não falemos mais das coisas passadas sob os cobertores
numa tarde fria de agosto
deixemos que o tempo apague o que sobrar de nós dois
das coisas que fizemos
dos sonhos não realizados
do azedume da boca frustrada
deixemos que o calor do corpo
se perca no ar infestado de pernilongos e muriçocas
e o suor escorra no canto da boca para cair
sobre os lençóis
finjamos que os dias são sempre os mesmos
a despeito de todas as dores e guerras
e não sintamos mais
o peso dos séculos sobre nossas cabeças
nem o desconhecimento do futuro
no conglomerado orgânico dos nossos intestinos em fogo
fiquemos apenas contentes em saber
que o amanhã será talvez
e tudo o mais será pois é
Jean-François Millet, As respigadoras, séc. XIX (imagem em http://www.rmn.fr/). |
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