A viúva, ainda nem bem acomodara a roupa de luto sobre suas curvas e boleios, e já havia urubu de olho grande sobre seus guardados. Achou aquilo um despropósito, e justamente na hora em que o povo do velório entoava o hino que diz “Com minha mãe estarei, na santa glória um dia”, em molde de última despedida.
Ele se aproveitou do momento de vozerio entoado na sala ampla, para sentar-se ao lado dela, lenço molhado em suas mãos fechadas sobre o colo, e desfiar rosário de duvidosas intenções em seus ouvidos.Messias tinha essa capacidade extra, além do artesanato em couros e dos remendos em sapatos, que praticava com razoável perícia: dizer saliências nos ouvidos das mulheres que ele imaginava dispostas a qualquer tipo de franquia de suas pudendas partes.
Para não fazer escândalo no meio da cantoria religiosa, olhou feio para ele, que se levantou de mansinho, sorriso amarelo pregado logo abaixo de um bigodezinho muito do sem-vergonha, do tipo cantor de bolero de bar da guaxa, na beira rio.
Saiu com o chapéu na mão e pegou o primeiro pedaço de broa que encontrou no caminho da cozinha, encheu aquela boca infame e foi sentar-se no banco da mesa espaçosa, onde estavam os quitutes preparados para a ocasião.Para a mãe de Melaine, dona Mariquinha, que preparava os comes e bebes, Messias fez tais mesuras e rapapés, que a própria senhora desconfiou. Ele era, na verdade, um sapateiro que ia acima das tamancas, sem a menor cerimônia.
Ali ficou por mais um bom quarto de hora, quando percebeu o movimento de fechar a tampa do caixão, ocasião que aproveitou para voltar para perto da viúva, agora ao lado do extinto todo florido de margaridinhas e marias-sem-vergonha.Imagem em singrandohorizontes.wordpress.com. |
Quando as tarraxas começaram a gemer, ao serem arrochadas pelos amigos mais chegados, Melaine entrou em pranto convulso, entrecortado de soluços de rasgar o coração dos circunstantes. Messias, muito prestativo, segurou-lhe o cotovelo, como quem a amparasse, com a mão quente da lubricidade.
Melaine sentiu uma coisa ruim subindo-lhe da base da coluna até o alto da nuca, com aquela mão em seu cotovelo, que interrompeu o choro para assoar o nariz, movimento com que se libertou do sapateiro abusado.Moto contínuo, o conquistador disse-lhe em sussurro, no pavilhão da orelha esquerda:
- Gostaria de que, agora, a senhora considerasse essa minha benquerença de muitos anos.- Que benquerença é essa, seu Messias? E numa hora dessas, seu Messias sapateiro? Dê-se ao respeito! Tenha respeito pela dor alheia!
E disse isto com a voz alterada, em bom timbre, de modo que os mais próximos olharam em direção a Messias. Vermelho como uma brasa, o sapateiro enfiou o chapéu na cabeça e tratou de sair o mais depressa que pôde, a fim de não tomar uns catiripapos naquela cara estanhada de homem safado e acabar como o finado Melchíades, com CH e tudo, de canelas espichadas e rodeado por margaridinhas e marias-sem-vergonha.Onde já se viu?!
Linguagem deliciosa.
ResponderExcluirEstive nesse velório no corpo dos seus personagens.