29 de abril de 2012

NOITES SEM SOL


Guignard, Noite de São João, 1961
(imagem em www1.cultura.mg.gov.br).

Dada a minha proverbial preguiça, herança antiquíssima do tempo das caravelas e passada de pai para filho desde 1800 e poucos, resolvi achar um título para esta postagem que não significa nada além do que a palavra inicial já contém, sem depender da locução que lhe vem imediata. Olhem que beleza ficou: noites sem sol.
Ninguém poderá contestar isto. É o óbvio. É o lógico. É o esperado. Não haverá polêmicas, réplicas e tréplicas. Nem mesmo considerações metafísicas ou reparos hegelianos, com viés marxista.
Não darei trabalho à sua inteligência, para descobrir o escondido por entre a trama do discurso. Aqui a comunicação é direta.
Porque blog tem esse problema: se você disser que a Angelina Jolie é uma linda mulher, há um sem número de cidadãos e cidadãs de bofe virado que vai contestar o que você disse. Eles vão alegar o excesso de lábios lindos; o excesso de morenice brejeira; o excesso de... sei lá mais o quê! Certamente até o incontestável que todos vemos.
Por outro lado, se você taxa o Brad Pitt de pitbull horroroso, feio da cabeça aos pés, aí, então, é praticamente crucificado entre os ladrões do Congresso Nacional. Coisa assim muito pesada, de não achar salvação nem em trocentas encarnações.
Por isso é que resolvi dar este título: noites sem sol.
E me lembrei da bela música de Flávio Venturini e Ronaldo Bastos, Noites com sol, cujo título deve ter dado um trabalho do cão. Eles devem ter ficado muitas noites sem sol sem dormir, para pensar num título tão estranho quanto este. Pensem que estamos no Brasil, este “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, em que a natureza funciona mais ou menos sincronizada com o relógio.
Porém me dirão os propagadores do óbvio que, é claro, um dos dois – por exemplo, o letrista/poeta Ronaldo Bastos – deve ter viajado a terras do norte da Europa e constatado o fenômeno. Há, inclusive, excursões já montadas para se admirar este fato extraordinário.
Eu mesmo mal saí de Carabuçu. Ainda que lá não viva desde os primórdios dos 60. E, por todos os lugares por onde ando, sempre acho alguma coisa semelhante à minha terrinha natal. Mesmo em Paris, com sua beleza arquitetônica acachapante, sua história de mais de mil anos, encontrei um cidadão, numa das várias lojas de queijos da cidade, parecidíssimo com o Antônio Turco, um antigo fazedor de fumo de rolo da minha vila. Vejam como o mundo é pequeno: não era ele, mas era ele escarrado e cuspido, como diz o dito atravessado.
Talvez por um atavismo horroroso, que não desgruda da gente por mais que se queira, estamos sempre reconhecendo nossa aldeia nos mais diversos cantos do universo. São as tais raízes. Ou talvez a necessidade de não se perder na vastidão do planeta. Por onde se vá, sempre haverá alguma coisa semelhante ao seu torrão natal, às gentes que lá habitam. E aí ficamos tranquilos!
Certa vez – e foi a primeira em que ouvi isto – meu primo Zé Fábio, mais mocorongo do que eu, tentando justificar seu início mal adaptado a Niterói, pelo início dos 70 do século passado, disse que “às veiz a gente sai do mato, mas o mato não sai da gente”. E falou assim, com a frase estropiada mesmo, para marcar ainda mais este nó duro que se encontra lá no interior de nosso caráter de gente do mato. O que é uma verdade verdadeira – expressão também que gostávamos de repetir, porque lá não conhecíamos a palavra insofismável.
Vejam, então, que fiquei eu, em torno desse título arranjado por minha preguiça, sem falar absolutamente nada, somente para enrolar os meus leitores com uma conversa de cerca Lourenço, um papo furado, um circunlóquio, apenas por um gosto roceiro de puxar conversa fiada e fazer amigos por onde passa.
E, se, por vezes, nos desentendemos ao falar, o que mais cumpre à linguagem é nos acertarmos, nos entendermos e, quem sabe até, nos amarmos como iguais e irmãos.
Por isso é que não falei nada a respeito de noites sem sol. Também não tinha o que dizer. Ou iria chover no molhado. Se é que me entendem!

Um comentário:

  1. Nem precisava falar. Numa boa conversa é bom deixar algo sempre em suspensão. O bom da conversa é a gente tentar encontrar um pouco de sentido para as coisas. Senão ficamos mal acostumados, igualzinho a muitos que conheço que só vão adiante se forem apresentados à bula.

    ResponderExcluir