6 de abril de 2012

NARCISO

não tenho fobia de mostrar-me
apenas vergonha de certa forma vaga e imprecisa
do que possa aparecer.
ninguém talvez tenha interesse
em conhecer-me as entranhas
as partes mais pudendas do meu ser
onde minha vida se organiza.
saber dos meus intestinos? jamais!
a não ser que tenho o delgado o grosso o reto
que chega até onde a anatomia permite
sem constrangimentos nem pecados.
o fígado o pâncreas (será que o tenho?) a vesícula
e outros órgãos mais que não me falam de perto
até o presente instante.
como se pode ver sou um ser normal
como qualquer outro
submetido aos mesmos caprichos
de uma diarreia por exemplo.
a visão que corrigida por duras lentes
satisfaz-me na medida em que me perco com o belo.
entretanto o invólucro
essa parte superficial que nos difere
realmente não me agrada.
no entanto vou levando as coisas como devem
sem me olhar em demasia ao espelho
para não cuspir no que ele obrigatoriamente refletirá.

Salvador Dali, Metamorfose de Narciso, 1937 (Tate Modern de Londres).



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