14 de dezembro de 2010

O HIPOCONDRÍACO

Não admitia que houvesse pessoa mais doente que ele. Tomava isso como uma ofensa pessoal, algo imperdoável. Já tivera – ou imaginara ter – todas as doenças, num raio de duzentos quilômetros de onde morava. Uma época, inclusive, resolveu atribuir-se o título de “Defensor dos Frascos e Comprimidos”, do qual muito se orgulhava, tal era a quantidade remédios que comprava para debelar todo tipo de incômodo, até vento virado. Quando supunha que em algum lugar, porventura, alguém pudesse desfilar com doença que desconhecesse, coisa quase impossível, para lá se dirigia, no intuito de incorporar todos os sintomas em seu organismo já imaginariamente bastante debilitado. Voltava para casa com a consciência tranquila, ou melhor, doída do dever cumprido.

(Em blogdocrato.blogspot.com)
Com frequência ia para filas – quaisquer que fossem elas –, com o objetivo de se atualizar nos mais diversos males que acometem o ser humano. Ficava assuntando, ouvindo atentamente as conversas, imiscuindo-se em conversa alheia, sempre que dali pudesse tirar enriquecimento para sua hipocondria. Quase sempre, voltava com algumas mazelas a mais.

Com o advento da internet, as coisas ficaram ainda mais fáceis, apesar de, vez ou outra, sentir-se humilhado com doença nova. Foi o que aconteceu, por exemplo, ao descobrir que, em numa ilha qualquer do arquipélago das Filipinas, uma rara doença estava transformando um homem em árvore. Quase teve uma síncope com a descoberta. Chegou mesmo a amaldiçoar aquele cidadão das terras do caixa-prego, sem eira nem beira, que teve a petulância de aparecer com aquilo. Sentiu-se desfeiteado, ofendido. Caso descobrisse o endereço eletrônico do coitado, iria dizer-lhe poucas e boas.

A família já nem dava atenção às suas reclamações. Os sobrinhos, então, de muxoxo, diziam:

- Lá vem aquele chato do tio doente.

Certo dia, por ocasião do seu aniversário de casamento, quando mulher e filhos resolveram fazer um churrasco no quintal da casa, teve um acometimento convulso, vindo do nada, só porque tomou um copo d’água gasosa. Resolveram, assim, levá-lo à emergência do hospital mais próximo. Chegou quase morto, ou o que quer que isso pudesse significar na cabeça dele.

O atendimento foi urgente e de primeira, coisa também rara em nossos hospitais. Vasculharam aquele organismo indigente em todos os seus setores e departamentos, com os mais diversos exames, nas mais modernas máquinas e não descobriram xongas nenhuma. Nadica de nada! Ele estava bom como um coco, mais certo que boca de bode.

No quarto onde ficou, a equipe médica foi dar o resultado da futucação empreendida em sua pessoa, na presença de toda a família.

- Seu Aldemiro, o senhor não tem nada. Aliás, o senhor nunca teve nada. Sua saúde é de ferro. Nem unha encravada e joanete descobrimos no senhor. O senhor está de alta, e passe muito bem!

Aldemiro saiu do hospital derrotado, acabado, mais humilhado que deputado pego em flagrante de corrupção, mas não se deu por vencido. Não iriam fazer aquele desaforo com ele, sem a devida reparação. E contratou advogado de fama duvidosa, para mover ação contra hospital, equipe médica e enfermeiros, por calúnia, injúria e difamação.

3 comentários:

  1. Hihihi...barriga doendo de rir, me lembrei da mãe de meu com um amigo, que ficavam trocnado pílulas: uma vermelha por duas brancas; uma cverde por três azuis...e assim iam. Vou fazer uma crônica sobre o fato. Obrigado, Mestre!

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  2. E está certo o seo Aldemiro: médico sabe mesmo é escrever receitas com letra de médico. Um acinte esta falta de respeito com os achaques alheios!

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