28 de junho de 2012

MINHA PRIMEIRA CALÇA COMPRIDA

Quando fiz doze anos, minha mãe me fez a minha primeira calça comprida. Lembro-me muito bem dela: era de um tecido riscado – finas riscas verticais espaçadas, na cor preta, sobre um fundo na cor algodão cru. Eu a achei bonita, se bem que de um gosto, ou um padrão, um tanto antigo, para as minhas pretensões de novel ouvinte do famigerado rock‘n’roll, que começava a dar seus trilos e grunhidos nas ondas hertzianas do rádio.

Naquela época, criança era criança e se vestia como criança. Não havia essa de os pais vestirem os filhos como se fossem pequenos adultos, como um pouco depois passou a ser moda. Hoje, por exemplo, com muita frequência, vemos meninas pequenas vestidas como periguetes e meninos travestidos de malandros e abestados jogadores de futebol. No meu tempo, não havia isso: eu era menino e como tal me vestia.

Só que ao fazer os tais doze anos, além de ter merecido de meu pai a deferência de poder andar em sua fantástica bicicleta inglesa Humber (veja crônica A bicicleta, de 8/3/12), minha mãe resolveu que eu deveria esconder as minhas compridas pernas, que começavam a ficar peludas, embora ralamente, pois não parecia coisa de bom tom demonstrar que já assumíamos a adolescência com todos os seus encargos hormonais.

Só depois de adulto – já burro velho, como dizemos lá –, é que desconfiei que a atitude de minha mãe deve ter vindo a reboque de um fato ocorrido anteriormente.

Alguns dias antes, estava indo passar o fim de semana com tia Alda, irmã de minha mãe, na casa da serra. Por essa época ela morava no início da subida da Serra da Boa Esperança, depois da Fazenda da Forquilha, no meio de uma natureza exuberante. Íamos a pé: ela, vários de seus filhos – ela tem nove entre homens e mulheres – e eu. Só o Zé Fábio era mais velho que eu, e apenas três meses. Os demais, todos mais novos.

Pois não é que um deles, o Elsinho, se virou para tia Alda e disse, em português claro e sem rodeios, quando chegávamos perto da casa do seu Manuel Pereira, onde tomávamos o caminho de ida:

- Mãe, sabia que o Saint-Clair já tem cabelo no saco?

A notícia não provocou desespero, nem trauma, embora tenha sentido em sua fisionomia certo ar de nojo. Tia Alda apenas me disse que, a partir de então, eu deveria sempre usar cueca, mesmo com o calção, que era a roupa de uso corriqueiro de meninos.

Eu fiquei sem jeito, pois isto era, até aquele momento, um segredo entre os primos, mas concordei com ela. E já me achei a partir daquela bifurcação da rua, no fim da Coreia – a casa do seu Manuel Pereira separando os caminhos da Vala e do Jacó –, uma pessoa diferente: eu deveria, a partir dali, usar cueca sempre. Acho que tinha virado homem!

Minha tia, penso então, deve ter comentado com minha mãe. Eu mesmo não lhe dissera nada. E ela providenciou a tal calça nova.

Não sem antes fazer uma recomendação em tom severo, das mães daquele tempo:

- Olha só, estou te dando esta calça comprida, mas não é para achar que já é homem. Se ficar com bobice de arranjar namorada, faço como a Colola fez com o Zé Carlos: meto a tesoura e faço dela uma calça curta.

Tia Colola era sua irmã mais velha e puniu meu primo, ao lhe dar sua primeira calça comprida e o encontrar na Praça Governador Portela já engatilhando namoro com certa menina. Linha dura como sempre foram nossas mães, quando o galinho garnisé metido a dono do terreiro chegou a casa, teve sua bela calça comprida reduzida a calça curta, a poder de tesouradas.

Meti-me dentro da minha e saí, naquela noite gloriosa de um sábado perdido nos anteontens, para passear na pracinha e mostrar aos meus amigos e demais circunstantes que havia virado homem. Não sabia muito bem as consequências disso, mas achava que ia dar o maior pé, para repetir também uma expressão da época.

E, com a recomendação em tom de lei draconiana ecoando em meus ouvidos, resolvi preservar a calça. Eu ainda teria muito tempo de homem feito pela frente!

ENFANTS- UN MONDE DIFFICILE
Imagem em bruixeta.centerblog.net.

2 comentários:

  1. A gente sabe, somos de cidades próximas,mas cada vez que leio um crônica sua volto a Calçado. E nesta você venceu, eu só fui ter as primeiras penugens escrotais aos treze, entrando nos quatorze.

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