6 de dezembro de 2011

O FUTURO JOGADOR

No domingo, o pai deu uma coça de cinto no filho adolescente e foi admoestado pela mulher e denunciado pelo vizinho ao Conselho Tutelar. Ele, botafoguense; o vizinho, rubro-negro. Já viram que a pinimba começa na cerca do quintal!
Na segunda-feira à tarde, recebeu intimação do conselheiro para lá comparecer.
Na terça de manhã, chegou no horário marcado, todo cheio de dedos, temendo pelo pior.
Chamado à sala do conselheiro, que se fazia acompanhado de mais dois colegas, entrou humilde, os olhos no chão.
- Boa tarde, seu Gabriel. Sente-se aí, por favor, que temos um assunto sério a tratar com o senhor. Qual é a sua profissão?
- Sou bombeiro-eletricista autônomo.
- Muito bem, seu Gabriel! Recebemos a denúncia de que o senhor bateu em seu menino de quinze anos.
- Bati, sim, senhor.
- Inclusive soubemos que o menino chegou a gritar, pedindo ajuda.
- Foi, sim, senhor. Chamou pela mãe e pelo vizinho, um flamenguista enjoado.
- O senhor não sabe que não pode mais bater nos seus filhos assim, seu Gabriel? Que não pode infligir castigos físicos às crianças?
- Ouvi falar, sim, senhor.
- Que, com este tipo de violência, o senhor pode causar problemas psicológicos sérios no menino para o resto da vida dele, seu Gabriel?
- Também já me falaram isso, mas não sei se é verdade. Fui criado debaixo de couro por meu pai e não aconteceu nada dessas coisas comigo. Tomava uma sova, dia sim, dia não, igual àquelas injeções antigas de Gadusan na veia, pra anemia. Eu não tenho esses problemas aí, não, senhor.
- Mas os tempos são outros, seu Gabriel. O senhor já ouviu falar em Freud, em Young, em Piaget, em Freinet, em Montessori, em Nill? E no ECA, já ouviu falar?
- Não ouvi, não, senhor! Não sei quem é essa gente. É gente graúda aí do Conselho?
- Não, seu Gabriel! Mas isso também não vem ao caso agora. E pode-se saber por que é que o senhor bateu no seu menino? Quantas correadas o senhor deu nele?
- Pode, sim, senhor! Dei umas dez correadas bem dadas naquele sem-vergonha, que é para ver se ele toma jeito de gente. Ele me tirou do sério!
- Mas como foi isso, seu Gabriel? Vamos ver se o Conselho compreende suas razões.
- Deixa eu explicar para o senhor. Aquele menino, o Lucas, meu filho, me aprontou uma daquelas. Ele gosta muito de jogar bola. Sempre que pode está correndo atrás da bola. Até que joga direitinho o danado! Aí falou pra mim: “Pai, o senhor me dá dinheiro para eu ir à escolinha de futebol aqui da vila, lá no clube? Tem de pagar a ficha, que custa dez reais, e mais um dinheiro para o lanche. Eu vou ser um grande jogador de futebol, pai. Pode acreditar em mim. Aí eu ganho dinheiro e a gente melhora de vida. Eu ajudo o senhor e a mãe, mais meus irmãos tudinho. Vou até aparecer na televisão dando entrevista”. Então peguei vinte reais, que ganho suado, remendando cano, instalando chuveiro, dei para o sem-vergonha, e sabe o que ele fez? Voltou para casa com o cabelo cortado que nem aquele jogador do Botafogo, o Fábio Ferreira – o senhor conhece? –, que parece mais um galo da campina do que jogador de futebol. Onde já se viu isso? Ele quer começar a jogar bola, cortando o cabelo daquele jeito? Aí não tive saída: meti a correia nele. Peguei bem de jeito e dei umas dez correadas nele, que é para ver se ele aprende. Se fosse o senhor, não ia sair do sério também?
- É verdade, seu Gabriel! Até acho que foi pouca correada. Se, pelo menos, cortasse o cabelo igual ao do Neymar, ainda bem! Mas igual à daquele cabeça de bagre, é duro, seu Gabriel! É muito duro! O senhor está dispensado, seu Gabriel, e, enquanto o cabelo dele não voltar ao normal, pode deixar o menino de castigo, que a gente não vai mais perturbar o senhor. Que é para ver se ele aprender a ser esperto! Vai em paz, seu Gabriel, e muito bom dia!
Um e outro (em esporte.uol.com.br).

2 comentários: