(Foto colhida em neilimafotos.blogspot.com.) |
Ia ele compenetrado na marcha, sem se dar conta da beleza da manhã de maio, com leves nuvens esparsas pelo céu que já anunciavam a partida, a fim de deixar o céu de um azul forte, quando, com passo mais apressado, passa por ele uma mulher mais jovem, loura, cabelos compridos, toda de malha negra colada ao corpo, cujos contornos pareciam esculpidos por Rodin em seus delírios de amor por Camille Claudel.
O arrebatamento foi avassalador! O desacerto produzido em seu cérebro, até então amortecido, pela passagem daquela mulher refletiu-se no organismo, ao produzir-lhe espasmos nos músculos. Pensou mesmo que ia ter um troço, como na velha marchinha de carnaval de Jackson do Pandeiro. De imediato resolveu que ela era a mulher da sua vida, sem ela não poderia mais viver. E apertou o passo, na ânsia de se aproximar dela.
- Oi, não vejo você sempre por aqui.
A loura olhou-o de soslaio, sem diminuir o ritmo, e disse:
- É que eu vim há pouco de Itaocara. Morava lá. – E continuou na marcha.
Ele não poderia perder a oportunidade e procurou acompanhá-la, muito mais lépida que ele, num esforço a mais para não deixá-la afastar-se. Já um pouco mais ofegante, perguntou-lhe sobre sua vida, assim sem mais nem menos. Ela lhe disse, então, que ficara viúva e, por isso, resolvera mudar-se para Niterói. Ele lamentou a tragédia de sua vida, embora ela não parecesse assim tão abalada. Ainda comentou que o marido defunto, assoberbado por dívidas impagáveis, acabou por atirar-se da ponte sobre o rio Paraíba do Sul.
- Coitado! Morreu afogado? – lamentou-se ele.
- Não! Na verdade, o rio estava muito baixo e ele acabou batendo a cabeça na pedra. Foi concussão cerebral.
Quando viu que não ia conseguir acompanhá-la na subida do MAC, inventou a desculpa de que já estava na sua hora e combinou encontrá-la no dia seguinte naquela mesma hora, naquele mesmo calçadão.
Voltou para casa cheio de lucubrações na cabeça. Subiu o elevador do prédio e entrou no apartamento. Deu de cara com a esposa, sentada no sofá, anotando uma receita nova que o programa de televisão mostrava. Olhou-a um pouco mais demoradamente e percebeu os estragos que o tempo fizera em sua mulher, antes tão bela. Ela estranhou um pouco e lhe perguntou se estava tudo certo. Ele disse sim e foi para o banheiro. Quando tirou a roupa para o banho matinal, pelo espelho pôde observar também a mão do tempo sobre seu corpo. Cinquenta e pouco anos não são cinquenta e poucos dias. O tempo é implacável, sobretudo quando não se têm os cuidados que todos os médicos teimam em recomendar, pensou ele com certo pesar.
A água morna caiu-lhe como um calmante sobre as caraminholas da cabeça. Pensou, refletiu, repassou a vida em fotogramas cronológicos bem nítidos, os dias e os anos compartilhados com a mulher, as coisas realizadas, as tristezas e as alegrias, as dívidas e as dúvidas.
Começou a enxugar-se, esfregou a cabeça com mais força nesse dia, como a expulsar as tais caraminholas. Vestiu-se para ir ao trabalho. Ao passar pela cozinha, para tomar o copo d’água e o cafezinho de todos os dias, antes de sair, disse para a mulher:
- Querida, vamos sair hoje, jantar fora, tomar um bom vinho e comemorar todo esse tempo que estamos juntos.
A mulher tomou um susto e pensou que, talvez, o marido estivesse tendo um mau pressentimento. Vai ver ele está sentindo que vai morrer, Deus do céu, continuou a pensar ela. Mas aceitou assim mesmo.
- Mas por que isso agora, querido?
- É que eu tive um mau pressentimento, quando corria pelo calçadão da praia, e percebi que a vida é muito traiçoeira, muito escorregadia. Temos que aproveitar todos os momentos.
Beijou a esposa com mais carinho nesse dia e foi para o trabalho, com a decisão tomada de trocar o horário da caminhada. Agora iria à noite, para não sofrer nenhuma recaída. Que aquela loura era quase uma coação irresistível.
Homem de juízo. Ô Mestre, pega com ele aí o horário da loura...
ResponderExcluirMedida acertada, para não quebrar o encanto e nem elevar as taxas.
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