Aos vinte e cinco dias do mês de março do ano de mil novecentos e setenta e sete, reuniu-se a Comissão de Inquérito, designada para o fim de apurar o ocorrido num dos corredores do Fórum desta Capital do Estado do Rio de Janeiro, no último dia dezoito próximo passado. Conforme previsto pelas más línguas e colegas fofoqueiras de sempre, deu-se o fatídico encontro entre partes, de um lado, Luzia da Silva Penteado e, de outro, Marielisa de Souza Santos, ambas funcionárias efetivas do quadro de servidores do Judiciário, concursadas e empossadas de acordo com a legislação em vigor. Consta que, saindo a primeira da sala destinada a micção e outras providências orgânicas, após ajeitar o penteado, a fim de sempre fazer jus a seu sobrenome, encontrou-se ex abrupto, na esquina do corredor que demanda a sala da Diretoria do Fórum, com a segunda, que a tal sala se dirigia, com a finalidade de também atender as suas necessidades orgânicas. Tal encontro, no entanto, passou longe de ser uma mera coincidência, como apurado posteriormente ficou, por informações de colegas de trabalho da segunda citada e pela própria, e se constituiu naquilo que vulgarmente se chama, data venia, furdunço. Pega no desaviso, a primeira citada, senhorita Luzia da Silva Penteado, teve seus cabelos agarrados pela segunda, senhora Marielisa de Souza Santos, que, in continuum, começou por arranhar-lhe as alvas faces e a ofendê-la com palavras de baixo calão, que esta Comissão apurou serem “piranha, vagabunda, vaca”, dentre outras que não devem constar desta ata, por motivo de decoro judiciário. Não restou, assim, à primeira – falta de quem as impedisse de dar continuidade àquele dito furdunço, concessa maxima venia –, revidar a agressão, nos mesmos moldes e qualidades, inclusive com utilização de termos que aqui se omitem, por se tratar de adjetivação pesada demais para o dito decoro judiciário. Basta dizer que, em seguimento, rolaram ambas as servidoras pelo chão do dito corredor, aos gritos e impropérios próprios de tais acontecimentos, pelo que acorreram ao local os colegas serventuários que, no momento, se encontravam em suas salas fazendo jus ao múnus público a que se dedicam. Desapartadas as contendoras e levadas à presença do Diretor de Pessoal, apurou-se que o motivo da disputa tinha por nome e sobrenome o até então zeloso serventuário Francisco Garcia dos Anjos que, de fato e de direito, de anjo não tinha nada, visto que, em sendo casado, assim mesmo mantinha consórcio carnal com ditas servidoras, ao arrepio das regras morais impeditivas tanto duma quanto doutra de se darem a tal desfrute; a primeira, porque, dizendo-se evangélica e sendo impedida pelo próprio pai, até aquela altura da vida, de andar de calças compridas ou roupas decotadas, para manter-se casta e recatada, usufruiu dos benefícios carnais que o dito servidor se dispunha a lhe oferecer; a segunda, porque, em sendo casada e mãe de filhos, não se coadunava com sua condição também o desfrute a que se entregou com o tal dito servidor. Chamado a esclarecer pormenores da conduta das duas servidoras, o senhor Francisco Garcia dos Anjos, como sói acontecer, eximiu-se de qualquer responsabilidade, declarando-se casado e marido fiel, na medida do impossível, vez que, em várias oportunidades, tinha resistido às tentações da carne com as ditas colegas de trabalho, que, via de regra, como disse, “jogavam charme para cima da sua pessoa”. Ouvidas em separado, tanto a primeira indigitada quanto a segunda foram uníssonas em declarar que, por várias vezes, haviam mantido conjunção carnal com o dito dos Anjos – inclusive em horário de expediente regular dos trabalhos forenses –, o qual sempre se mostrou conquistador inveterado, capaz de dizer palavras ao ouvido de uma mulher que a faziam impossibilitada de resistir, tratando-se, segundo elas, da notória coação irresistível, ou mesmo assédio sexual, a que aludem diversos textos legais e jurisprudência mansamente aceita. Ainda segundo ambas, àquela altura, já estavam, cada um a seu turno, apaixonadas pelo indigitado colega, pelo que requeriam exclusividade no local de trabalho, não consideradas as obrigações matrimoniais do servidor, que ambas reconheciam de direito da esposa legítima, conforme as cominações legais vigentes. A segunda, Marielisa de Souza Santos, arguida, confessou ter premeditado o encontro com a ex adversa à saída do toalete, com o intuito de dar por término a parceria da colega com o dito Francisco Garcia dos Anjos, tudo dentro dos ditames da ordem e da lei, o que não ocorreu, no entretanto, em virtude de ter sido acometida por fúria incontrolável, ao ver a colega meeira do seu amado sair, daquele recinto, deslumbrante nos trajes da sexta-feira promissora que se anunciava, motivo mais do que suficiente para despertar incontrolável ciúme, que ela própria desconhecia, tendo em vista que naquela mesma sexta-feira tinha compromisso de aniversário de afilhado dela e de seu marido, no aprazível bairro do Galo Branco, em São Gonçalo. Garantiu ela que, durante largo tempo, resistiu às investidas do colega, o qual, frequentemente, vinha soprar-lhe aos ouvidos elogios ao seu corpo fornido de carnes, a seus seios ainda empinados, apesar de mãe de filhos, e à sua pele de âmbar, elogios a que ela, por mais virtuosa que fosse, por fim sucumbiu. Por seu lado, Luzia da Silva Penteado, que a este Secretário sempre pareceu moça recatada, porém de muita beleza e sensualidade, garantiu que apenas reagiu na mesma medida da agressão, pelo que se justificou com a lei de Tabelião, digo, de Talião, antiga de muitos milênios, já que preconiza o dito “olho por olho, dente por dente”. Instada pelo Presidente do inquérito e inquiridor-mor, informou que há muito mantém com o servidor em tela minudências íntimas das mais variadas posições e integrações, pelo que se sentia pecadora inveterada, mais que a própria Madalena bíblica, tornando-se, doravante, com a publicidade deste caso, a vergonha de seu amado pai, pastor evangélico da Igreja Congregacional da Terceira Lâmina, localizada no Badu, em Niterói, talvez agora ameaçada de encerrar suas atividades diante de tais evidências. Asseverou ela, contudo, que resistira o máximo que pôde às investidas do colega que, amiúde, vinha-lhe propor saliências, vangloriando suas pernas, que julgava bem torneadas, e seu rosto, que afiançava ser feito de alabastro. Como rapaz nenhum da congregação que frequentava, em tempo algum, dissera-lhe minimamente palavras tão belas, acabou cedendo ao canto do boto tucuxi de nome Francisco Garcia dos Anjos. Depois de tudo apurado e tendo ouvido as partes e não tendo chegado esta douta Comissão de Inquérito a um veredicto sobre a culpabilidade de nenhum dos três envolvidos, tirante o fato ocorrido em suas dependências, determinou o Senhor Presidente da dita Comissão fosse aplicada aos ditos funcionários Francisco Garcia dos Anjos, Marielisa de Souza dos Santos e Luzia da Silva Penteado a pena de advertência escrita, a ser assentada em suas fichas funcionais, e o rogo de que suspendam a conjuminação carnal mantida entre eles durante o horário do expediente forense, excluídos quaisquer outros, já que esta Comissão não tem jurisdição em quartos de motéis, bancos de automóveis e beiras de estrada. Nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente determinou a lavratura da presente ata que vai por todos infra-assinada. Eu, Alcebíades Pereira dos Reis, secretário, lavrei o presente termo, que assino em público e raso. Dado e passado nesta cidade do Rio de Janeiro, Capital do Estado, aos vinte e cinco dias do mês de março do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil, novecentos e setenta e sete.
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E eu estou passando mal de tanto rir aqui...hahahahahahahahaha...Muito bom!
ResponderExcluirNão existe aparato legal ou ilegal para conter as exigências da carne. Bote-se o verniz que for, na hora que a jiripoca pia somos todos animais no cio.
ResponderExcluirBelo recurso, Saint-Clair. Nos idos dos 70, participei de uma montagem de O Processo de Kafta e como programa do espetáculo usamos autos de um processo real.
Notei que deixaste saltar aos olhos a preferência do Secretário.