que, como alega o reclamante, não é apropriado: Copacabana. E isso já basta para incomodar!

Até mesmo denúncia de maus tratos ao galo foi feita ao IBAMA, que para lá mandou fiscais que não constataram a veracidade das informações. O código de posturas do município não permite que se criem animais com fins comerciais no bairro. No entanto, Natal é bicho de estimação, a quem seu dono, inclusive, mimoseou com duas fêmeas bonitas e sacudidas. Naturalmente, Natal não virará um brasileiríssimo galo com macarrão, nem um sofisticado coq au vin.
Coitado do bairro de Copacabana! Já foi tão bacana, tão na moda, e agora padece desse tipo de questiúncula. Já há alguns anos também ocorreu semelhante coisa com o grande Darcy Ribeiro e seu galo de estimação. Acho, mesmo, que Darcy preferiu morrer a dar fim a seu bichinho.
No entanto, ninguém, que eu saiba, até hoje entrou com queixa-crime contra o barulho do trânsito, a violência e a sujeira das ruas e o foguetório de fim de ano. Porém o galo, desgraçadamente, é um inconveniente.
Essa conversa toda me fez lembrar a visita que, há muitos anos, meu saudoso tio Herson Schuab fez a Niterói. Depois de conhecer a cidade e seus lugares mais interessantes, falou do alto de sua experiência de homem da roça:
- Jamais ia querer morar aqui em Niterói. Aqui não se pode pisar na grama. Lá na roça, piso à vontade, sem ninguém reclamar.
Mas o interior também já está entrando nessa paranoia.
No princípio do ano, ocorreu em Bom Jesus do Itabapoana um surto de piriri. Em função da trabalheira que deu acertar os intestinos desregulados de muita gente, segundo as autoridades da área, em função de ingestão de maionese caseira servida nas lanchonetes, o Secretário de Saúde do município determinou a suspensão do fornecimento desse tipo de molho no comércio local. Agora só é possível utilizar-se o produto industrializado, servido em sachês individuais.
Pouco tempo depois, tive o desprazer de constatar também que a velha e boa pimenta, que acompanha muito bem os mais variados tipos de salgadinhos, havia sido proibida. Só aquele insosso molho industrializado, cheio de química, pode.
Entretanto a paranoia atingiu as raias da insensatez. Há cerca de dois meses, fui até um supermercado da cidade, quando lá estive, para comprar, mais uma vez, o bom queijo minas curado Carabuçu, produzido em uma propriedade rural do meu distrito natal. Fui informado, então, de que, também ele, não pode ser mais vendido, porque não passa pelo crivo da inspeção sanitária.
Ora, para quem nasceu na roça, bebeu leite de vaca tirado da teta na hora, comeu carne de porco morto no quintal da casa, chupou frutas colhidas no pé – inclusive goiaba com bicho – e ia descalço até mesmo para a escola primária, isso chega a ser frescura. Vocês podem até contra-argumentar que tudo isso pode gerar problemas. Mas viver é muito arriscoso mesmo!
Aqui o galo não pode cantar; lá em Bom Jesus não se pode mais incrementar um pastel com algumas gotas de molho de pimenta caseira. Como veem, estamos construindo uma sociedade onde qualquer coisa que saia do adverbialmente correto deva ser extinta. Estamos-nos encaminhando para uma sociedade que, embora emporcalhe tudo – é só ver a quantidade de lixo que produzimos e nossos pequenos gestos diários –, quer a assepsia geral como norma.  Como se isso nos absolvesse de todos os nossos outros malfeitos.
(Imagem do galo colhida em eissoeglamour.blogspot.com.)

2 comentários:

  1. É Saint-Clair, chegamos ao tempo da educação por decreto. Não mais se descobrirá o certo e o errado por experiência própria visto que a espontaneidade foi banida do cotidiano.

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  2. Na mosca, só tem um problema: após você dizer que o galo Natal tem duas galinhas, já estão querendo processar o bichinho por bigamia. Ou exportá-lo com sua vistosas penosas para um país muçulmamo.

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