Uma época, meu filho Pedro tinha lá seus seis/sete anos – hoje é um jovem senhor de trinta e quatro – e sofria uma pressão terrível de meu sogro Beethoven e seus dois tios, Teteca e Dodote, flamenguistas enjoados como é comum, para que bandeasse de camisa e calção para o lado do time da Gávea.
Estávamos em Miracema, eu lia jornal na sala, enquanto ele sofria lavagem cerebral e pressão para trocar de time, na copa.
Lá vem ele em minha direção, pedindo se poderia ser flamenguista. Perguntei-lhe, então, se ele iria deixar o pai sozinho torcendo pelo Botafogo, no meio daquele bando de flamenguistas, e fingi que ia chorar. Ele, condoído, resolveu ficar do meu lado.
Meu sogro, o que mais pressionava, acusou-me de estar fazendo chantagem emocional. Reconheci que estava mesmo – não sou um cretino! –, mas lhe disse que eu merecia essa deferência do meu filho, já que lha pagava todas as contas, cuidava de sua vida e, pelo que eu sabia, ser botafoguense estava no sangue da família, pelo menos desde meu avô paterno, que tinha nascido lá pelo século XIX, talvez antes mesmo de existir o Botafogo.
Voltamos para Niterói. Lá numa bela tarde de sexta-feira, ao descer do ônibus no centro da cidade, meu filho veio com a mesma cantilena ensaiada em Miracema:
- Pai, posso ser flamenguista? Só um pouquinho?
Cara, isso parece vírus de gripe ou coisa mais grave! Tentei argumentar, mas ele me disse que era porque o avô tinha pedido. Sabem como é neto com avô, mesmo sendo este flamenguista!
Relutei um pouco, mas cedi à pressão, para que ele não ficasse ainda mais atormentado. Porém estabeleci uma condição: assim que seu novo time perdesse, ele voltaria a ser botafoguense e nunca mais tocaria no assunto.
- Está combinado assim?
- Está, pai. Se o Flamengo perder, eu volto a ser Botafogo.
Como há coisas que só acontecem ao Botafogo e, por consequência, aos botafoguenses, no domingo seguinte, o depois de amanhã daquela sexta-feira miserenta, o time da Gávea levou uma surra exemplar, não me lembro de para que time, mas isso é o que menos importa para esta história.
Acabado o jogo, exigi dele que imediatamente voltasse ao ninho de onde nunca deveria ter saído.
Pedro nunca mais tocou no assunto e se tornou um dos botafoguenses mais desesperados que já vi torcer.
Hoje leva seus filhos, Gabriela, de seis anos, e Bruno, de dois, a jogos no Engenhão – como eu fazia com ele –, para ensinar também aos pequenos que há certos sofrimentos que dão um prazer danado, como o de torcer por um time que teve Garrincha, Nilton Santos, Didi, Amarildo, Jairzinho, Gérson, Quarentinha, Manga, Marinho Chagas, Paulo Valentim, Afonsinho, Josimar, Zagalo, Paulo César Caju, Roberto, Waltencir, Paulinho Criciúma, Túlio Maravilha, Nilson Dias, Mauro Galvão, Zequinha, Maurício, Donizete, dentre outros, e foi diretamente responsável pelos dois primeiros campeonatos mundiais de futebol da seleção brasileira, os de l958 e l962, pelos craques que forneceu.
Se agora nossa equipe é fraca, é justamente o momento de se fazer com os novos torcedores o que fiz com ele: mostrar-lhes que há certas paixões em nossa vida que nos pedem quase tudo e pouco retribuem. Porém, quando retribuem, o fazem de uma forma avassaladora. E são, certamente, as mais duradouras. Como se fossem nossos filhos, nossos netos!
(Após pedir autorização ao Pedro para postar este texto, ele me respondeu por e-mail: "Apesar de jurar até a morte q a história é mentira, eu autorizo, paizão. Bjs")
Eu não consigo nem imaginar o Pedro torcendo para aquele troço, é uma impossibilidade genética e histórica.
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