Não sei se vocês sabem, mas cabeça de aposentado é campo aberto a todo tipo de invasão. É terra de ninguém. E o que mais existe por aí são ideias sem cérebro, tal qual gente sem terra, doidinhas para invadir fazenda, ou melhor, cabeça improdutiva.
Estava eu distraído, pensando na morte da bezerra, tipo baiano deitado na rede, diante de um marzão tranquilo ¹ (Aqui chamo a atenção dos meus leitores para diversas notas explicativas de rodapé essenciais à compreensão do texto.), quando senti que estava sendo tomado por um espírito de porco, querendo psicografar mensagem muito importante para o sofrido povo brasileiro.
A princípio, relutei. Não muito, é verdade, porque os acometidos pelo pecado da preguiça não têm muita disposição de luta. Isto é muito comum a hipertensos e hiperativos. A mim, definitivamente, não! Por isso mesmo é que, daí a pouco, fui compulsoriamente sintonizado com o espírito do grande homem público Zé Sarney, que só não deu entrada ainda no mausoléu que mandou construir no Maranhão, porque há uma parcela significativa do eleitorado que crê piamente no simulacro de gente que, às vezes, vê em retrato na urna eletrônica e digita o número a ele correspondente. Melhor seria fazer uma fezinha no bicho com aquele número, cercando pelos sete lados, milhar e centena invertidos.
Eis aí a importante mensagem recebida do Além:
“Brasileiros e brasileiras, maranhenses e maranhensas, amapaenses e amapaensas ²’³! Do alto desta minha insigne modesta pessoa pública, que, sem falsa modéstia, é exorbitantemente presunçosa, e reconhecendo todo o benefício que minha vida pública trouxe para o povo brasileiro ⁴, venho declarar que de nada adiantarão préstitos, cortejos e procissões, no intuito de me solicitarem outro mandato desinteressado e desassombrado, como todos os anteriores, para que eu continue a servir à Pátria ⁵, no mais alto interesse da coisa pública. O que afirmei no Congresso Nacional está afirmado. E só não chorei durante o discurso de posse na presidência do Senado da República para a próxima legislatura, embora tenha ficado visivelmente com a voz embargada ⁶, porque dona Kiola disse que filho dela não chora. E não pedirei, como um ex-presidente, para que se esqueçam de mim ⁷. Estarei atendendo a todos, indistintamente, no mausoléu que mandei construir em minha honra, no meu querido Estado natal ⁸. Até mais! À bientôt! See you soon! Arrivederci! Hasta la vista, baby!” ⁹
¹É, até mar de baiano é preguiçoso. Tanto que nunca ouvi falar em campeonato de surf por aquelas bandas. Não sei se o amigo, primo postiço e baiano dos quatro costados Paulo Mattos confirma ou desmente esta minha afirmação. Que não quero que pareça maledicência!
²Anda na moda fazer femininos inusuais e inusitados. Quero só ver, quando elegermos um gay, o que se fará com a espancada língua portuguesa! Que eu saiba, o gênero neutro morreu com o latim em priscas eras. E nomes comuns de dois gêneros já existem: o/a artista, o/a estudante, o/a presidente, o/a amante, o/a assaltante e assim por diante, conforme a rima. Camões deve estar-se revirando no túmulo, que fica no Mosteiro dos Jerônimos, no bairro de Belém, em Lisboa. (Forneço o endereço da última morada do grande vate lusitano, para que algum brasileiro que lá seja lhe leve palavras de consolo.)
³Nesse momento voou um pedaço de bigode tinto do preclaro homem público sobre a mesa. Por aí vi que o troço era sério.
⁴Como comentava, dia desses, durante cafezinho com o amigo Zé Antonio Lahud, e parodiando Otto Lara Resende, Sarney foi provido pela natureza do sentimento do autoelogio desavergonhado. Nunca, na história deste País, um ex-presidente se elogiou tanto. Nem mesmo FHC, que é um intelectual brilhante e deve ter um vocabulário bastante extenso, chegou a tanto. Lula, por sua vez, andou cometendo tal pecado, mas acabou por se contentar com “é o cara!”, que o Barack Obama disse. Já o Itamar foi franco: não se elogia de corpo presente, porque, como mineiro, tem vergonha e gosta mais, mesmo, é de pão de queijo.
⁵Aqui o cavalo quis trocar a regência do verbo para “servir-me da Pátria”, mas não conseguiu. O caboclo era por demais poderoso e guiou sua mão com firmeza.
⁶Aquele embargo na voz foi de uma sordidez jamais vista nos anais (epa!) do Congresso Nacional. Nem Da. Kiola, conhecendo-o como o conhecia, acreditaria nele!
⁷Não me estou lembrando de quem foi esse tal ex-presidente. Alguém aí se lembra?
⁸Se queres alguma coisa, faze-a tu mesmo, pois pode ser que outros não a façam por ti. (Criei este provérbio somente para a ocasião e pode ser que ele não emplaque. O que fazer?!)
⁹Sarney sempre com essa mania de mostrar que é intelectual, poliglota (Ele fala não sei quantas línguas, além do dialeto maranhense com grande fluência.). Não bastariam sua vasta obra literária, seu fardão da Academia e seus maribondos de fogo sobrevoando o brejal dos guajas?
PS: É melhor encerrar a psicografia, pois já são observações em demasia. E, também, posso até ser cavalo de espírito de porco, mas burro não sou!
Saint-Clair, não se mexe com o além em vão. Ainda mais quando este além origina-se no aquém, região mais trevosa do pós vida. Vai que resquícios ectoplasmáticos de tal entidade mondrongosa grude indelével em vosso campo astral, nem com todos os recursos das fraternidades brancas e pretas, reunidas em congresso, encontrarão modo de exorcizá-la.
ResponderExcluirPaulo Laurindo, já vou providenciar um descarrego reforçado, um desconjuro forte, para me ver livre desse encosto. Sai, coisa ruim!
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