17 de fevereiro de 2011

FLASHES DO VERÃO CARIOCA 2011

1. Praça Quinze de Novembro, 12h
Atravesso de catamarã a baía e, quando chego à Praça Quinze, tenho a atenção chamada por música vinda da direita. Pela flautinha enjoada, percebi que se tratava de um dos muitos grupos de música andina que infestam nossas grandes cidades. Devo confessar que, após o surgimento desses grupos tocando por muitos dos nossos espaços públicos, fiquei com uma má vontade danada para comprar cds de música hispano-americana.
Pois muito bem! Lá estavam três filhos do deus Sol, acompanhados de uma parafernália eletrônica a multiplicá-los por três. Um tocava flauta, outra mexia percussão e o terceiro dançava.
Imagem em esmiperu.
blogspot.com.
Vou fixar-me neste último, pois era o que mais atraía atenção. Baixinho, talvez um pouco acima de metro e meio, longos cabelos escorridos, vestia-se com calça de índio navajo de bangue-bangue americano, aquelas de babados laterais. O magro torso desnudo sustentava um exagerado par de asas, de grandes penas, que lhe davam a aparência do anjo do filme Barbarela (os mais velhos e os cinéfilos hão de se lembrar). Tive pena, sem querer fazer trocadilho com a desgraça da fauna, da ave sacrificada para aquilo.
Até aí, nada demais, dirão vocês. O que chamava a atenção, no entanto, era a dança, realizada de forma canhestra, com passinhos laterais saltados, numa coreografia mambembe, que me remetia a outra película, desta vez dos Estúdios Disney: Bambi.
O que era aquilo, meus amigos?! Tenho certeza de que Manco Capac e Tupac Amaru, heróis da resistência nativa aos invasores espanhóis, estão tendo convulsões no túmulo. Aquela dancinha afrescalhada desmerece toda a tradição inca. E estou praticamente seguro de que jamais os aimaras e os quíchuas, descendentes diretos da cultura inca, vão respaldar o papel miserável que esse trio perpetra nas praças desta mui leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
2. “Rio 40 graus, cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos...” *
O calor estava de lascar, os termômetros batendo os quarenta Celsius (Se fizermos o câmbio para Fahrenheit, aí fica parecendo orçamento de cidade do interior: lá pelos 104⁰F!). Ia pela esplanada da Praça Quinze, procurando pelas sombras das árvores, quando encontrei pela enésima vez um cidadão que, há anos, pede dinheiro aos passantes, com a mesma boa aparência de sempre. Jamais dei um centavo que seja, pois ele não tem na expressão a menor sinceridade da sua qualidade de coitado social. Também nunca vi ninguém a ajudá-lo. Porém, se há tempo ele faz ponto ali, é porque deve conseguir pescar algo. Ou ele trocaria de pesqueiro. Lugar onde não se pega nem lambari é logo abandonado por pescador esperto.
3. Sinceridade demais ofende
Final da tarde, estava um ambulante vendendo biscoitos de polvilho – os populares biscoitos de vento –  na Rua São José, ao lado do Museu Naval. Anunciava seu produto, salgado e doce, acondicionado em dois sacos brancos, por cinquenta centavos de real.
Diante dele, mais baixinho, cabelos brancos a desbotar a cabeça, um senhor já na faixa dos seus setenta e tais está confirmando o valor do pacote, que julga muito barato (Em dias de jogos no Maracanã, o preço chega a dois reais). Por ter sido a resposta positiva (Sim, foi feito hoje!), desconfiou da qualidade. No entanto, o vendedor garantiu-lhe que o produto era fresco, daquele mesmo dia. Como, na cidade grande, a confiança no outro diminui bastante quando o bico do maçarico está ligado sobre a cabeça das pessoas, vira-se o idoso para o camelô:
- Então, é produto de roubo.
E continuei andando, sem parar, porque previ que o tempo fecharia.
4. Quem não tem competência não se estabelece

Desenho de Lan, em
cartunistasolda.
blogspot.com
O sol quente a queimar meu pobre couro cabeludo, já um tanto desprovido de teto, arrisquei-me a atravessar a Avenida Graça Aranha, próximo ao sinal de trânsito. Estava indo almoçar com os amigos Rogério Barbosa e Eduardo Campos, companheiros desde os tempos acadêmicos. Lá vinha um táxi em velocidade moderada que, aos poucos, parou, para que eu passasse. Pelo menos, foi o que presumi. Agradeci a educação do motorista com um aceno de mão, mas, em seguida, percebi que toda aquela deferência passou do meu lado esquerdo na pele, no corpo, na cor e no veneno de uma mulata. Ela, sim, de fazer parar o trânsito. Eh, Rio Inzoneiro, de janeiro a janeiro!

*Trecho inicial de música de Fernanda Abreu.

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