6 de junho de 2012

TIPO ASSIM (IV) - OMIR, MEU AMIGO DE CINEMA

Omir foi um dos meus amigos de infância na vilazinha natal. Crescemos juntos, estudamos no mesmo Grupo Escolar Marcílio Dias, embora fôssemos de turmas diferentes - eu era uns dois anos mais velho que ele -, porém tivemos uma convivência especial na barbearia do Moreninho. Ele regulava idade com meu irmão Gutenberg, seu parceiro de brincadeiras.

Ele era um dos flhos do seu Quincas Eletricista, que, com sua mulher, nomeou a descendência com antropônimos começados por O: Ogáper, Omar, Odimar, Odir, Omir, Ozete e Odarci, da mais velha ao mais novo.

Como filhos de gente humilde do interior, pelos idos dos anos 50 do século passado, éramos encaminhados ao trabalho desde cedo, sem que isto fosse condenado socialmente. Ao contrário, era muito positivo.

Eu já havia vendido verduras e laranjas para minha avó materna Maína, dona de um grande quintal, e me revezava com ele, algumas vezes, no comando das graxas e das escovas na cadeira de engraxate da barbearia. Até que um dia, meu pai chegou-se para mim e perguntou:

- Você quer aprender o ofício de barbeiro?

- Não, pai! - respondi-lhe com a segurança de meus quinze anos, livro à mão, estudando.

- Pois pode ir, que o Moreninho está esperando para ensinar.

E, por isso, passei de engraxate à meia com meu amigo a aprendiz de barbeiro, responsável sozinho pela segunda cadeira do salão. A partir de então, não mais coloquei minhas habilidosas mãos na faina de dar lustre em sapato alheio. Agora eu começava a dar piques de navalha no queixo de uns e outros e a fazer caminhos de rato na cabeça dos moleques mais pobres que eu, a quem convencia a servirem-me de cobaia gratuitamente.

Tínhamos, então, a mesma convivência, mas, convenhamos, eu desfrutava de um status mais elevado que ele. Isto, contudo, era tão diluído, tão insensível, que, à época, nada significava. Nunca percebemos. E só agora o refiro em tom de brincadeira.

Certa ocasião, Zezete, um proprietário rural apaixonado por cinema, resolveu retomar as projeções cinematográficas na vila, interrompidas havia tempo, desde que um cidadão da vizinha cidade de Apiacá suspendera tal atividade, e foi até a barbearia, a fim de solicitar nossa colaboração.

Imagem em cultura.al.gov.br.


Claro que aceitamos de imediato. Ficamos responsáveis por receber os rolos de película que vinham pelo ônibus desde Bom Jesus do Itabapoana, e também por fazer os cartazes de publicidade dos filmes, com a utilização das fotos que acompanhavam os rolos. Além disso, nos dias da sessão, auxiliávamos o Zezete na projeção. Ele dispunha de dois projetores novos, de 16mm, que permitiam que não houvesse interrupção durante as sessões, uma novidade na vila.

Por causa da confecção desses cartazes, ficamos com prestígio de garotos de letra bonita, embora a do Omir fosse mais caprichada que a minha, o que nos levou a ser contratados a leite de pato - se é que me entendem - para escrever em muros e calçadas, durante à noite, após as aulas, a propaganda de Luís Teixeira Borges, candidato a vereador.

Passamos, assim, a mais essa outra atividade, que, algumas vezes, entrava pela madrugada. Com o material fornecido pelo candidato e as indicações dos locais previamente autorizados, partíamos para pintar a propaganda pelas ruas da vila.

No encerramento da campanha, Luís foi até lá nos encontrar e agradecer pelo trabalho realizado. Levou-nos, então, ao bar do tio Tônio, onde nos regalamos comendo um prato de tomates fatiados, temperados com azeite doce e sal, acompanhados de pão e guaraná. O paladar estava tão bom, que repetimos a pedida, que era, na verdade, a única opção àquela hora.

Durante esse segundo prato, aparece minha mãe, à porta do bar, próximo à nossa casa, procurando-me preocupada.

No momento, alguns homens ainda jogavam sinuca e se espantaram ao vê-la ali.

Terminamos de comer a salada e cada um foi para sua casa.

Pouco tempo depois, já passada minha fase de barbeiro - em dificuldades, Moreninho vendeu a cadeira - fui para Bom Jesus, e meu irmão me substituiu como auxiliar não remunerado de projecionista cinematográfico. Um pouco depois, Omir se mudou com a família para Duque de Caxias.

E nunca mais soubemos um do outro, como uma história que não teve nem final feliz, nem trágico, como acontecia nos filmes que ajudávamos Zezete a projetar no salão do Liberdade Esporte Clube, para o deleite de nossa pequena vila.

2 comentários:

  1. É, quantos amigos de infância perdemos pelos descaminhos da vida. Bela crônica.

    ResponderExcluir
  2. Você tem o dom de ser um mestre da boa saudade.

    ResponderExcluir